Ao apreciar a relação entre finanças públicas, federalismo e organização política, em sua mais recente contribuição a Breves Artigos, Fabio Pugliesi faz eco aos estudos de Fabio Giambiagi, que, ao referir a tendência brasileira de incorporar influências estrangeiras, nas finanças públicas„ identifica sístoles e diástoles desde o Perôdo da Regência, passando pelo princípio estruturante do federalismo, surgido na Constituição de 1891.
Organização Política e Finanças Públicas dos Entes Federativos
Fabio Pugliesi
Ao se verificar uma mudança no exercício de governo em um contexto de ruptura nas formas de convivência combinada com a recorrente necessidade de disponibilizar meios para a população como garantia da coesão social e unidade nacional.
Comecemos pelos clássicos, Marx teria sido um leitor da Política de Aristóteles para fazer seu diagnóstico e propor a superação da luta de classes, afinal Aristóteles parte da premissa que, para o Estado conservar-se, criaram-se alguns para mandar e outros para obedecer.
Aos estudiosos do Direito não deve escapar que Marx propôs a superação da dialética de Hegel. Ainda que alguns destes estudiosos rejeitem a herança deste, existe uma nostalgia que, por meio das instituições, constituições e leis um país possa por si só se reconciliar e unir. Bastaria que exauridas de significado estas, saibamos construir outras. Aí residiria o IDEAL do “dever ser”, embora a análise econômica do Direito, em que se aceitam os métodos quantitativos, busque nos oferecer meios de superar isto.
Em tempos de disseminação dos algoritmos e da inteligência artificial, como disseminado pelo best seller Yuval Harari em seu 21 lições para o Século XXI, a relação com a natureza fica mais distante de nossa percepção, uma vez que somos capazes de criar novos materiais e, com o domínio do DNA, até novas formas de vida.
A velocidade da inovação expressa a ruptura com os padrões de convivência. Desconheciam-se dos aplicativos, nem refiro o Facebook e o Presidente dos EUA que se comunica por Twitter. Em 2010, o Google anunciou seu primeiro veículo totalmente autônomo e no próximo ano General Motors vai focar na sua produção nisto. A ruptura não poupa a previsibilidade do cálculo e a herança da física quântica se incorpora ao nosso cotidiano, definindo-se na teoria do conhecimento algo se que se inspire na fenomenologia de Husserl.
Todavia permanece o alerta da Política. Aristóteles ensina no capítulo 1 da Política que o homem recebeu da natureza as armas da sabedoria e da virtude, que deve usar, acima de tudo, no combate das más(grifo meu) paixões. Continua, sem virtude, é o mais perverso e feroz, porque só tem as brutais(grifo meu) explosões de amor e fome. Desta forma, prossegue Aristóteles, justiça é uma necessidade social, porque a lei é a regra de vida da associação política, e a decisão do que é justo é o que constitui a lei.
Verifica-se que Aristóteles aí propõe uma relação com a ética e a superação da lei como um texto normativo que deva ser aplicado, com todo respeito aos amantes da culinária, a exemplo de uma receita de bolo esparsa em Constituições, leis, etc.
Diferentemente de Marx e talvez influenciando Hegel, Aristóteles prossegue, para finalizar o capítulo 1 da Política, que todo Estado é obviamente uma associação, já que os homens, sejam eles quais forem, nunca fazem nada, exceto em vista do que lhes parece ser bom. Daí admitir que todas as associações têm um certo tipo e o que abrange todos os outros é uma associação estatal é política.
Neste ponto volta-se ao Brasil, um fenômeno de unidade territorial com uma zona econômica exclusiva em oceano de “águas quentes”, equivalente a metade de seu território, bem como a possibilidade de três colheitas por ano em uma terra ainda mal distribuída e também destruída pela herança indígena da coivara. Nesta região oceânica encontra-se uma das maiores reservas de petróleo no mundo, além de formas de meios de vida das quais estamos tão distantes, relativamente ao conhecimento, quanto a outro planeta.
Afinal, nesta era de ruptura da inteligência artificial, por que se referir ao território brasileiro? Dele se extrai AINDA E POR MUITO TEMPO SERÁ ASSIM os meios de subsistência, assim nossa organização política se relaciona, por exemplo, com as bacias Amazônica, Tocantins-Araguaia, Paraguai, Paraná e São Francisco.
Após o primeiro reinado, possivelmente na regência de Feijó, identificou-se que nossa viabilidade como país dependeria da formação de um povo considerando estes fatores geográficos. Esta riqueza geográfica só tem sido mantida em torno da tolerância das diferentes formas de viver que ela propicia, embora a força tenha sido usada nos séculos XIX e XX para manter íntegro o território. Daí se faz necessária uma reflexão no Direito Brasileiro sobre a aplicação da equidade na aplicação da lei ou ( a rejeição?) da máxima “faça-se justiça e se destrua o mundo” que uma compreensão isolada do texto normativo propiciaria.
Certo que o subproduto deste processo nos tem levado a um deslumbramento do “em que se plantando tudo dá”, como se refere a Carta de Pero Vaz de Caminha, bem como a um estamento burocrático que, a exemplo do identificado por Raymundo Faoro (ex-presidente da OAB), transforma um cargo público bem situado no melhor patrimônio, elementos que entraram nossa evolução. Ao lado das feridas de três séculos (mal resolvidos) de escravidão, como destacado por Joaquim Nabuco, sem negligenciar a forma como se incorporou o índio na construção do nosso país (aí vale ler Darcy Ribeiro e seu cunhadismo).
Em se falando de clássicos, nossa capacidade de incorporar influências permanece, inclusive nas finanças públicas, e o argentino de nascimento, Fábio Giambiagi, identifica as sístoles e diástoles expressas nas finanças públicas desde a regência, observado o princípio estruturante do federalismo surgido na Constituição de 1891 por inspiração de Rui Barbosa que admirava os EUA.
Verifica-se no Brasil que a unidade de governo, associado ao desejo da integração nacional e, por outro lado, as tendências regionalistas, que devem ser reconhecidas, ainda que condicionadas ao poder central, dificultam a implantação de uma racionalidade burocrática na Administração Pública, mas a lei de responsabilidade fiscal tem sido um marco que nos tem garantido inovações neste sentido. Todavia se esta lei tem garantido esta racionalidade não propicia meios de cuidado na execução da política orçamentária, optando por punições severas em resposta à inobservância de suas regras.
Há que se combinar força, tolerância e sabedoria na aplicação das normas de finanças públicas e no transplante de modelos desenvolvidos no hemisfério norte.
Doutor em Direito Tributário, Advogado e Professor em Santa Catarina