A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, por seu Pres­i­dente e Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas, Alfre­do Attié, exor­ta a comu­nidade jurídi­ca e a sociedade brasileira a se mobi­lizarem para pro­te­ger a Cin­e­mate­ca Brasileira.

A história resum­i­da do per­cur­so do patrimônio guarda­do pela Cin­e­mate­ca pode ser acom­pan­ha­da no site ofi­cial da insti­tu­ição. A Cin­e­mate­ca foi incor­po­ran­do vários acer­vos impor­tantes, não ape­nas para o estu­do e a pesquisa das artes visuais, mas igual­mente, para a com­preen­são de momen­tos e movi­men­tos históri­cos brasileiros.

Até recen­te­mente, des­de 2018, a Cin­e­mate­ca vin­ha sendo admin­istra­da por Orga­ni­za­ção Social volta­da à  exe­cução de pro­je­tos mais lig­a­dos à edu­cação do que à cul­tura, engloban­do em seu con­tra­to de gestão com o Gov­er­no fed­er­al, a preser­vação e aces­so de acer­vos audio­vi­suais, cuja insti­tu­cional­iza­ção se dava por meio desse con­tra­to, ago­ra, extin­to.

cam­pan­ha pela Cin­e­mate­ca

Den­tre os deveres do Esta­do brasileiro em relação à asso­ci­ação e ao con­tra­to estão o respeito à con­fig­u­ração insti­tu­cional da orga­ni­za­ção e o provi­men­to de recur­sos para a preser­vação do patrimônio. Nem é pre­ciso diz­er que a atu­ação do Gov­er­no apon­ta exata­mente para o opos­to do cumpri­men­to de tais obri­gações.

O patrimônio guarda­do pela Cin­e­mate­ca é con­sti­tuí­do por por cer­ca de 250 mil rolos de filmes e mais de um mil­hão de doc­u­men­tos rela­ciona­dos ao cin­e­ma, como fotos, roteiros, car­tazes e livros, entre out­ros.

Os deveres referi­dos não têm ape­nas origem con­trat­u­al e legal, mas encon­tram fun­da­men­to na Con­sti­tu­ição Fed­er­al, mor­mente nos arti­gos 215, 216 e 216‑A.

O arti­go 216 define patrimônio cul­tur­al, expres­san­do-se do seguinte modo: “con­stituem patrimônio cul­tur­al brasileiro os bens de natureza mate­r­i­al e ima­te­r­i­al, toma­dos indi­vid­ual­mente ou em con­jun­to, por­ta­dores de refer­ên­cia à iden­ti­dade, à ação, à memória dos difer­entes gru­pos for­madores da sociedade brasileira, nos quais se incluem s for­mas de expressão; os mod­os de cri­ar, faz­er e viv­er; as cri­ações cien­tí­fi­cas, artís­ti­cas e tec­nológ­i­cas; as obras, obje­tos, doc­u­men­tos, edi­fi­cações e demais espaços des­ti­na­dos às man­i­fes­tações artís­ti­co-cul­tur­ais; os con­jun­tos urbanos e sítios de val­or históri­co, pais­agís­ti­co, artís­ti­co, arque­ológi­co, pale­on­tológi­co, ecológi­co e cien­tí­fi­co.

O mes­mo dis­pos­i­ti­vo con­sti­tu­cional apon­ta os deveres do Poder Públi­co, isto é, da Admin­is­tração públi­ca, nas três esferas da fed­er­ação brasileira — fed­er­al, estad­ual e miu­nic­i­pal: pro­mover e pro­te­ger “o patrimônio cul­tur­al brasileiro, por meio de inven­tários, reg­istros, vig­ilân­cia, tomba­men­to e desapro­pri­ação, e de out­ras for­mas de acaute­la­men­to e preser­vação; na for­ma da lei, a gestão da doc­u­men­tação gov­er­na­men­tal e as providên­cias para fran­quear sua con­sul­ta a quan­tos dela neces­sitem.

Tais deveres devem ter em con­ta req­ui­si­tos explic­i­ta­dores pre­vis­tos em Lei, bem como ser exe­cu­ta­dos com a colab­o­ração da sociedade civ­il e das comu­nidades locais, inclu­sive por meio de incen­tivos, haven­do, ain­da, out­ras pre­visões rel­a­ti­vas à punição pelo des­cumprimem­to de tais obri­gações, bem como pelos danos cau­sa­dos aos bens pro­te­gi­dos.

inun­dação havi­da em fevereiro, no arqui­vo da Cin­e­mate­ca

Já o arti­go 215 esta­b­elece as final­i­dades a serem alcançadas por meio da pro­teção do patrimônio cul­tur­al, bem como esta­b­elece um Plano Nacional de Cul­tura, com o obje­ti­vo de sua ple­na real­iza­ção: “O Esta­do garan­tirá a todos o pleno exer­cí­cio dos dire­itos cul­tur­ais e aces­so às fontes da cul­tura nacional, e apoiará e incen­ti­vará a val­oriza­ção e a difusão das man­i­fes­tações cul­tur­ais;  pro­te­gerá as man­i­fes­tações das cul­turas pop­u­lares, indí­ge­nas e afro-brasileiras, e das de out­ros gru­pos par­tic­i­pantes do proces­so civ­i­liza­tório nacional; A lei dis­porá sobre a fix­ação de datas comem­o­ra­ti­vas de alta sig­nifi­cação para os difer­entes seg­men­tos étni­cos nacionais; A lei esta­b­ele­cerá o Plano Nacional de Cul­tura, de duração pluri­an­u­al, visan­do ao desen­volvi­men­to cul­tur­al do País e à inte­gração das ações do poder públi­co que con­duzem à: defe­sa e val­oriza­ção do patrimônio cul­tur­al brasileiro; pro­dução, pro­moção e difusão de bens cul­tur­ais; for­mação de pes­soal qual­i­fi­ca­do para a gestão da cul­tura em suas múlti­plas dimen­sões; democ­ra­ti­za­ção do aces­so aos bens de cul­tura; val­oriza­ção da diver­si­dade étni­ca e region­al.

A estip­u­lação das final­i­dades — que aten­dem à necessária expressão da diver­si­dade cul­tur­al brasileira — e do Plano são resul­ta­do da mobi­liza­ção da sociedade civ­il e dos movi­men­tos soci­ais, em tem­po recente, ten­do sido inseri­dos na Con­sti­tu­ição por Emen­da de 2005.

Final­mente, em 2012, foram inseri­dos, na Con­sti­tu­ição, dis­pos­i­tivos rel­a­tivos ao Sis­tema Nacional de Cul­tura, volta­do à pro­teção e à expressão cul­tur­ais, por meio do referi­do arti­go 216‑A: “O Sis­tema Nacional de Cul­tura, orga­ni­za­do em regime de colab­o­ração, de for­ma descen­tral­iza­da e par­tic­i­pa­ti­va, insti­tui um proces­so de gestão e pro­moção con­jun­ta de políti­cas públi­cas de cul­tura, democráti­cas e per­ma­nentes, pactu­adas entre os entes da Fed­er­ação e a sociedade, ten­do por obje­ti­vo pro­mover o desen­volvi­men­to humano, social e econômi­co com pleno exer­cí­cio dos dire­itos cul­tur­ais; fun­da­men­ta-se na políti­ca nacional de cul­tura e nas suas dire­trizes, esta­b­ele­ci­das no Plano Nacional de Cul­tura, e rege-se pelos seguintes princí­pios: diver­si­dade das expressões cul­tur­ais; uni­ver­sal­iza­ção do aces­so aos bens e serviços cul­tur­ais; fomen­to à pro­dução, difusão e cir­cu­lação de con­hec­i­men­to e bens cul­tur­ais;  coop­er­ação entre os entes fed­er­a­dos, os agentes públi­cos e pri­va­dos atu­antes na área cul­tur­al; inte­gração e inter­ação na exe­cução das políti­cas, pro­gra­mas, pro­je­tos e ações desen­volvi­das;  com­ple­men­tari­dade nos papéis dos agentes cul­tur­ais; trans­ver­sal­i­dade das políti­cas cul­tur­ais;   autono­mia dos entes fed­er­a­dos e das insti­tu­ições da sociedade civ­il;  transparên­cia e com­par­til­hamen­to das infor­mações;  democ­ra­ti­za­ção dos proces­sos decisórios com par­tic­i­pação e con­t­role social; descen­tral­iza­ção artic­u­la­da e pactu­a­da da gestão, dos recur­sos e das ações; ampli­ação pro­gres­si­va dos recur­sos con­ti­dos nos orça­men­tos públi­cos para a cul­tura.

O Sis­tema é con­sti­tuí­do por órgãos gestores, con­sel­hos de políti­ca cul­tur­al, con­fer­ên­cias de cul­tura, comis­sões intergestoras; planos de cul­tura; sis­temas de finan­cia­men­to à cul­tura; sis­temas de infor­mações e indi­cadores cul­tur­ais; pro­gra­mas de for­mação na área da cul­tura; e sis­temas seto­ri­ais de cul­tura. Lei fed­er­al deve reg­u­la­men­tar a atu­ação e a artic­u­lação de tal Sis­tema seja com out­ros sis­temas seto­ri­ais seja com out­ras políti­cas públi­cas.

A Con­sti­tu­ição, é claro, preser­va a autono­mia dos entes fed­er­a­tivos, no que diz respeito ao esta­b­elec­i­men­to de suas próprias políti­cas e seus próprios Planos.

É inter­es­sante obser­var, sem pre­juí­zo, que a Con­sti­tu­ição chama tan­to os sis­temas quan­to as políti­cas impro­pri­a­mente de “gov­er­na­men­tais” (sic), quan­do, em real­i­dade, devem-se chamar públi­cos. Entre­tan­to, tal lap­so con­sti­tu­cional serve a demon­strar que a Admin­is­tração — o Gov­er­no — pos­sui, em primeiro plano, respon­s­abil­i­dades de cujo cumpri­men­to não pode abdicar, sob pena de come­ti­men­to, no lim­ite, de crime de respon­s­abil­i­dade, pela des­obe­diên­cia delib­er­a­da a dev­er con­sti­tu­cional  expres­so.

Protesto em Jun­ho de 2020

Reportagem recente da revista Veja São Paulo (vis­ite, aqui),  anal­isa o esta­do da Cin­e­mate­ca e a fal­ta de repasse de ver­bas estip­u­ladas pelo con­tra­to de gestão. No últi­mo dia 4 de jun­ho, já hou­ve protesto, tan­to dos gestores, quan­to de fun­cionários e da sociedade. Onze mil­hões reti­dos inde­v­i­da­mente pela desas­trosa admin­is­tração da cul­tura já com­pro­m­e­tem o paga­men­to de despe­sas bási­cas. Tudo está a indicar a ten­ta­ti­va delib­er­a­da de se desven­cil­har do patrimônio.

Veja, aqui, tam­bém o pro­gra­ma de comem­o­ração do aniver­sário da Acad­e­mia, em que se debat­er­am alguns dos aspec­tos impor­tantes rel­a­tivos às ativi­dades da Cin­e­mate­ca.

Afi­nal, no últi­mo dia 15 de jul­ho, o Min­istério Públi­co ingres­sou com ação civ­il públi­ca (leia a petição ini­cial, aqui), visan­do a levar o Gov­er­no a cumprir seu dev­er, assim pro­te­gen­do a Cin­e­mate­ca.

Fal­ta, porém, uma mobi­liza­ção maior da sociedade brasileira. É seu patrimônio que está em xeque, por­tan­to a vida de seus dire­itos a uma sociedade jus­ta e solidária, de que cada cidadã e cada cidadão  pos­sam se orgul­har, pela reivin­di­cação de seu pas­sa­do e pela capaci­dade de desen­harem seu futuro.

Leia, aqui, o Man­i­festoCin­e­mate­ca Brasileira: Patrimônio da Sociedade”.

Aux­il­iar no equa­ciona­men­to desse prob­le­ma e ten­tar dar à Cin­e­mate­ca Brasileira, que já foi con­sid­er­a­da uma das cin­co mel­hores cin­e­mate­cas do Mun­do, em matéria de restau­ro, uma solução que per­mi­ta a sua per­manên­cia como guardiã do patrimônio cin­e­matográ­fi­co e históri­co brasileiro, e cen­tro de que irradiem con­hec­i­men­to e bus­ca de con­stante preser­vação e ino­vação artís­ti­cas e cul­tur­ais, é o obje­ti­vo da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito.