Nes­ta con­tribuição à seção Breves Arti­gos, a advo­ga­da espe­cial­ista em Dire­ito de Família Rena­ta Nepo­mu­ceno e Cysne defende que as pes­soas que vão se divor­ciar no foro extra­ju­di­cial podem escol­her com liber­dade o tabelião que fará lavrar a escrit­u­ra.

Leia o arti­go a seguir.

 

A Era Dig­i­tal do Divór­cio Extra­ju­di­cial: a com­petên­cia dos Tabeliães de Notas

Rena­ta Nepo­mu­ceno e Cysne[1]

 Intro­dução

Como con­se­quên­cia da situ­ação de excep­cional con­tenção, mit­i­gação e trata­men­to da infecção epi­demi­ológ­i­ca cau­sa­da pela doença COVID-19, a sociedade brasileira se deparou com uma série de providên­cias para que as ativi­dades notarias con­tin­u­assem a ocor­rer de for­ma segu­ra, com reduzi­da cir­cu­lação de pes­soas e, con­se­quente­mente, baixo risco de con­t­a­m­i­nação.

Um dos atos prat­i­ca­dos em cartórios de notas com grande uti­liza­ção do públi­co brasileiro é a escrit­u­ra públi­ca de divór­cio. Em 2018, os divór­cios extra­ju­di­ci­ais já rep­re­sen­tavam quase 20% (vinte por cen­to) das dis­soluções de casa­men­tos no Brasil, segun­do os dados divul­ga­dos pelo Insti­tu­to Brasileiro de Geografia e Estatís­ti­cas (IBGE)[2].

Reg­u­la­men­ta­do incial­mente pela Lei nº 11.441, de 4 de janeiro de 2007, e atual­mente pelo nov­el Códi­go de Proces­so Civ­il, o divór­cio extra­ju­di­cial des­buro­c­ra­ti­zou o tér­mi­no da relação con­ju­gal, imprim­iu celeri­dade e tornou mais acessív­el a reg­u­lar­iza­ção do fim do casa­men­to. Para realizar o divór­cio extra­ju­di­cial, é necessário que as partes ten­ham con­sen­so quan­to ao divór­cio e a par­til­ha de bens; que não pos­suam fil­hos menores ou inca­pazes; que a mul­her não este­ja grávi­da; e que este­jam asses­so­ra­dos por advo­ga­do.

Em alguns esta­dos é pos­sív­el que, mes­mo ten­do fil­hos menores e/ou inca­pazes, as partes pro­movam o divór­cio extra­ju­di­cial, des­de que as questões ati­nentes aos fil­hos – rel­a­ti­vas a guar­da, con­vivên­cia e ali­men­tos – já este­jam solu­cionadas pela via judi­cial. É o caso do Dis­tri­to Fed­er­al e de São Paulo, por exem­p­lo.

A fer­ra­men­ta de bus­cas Google Brasil real­i­zou em março deste ano, para a revista Pais e Fil­hos, lev­an­ta­men­to sobre as pesquisas real­izadas no por­tal com os ter­mos “como dar entra­da no divór­cio?” e “divór­cio online gra­tu­ito” e con­sta­tou aumen­to de 82% (oiten­ta e dois por cen­to) e 9.900% (nove mil e nove­cen­tos por cen­to), respec­ti­va­mente, na procu­ra das infor­mações[3].

O aumen­to da deman­da dos serviços car­torários, inclu­sive de divór­cios, ali­a­do ao momen­to de pan­demia viven­ci­a­do, que impõe medi­das de afas­ta­men­to social, exigiu a ade­quação da for­ma como o serviço car­torário era ofer­e­ci­do a pop­u­lação. E alguns Tri­bunais de Justiça dos Esta­dos – órgão respon­sáv­el pelo bom fun­ciona­men­to dos Serviços Notarias a nív­el estad­ual – edi­taram provi­men­tos para reg­u­la­men­tar o atendi­men­to remo­to.

Da com­petên­cia para lavrar a escrit­u­ra públi­ca de Divór­cio

A com­petên­cia de foro impli­ca na atribuição por lei para o jul­ga­men­to da causa aos diver­sos órgãos juris­di­cionais. Especi­fi­ca­mente nas ações judi­ci­ais de divór­cio, a com­petên­cia está expres­sa­mente pre­vista no Códi­go de Proces­so Civ­il[4]. No entan­to, essa com­petên­cia é rel­a­ti­va e não pode ser declar­a­da de ofí­cio[5], ou seja, até mes­mo em um proces­so judi­cial liti­gioso de divór­cio, em que não haja inter­esse de menores de idade ou inca­pazes, as partes podem eleger o foro de for­ma indi­re­ta ao não arguirem a incom­petên­cia.

No que se ref­ere aos atos extra­ju­di­ci­ais, uma vez que a escrit­u­ra públi­ca de divór­cio não é um ato juris­di­cional, não há que se falar em supos­ta “com­petên­cia”, tan­to que a Lei nº 11.441, de 2007 – que, como dito, reg­u­la­men­tou o divór­cio extra­ju­di­cial, não indi­cou o foro para a lavratu­ra da escrit­u­ra públi­ca de sep­a­ração, divór­cio ou da par­til­ha por dire­itos hered­itários, o que foi man­ti­do pelo Códi­go de Proces­so Civ­il. O Desem­bar­gador Luiz Felipe Brasil San­tos dis­corre:

Para a práti­ca do ato notar­i­al pode ser livre­mente escol­hi­do qual­quer tabe­lion­a­to de notas, con­forme dis­põe o art. 8° da Lei n° 8.935/94, não se sub­me­tendo às regras de com­petên­cia do Códi­go de Proces­so Civ­il (art. 100, I, do CPC). Por sinal, assim é tam­bém no caso de pro­ced­i­men­to judi­cial de sep­a­ração ou divór­cio con­sen­suais, pois, em se tratan­do de regra de com­petên­cia rel­a­ti­va, fac­ul­ta­do dela abrir mão por acor­do.[6]

O Con­sel­ho Nacional de Justiça – CNJ — ao dis­ci­pli­nar a apli­cação da Lei nº 11.441, de 2007 pelos serviços notari­ais e reg­is­trais, edi­tou a Res­olução nº 35, que sobre a com­petên­cia para a lavratu­ra dos atos notarias assim definiu: “Art. 1º Para a lavratu­ra dos atos notari­ais de que tra­ta a Lei nº 11.441/07, é livre a escol­ha do tabelião de notas, não se apli­can­do as regras de com­petên­cia do Códi­go de Proces­so Civ­il”.

O entendi­men­to do CNJ decorre da apli­cação da Lei nº 8.935, de 18 de novem­bro de 1994, que reg­u­la­men­tou o art. 236 da Con­sti­tu­ição Fed­er­al[7], e que em seu art. 8º dis­pôs “É livre a escol­ha do tabelião de notas, qual­quer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situ­ação dos bens obje­to do ato ou negó­cio.                    

Por­tan­to, até o momen­to, não há lim­i­tação de com­petên­cia fix­a­da em Lei para lavratu­ra de escrit­u­ra públi­ca de divór­cio, sep­a­ração, recon­hec­i­men­to e dis­solução de união estáv­el, caben­do às partes a escol­ha do tabe­lion­a­to de notas que mel­hor lhes aprou­ver, nos ter­mos da lei em vig­or.

Por ocasião da pan­demia, con­forme aci­ma men­ciona­do, alguns Esta­dos edi­taram provi­men­tos para reg­u­la­men­tar o atendi­men­to notar­i­al remo­to e por meio eletrôni­cos. A títu­lo exem­pli­fica­ti­vo, cita-se os provi­men­tos de 04 (qua­tro) Esta­dos — San­ta Cata­ri­na, Tocan­tins, Rio de Janeiro e São Paulo.

O Provi­men­to nº 22, de 31 de março de 2020, da Cor­rege­do­ria-Ger­al da Justiça do Esta­do de San­ta Cata­ri­na, em seu art. 13 definiu que será com­pe­tente para a práti­ca de atos remo­tos o tabelião  “I — da respec­ti­va cir­cun­scrição onde estiv­er local­iza­do o imóv­el;  II — de qual­quer uma das cir­cun­scrições, quan­do os imóveis forem local­iza­dos em áreas de atu­ação dis­tin­tas III — do domicílio em San­ta Cata­ri­na de qual­quer um dos inter­es­sa­dos, seus rep­re­sen­tantes, advo­ga­dos e demais pes­soas que devam inter­vir no ato, nos demais casos que não envolverem imóveis.”[8] (gri­fou-se).

O Provi­men­to nº 004/2020/CGJUS/TO da Cor­rege­do­ria-Ger­al da Justiça do Esta­do do Tocan­tins, tam­bém em seu arti­go 13 dis­pôs que “Será com­pe­tente para a práti­ca de atos remo­tos o tabelião: I – da cir­cun­scrição ter­ri­to­r­i­al em que estiv­er situ­a­do o imóv­el ou do apas­cen­ta­men­to dos semoventes jun­to à ADAPEC/TO ou reg­istra­do o veícu­lo jun­to ao DETRAN/TO; II – de qual­quer uma das cir­cun­scrições, quan­do os imóveis forem local­iza­dos em áreas de atu­ação dis­tin­tas; e III – do domicílio no Tocan­tins de qual­quer um dos inter­es­sa­dos, seus rep­re­sen­tantes, advo­ga­dos e demais pes­soas que devam inter­vir no ato, nos demais casos que não envolverem imóveis.[9] (gri­fou-se).

No que se ref­ere ao Esta­do do Rio de Janeiro, a exem­p­lo do arti­go 9º da Lei nº 8.935, de 1994[10]„ o Provi­men­to nº 31/2020 que reg­u­la­men­tou a real­iza­ção de atos notari­ais à dis­tân­cia, em seu arti­go 10º, vin­cu­lou a com­petên­cia para os atos reg­u­la­dos de for­ma abso­lu­ta e com observân­cia da cir­cun­scrição ter­ri­to­r­i­al para a qual o tabelião rece­beu sua del­e­gação.[11]

O Provi­men­to nº 12/2020 da Cor­rege­do­ria Ger­al da Justiça do Esta­do de São Paulo dis­pôs, em seu arti­go 3º, que cabe, ao tabelião de notas da cir­cun­scrição do domicílio das partes, a lavratu­ra de atos notari­ais real­iza­dos na for­ma do art. 1º, quan­do ten­ham por obje­to negó­cios jurídi­cos que não car­ac­ter­izem a con­sti­tu­ição ou a trans­mis­são de dire­itos reais sobre bem imóv­el. E que a com­pro­vação do domicílio da pes­soa físi­ca será fei­ta, pela ver­i­fi­cação do títu­lo de eleitor, ou pelo domicílio declar­a­do para efeito de impos­to de ren­da do exer­cí­cio ante­ri­or.[12]

Em comum, todos os provi­men­tos trazem a pre­visão de que o tabelião de notas tem que praticar o ato no local de sua del­e­gação – ou seja, não pode haver deslo­ca­men­to ter­ri­to­r­i­al do tabelião. Os provi­men­tos lança­dos pelas Cor­rege­do­rias Gerais dos Esta­dos de San­ta Cata­ri­na e Tocan­tins, incluem para definição de com­petên­cia para lavratu­ra da escrit­u­ra públi­ca de divór­cio o domicílio tam­bém dos advo­ga­dos, vez que essen­ci­ais aos atos. O provi­men­to do Esta­do do Rio de Janeiro é mais amp­lo e não apre­sen­ta lim­i­tações de com­petên­cia além da pre­vista em Lei, e o Esta­do de São Paulo traz pre­visão lim­i­tante e que descon­sid­era os demais atores necessários à val­i­dação do divór­cio extra­ju­di­cial, espe­cial­mente se silen­cian­do no que se ref­ere à par­tic­i­pação dos advo­ga­dos.

Diante dos provi­men­tos emer­gen­ci­ais lança­dos pelos órgãos estatais, o Cor­rege­dor Nacional de Justiça, a quem com­pete expe­dir Provi­men­tos des­ti­na­dos ao aper­feiçoa­men­to dos serviços notari­ais e de reg­istro[13], unifi­cou o entendi­men­to e dis­pôs sobre a práti­ca de atos notari­ais remo­tos, por meio do Provi­men­to nº 100, de 26 de maio de 2020[14].

Da com­petên­cia indi­ca­da pelo Provi­men­to nº 100, de 2020 do Con­sel­ho Nacional de Justiça

Ao edi­tar o Provi­men­to nº 100, de 2020, que esta­b­ele­ceu nor­mas gerais sobre a práti­ca de atos notari­ais eletrôni­cos em todo o País, con­sider­ou-se, entre out­ros fatores, a neces­si­dade de manutenção da prestação de serviços notari­ais, vez que essen­ci­ais ao exer­cí­cio da cidada­nia, as medi­das de pre­venção ao con­tá­gio pelo coro­non­avírus e a neces­si­dade de evi­tar con­cor­rên­cia pre­datória por serviços presta­dos remo­ta­mente.

O referi­do Provi­men­to especi­fi­ca como sendo cliente do serviço notar­i­al todo usuário que com­pare­cer per­ante um notário como parte dire­ta ou indi­re­ta inter­es­sa­da em um ato notar­i­al, ain­da que por meio dos rep­re­sen­tantes[15].

E ain­da que dispon­ha em seu art. 6º[16] a mes­ma pre­visão con­ti­da no arti­go 9º da Lei 8.935/94, quan­to à com­petên­cia ter­ri­to­r­i­al do Tabelião de Notas, silen­ciou quan­to a lim­i­tar a com­petên­cia para lavratu­ra de escrit­u­ra públi­ca de divór­cio, sem bens a par­til­har.

Emb­o­ra seja dis­cutív­el a alça­da da Cor­rege­do­ria Nacional de Justiça para cri­ação de regras de com­petên­cia notar­i­al que lim­i­taria a apli­cação de Leis, o Provi­men­to nº 100, de 2020 definiu alguns lim­ites, vejamos:

  1. Para lavrar escrit­u­ra de negó­cios que envolvem imóveis, recon­hec­i­men­to de crédi­to ou dire­itos reais será con­sid­er­a­do com­pe­tente o tabelião: i) da cir­cun­scrição do imóv­el ou do domicílio do adquirente; ii) se hou­ver um ou mais imóveis em difer­entes cir­cun­scrições o tabelião de quais­quer delas; iii) estando o imóv­el no mes­mo esta­do da fed­er­ação do domicílio do adquirente, este poderá eleger qual­quer tabe­lion­a­to de notas da unidade fed­er­a­ti­va; iv) Entende-se por adquirente o com­prador, a parte que adquire dire­ito real ou a parte à qual é recon­heci­do crédi­to.[17]
  2. Para lavrar atas notari­ais: é com­pe­tente o tabelião de notas do local do fato ou do domicílio do requer­ente[18];
  3. Na procu­ração públi­ca: é com­pe­tente o tabelião do domicílio do out­or­gante ou do local do imóv­el[19].

Ou seja, nos atos que o Con­sel­ho Nacional de Justiça quis indicar a com­petên­cia, assim o fez no Provi­men­to, mes­mo diante do seu ques­tionáv­el poder para tan­to. Tratam-se (i) de escrit­uras públi­cas rel­a­ti­vas a situ­ações jurídi­cas com con­teú­do finan­ceiro, ou seja, aque­las cujo obje­to ten­ha reper­cussão econômi­ca cen­tral e ime­di­a­ta, mate­ri­al­izan­do ou sendo parte de negó­cio jurídi­co com relevân­cia pat­ri­mo­ni­al ou econômi­ca, como a trans­mis­são, a aquisição de bens, dire­itos e val­ores, a con­sti­tu­ição de dire­itos reais sobre eles ou a sua divisão; (ii) de atas notari­ais, ver­dadeiros teste­munhos ofi­ci­ais de fatos nar­ra­dos pelos notários no exer­cí­cio de sua com­petên­cia em razão de seu ofí­cio, por meio de diver­sos ele­men­tos, real­iza­dos livre­mente pelos tabeliães, diante de suas per­spec­ti­vas e sen­si­bil­i­dades[20], na esteira do art. 5º do Provi­men­to CNJ nº 65, de 14 de dezem­bro de 2017[21]; (iii) de procu­rações em ger­al, sem lim­i­tações de ordem econômi­ca expres­sa no Provi­men­to em estu­do.

Não há no Provi­men­to nº 100, de 2020, esta­b­elec­i­men­to lim­i­ta­dor de exer­cí­cio de com­petên­cia para a práti­ca de atos notari­ais con­cer­nentes a escrit­uras públi­cas sem con­teú­do finan­ceiro, aque­las rel­a­ti­vas a situ­ações jurídi­cas sem reper­cussão econômi­ca e relevân­cia pat­ri­mo­ni­al. Exem­p­lo clás­si­co de escrit­u­ra públi­ca sem con­teú­do finan­ceiro é jus­ta­mente o fes­te­ja­do divór­cio extra­ju­di­cial sem par­til­ha de bens!

A her­menêu­ti­ca jurídi­ca por pri­ma­do bási­co não per­mi­tiria inter­pre­tação exten­si­va ou indu­ti­va dos dis­pos­i­tivos con­stantes no Provi­men­to nº 100, de 2020, lim­i­ta­dores da com­petên­cia notar­i­al por se tratar de inter­pre­tação con­tra leg­em, ferindo de morte o dis­pos­to no arti­go 8º da Lei 8.935, de 1994. Out­rossim, não parece nem de longe juridica­mente ade­qua­do con­ferir inter­pre­tação exten­si­va ou indu­ti­va para regra que restringe dis­posição de lei. Para que haja lim­i­tação de tal dis­posição legal nos casos em que o Con­sel­ho Nacional de Justiça assim enten­der dev­i­dos, por cer­to, dev­erá o ser esta­b­ele­ci­da de modo expres­so.

Ain­da, por opor­tuno, con­signe-se que res­ta imprestáv­el a apli­cação de analo­gia por haver lei pre­ven­do o exer­cí­cio de com­petên­cia notar­i­al ante a lavratu­ra de escrit­uras públi­cas sem con­teú­do finan­ceiro.

Final­mente, a inter­pre­tação de que a regra expos­ta no arti­go 8º da Lei 8.935, de 1994 estaria inteira­mente afas­ta­da com o adven­to do Provi­men­to nº 100, de 2020, não pos­sui nen­hum supedâ­neo lógi­co jurídi­co, uma vez que, além de inex­i­s­tir dis­posição expres­sa no sen­ti­do apon­ta­do, a racional­i­dade her­menêu­ti­ca pátria, con­forme aci­ma expos­ta, não per­mite tal intepre­tação.

Por claro, nos casos especí­fi­cos, úni­ca tão e somente nes­tas situ­ações, em que o Provi­men­to indi­cou a lim­i­tação de com­petên­cia, cabe de modo impreterív­el ao tabelião ver­i­ficar o domicílio das partes ou a local­iza­ção do imóv­el nos exatos ter­mos do arti­go 21[22].

Ain­da neb­u­losa a inter­pre­tação se o cliente, indi­ca­do no art. 2º, inciso XVIII do Provi­men­to, é sinôn­i­mo de requer­ente, e sendo assim pode­ria ser con­sid­er­a­do a com­petên­cia do domicílio do rep­re­sen­tante legal para os atos especi­fi­ca­dos nos arti­gos 19 e 20. A exem­p­lo dos Provi­men­tos ante­ri­or­mente edi­ta­dos pelos Tri­bunais de Justiça de San­ta Cata­ri­na e de Tocan­tins. Tudo indi­ca que sim, ao con­trário, desnecessária a descrição de cliente trazi­da pela nor­ma­ti­va.

Pelo expos­to, tem-se por inex­is­tente a fix­ação de com­petên­cia para lavratu­ra de escrit­u­ra públi­ca sem con­teú­do finan­ceiro, vez que descabe con­ferir inter­pre­tação exten­si­va ou indu­ti­va con­tra leg­em, bem como de nor­ma restri­ti­va de dis­posição legal. Inde­pen­den­te­mente de seu con­teú­do, incluin­do-se de as de sep­a­ração e divór­cio, dado o silên­cio elo­quente do Provi­men­to.

Da função social do insti­tu­to do Divór­cio Extra­ju­di­cial

A lavratu­ra da escrit­u­ra públi­ca via­bi­liza de for­ma mais célere o aces­so à extinção do vín­cu­lo con­ju­gal por meios extra­ju­di­ci­ais e deve, inclu­sive, ser lavra­da de for­ma gra­tui­ta, quan­do requeri­da por pes­soa humana vul­neráv­el econômi­ca e finan­ceira­mente[23].

A pos­si­bil­i­dade de se lavrar escrit­u­ra públi­ca de divór­cio no tabe­lion­a­to de notas eleito pelas partes é uma for­ma de con­sol­i­dação do insti­tu­to. E a pos­si­bil­i­dade de se pro­ced­er o ato de for­ma remo­ta deve ser no sen­ti­do de ampli­ar e facil­i­tar o exer­cí­cio desse dire­ito — e não de restrin­gi-lo. Não se pode per­mi­tir que o fato de, em decor­rên­cia da pan­demia, as partes não poderem com­pare­cer fisi­ca­mente no tabe­lion­a­to de sua eleição con­solide-se como fato legit­i­mador sufi­ciente da reti­ra­da da opção dos divor­cian­dos.

O cres­cente prestí­gio aos meios extra­ju­di­ci­ais de solução dos con­fli­tos, que tem resul­ta­do no con­stata­do aumen­to sig­ni­fica­ti­vo dos divór­cios real­iza­dos por meio de escrit­u­ra públi­ca se deve tam­bém ao amp­lo aces­so e ao prestí­gio à escol­ha das partes do tabe­lion­a­to.

Cumpre ain­da obser­var que, emb­o­ra a escrit­u­ra públi­ca de divór­cio seja públi­ca, o ato envolve um momen­to de extrema intim­i­dade das partes, pois põe fim não só ao casa­men­to, mas à comunhão de vida, aos son­hos de out­ro­ra, envol­ven­do não só o aspec­to jurídi­co das partes, mas tam­bém o emo­cional. É nat­ur­al que as partes busquem a segu­rança não somente jurídi­ca do ato, mas igual­mente a emo­cional, e uma das grandes van­ta­gens da desju­di­cial­iza­ção do divór­cio é exata­mente a eleição do tabelião, ain­da mais ao con­sid­er­ar que um dos req­ui­si­tos para val­i­dação do ato remo­to é a sua gravação.

Da Impre­scindív­el Par­tic­i­pação do Advo­ga­do

Out­ro pon­to que vale análise é a função social exer­ci­da pelo advo­ga­do, que é indis­pen­sáv­el à admin­is­tração da justiça nos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­er­al[24] e que tem como pre­rrog­a­ti­va de dire­itos exercer, com liber­dade, a profis­são em todo ter­ritório nacional[25].

Por­tan­to, levan­do-se em con­ta que o advo­ga­do é indis­pen­sáv­el para a lavratu­ra da escrit­u­ra públi­ca do divór­cio sem con­teú­do econômi­co e que não há qual­quer Lei que defi­na com­petên­cia para o ato, o advo­ga­do pode, em con­jun­to com as partes, definir o tabe­lion­a­to de notas que facilite a sua atu­ação profis­sion­al, inclu­sive ao con­sid­er­ar a ter­ri­to­ri­al­i­dade que per­mite a sua atu­ação pres­en­cial, se necessária, o que gera segu­rança ao ato e para os envolvi­dos.

Tem-se inclu­sive que o domicílio profis­sion­al do advo­ga­do deve ser lev­a­do em con­sid­er­ação para qual­quer ato notar­i­al que seja impre­scindív­el a sua pre­sença ou que rep­re­sente as partes e não ten­ha bens imóveis envolvi­dos, sob pena de vio­lar suas pre­rrog­a­ti­vas profis­sion­ais, difer­en­cian­do-se ato jurídi­co de ato notar­i­al, a fim de incen­ti­var a desju­di­cial­iza­ção.

Con­clusão

A escol­ha do tabelião de notas para lavrar escrit­u­ra públi­ca de divór­cio é de livre escol­ha das partes. Ain­da que se con­sidere que a Cor­rege­do­ria Nacional de Justiça ten­ha alça­da para definir com­petên­cia diver­sa, o Provi­men­to nº 100, de 2020, somente a esta­b­ele­ceu no domicílio das partes e/ou no local do imóv­el para a lavratu­ra de escrit­uras públi­cas em que haja nec­es­sari­a­mente reper­cussão econômi­ca. Indis­cutív­el é que o tabelião fica vin­cu­la­do a sua del­e­gação e somente poderá lavrar atos na sua região quan­do preenchi­do os demais req­ui­si­tos legais, seja pres­en­cial­mente ou em ambi­ente vir­tu­al.

Lim­i­tar a livre escol­ha das partes do tabelião de notas e descon­sid­er­ar o domicílio do advo­ga­do para even­tu­al fix­ação de com­petên­cia por lei nos atos remo­tos rep­re­sen­ta retro­ces­so social, veda­do prin­ci­p­i­o­logi­ca­mente pelo sis­tema con­sti­tu­cional de tutela aos dire­itos indi­vid­u­ais e soci­ais. Além de se apre­sen­tar, como for­ma de supressão de dire­itos, em afronta a pre­visões ante­ri­ores que garan­ti­am liber­dade de escol­ha.

O atendi­men­to remo­to para a real­iza­ção de atos notari­ais, por meio vir­tu­al, se apre­sen­ta como evolução. Vin­cu­lar o ciberes­paço a regras de com­petên­cia ter­ri­to­r­i­al se mostra desconec­ta­do da real­i­dade e do avanço que se alme­ja com a vir­tu­al­iza­ção dos atos.

Pro­mover essa lim­i­tação é de inter­esse de uns poucos, mas con­tra o lídi­mo dire­ito de muitos.

 

[1] advo­ga­da espe­cial­ista em Dire­ito de Família.. Pres­i­dente da Comis­são de Relações Gov­er­na­men­tais do IBDFAM. Ex-pres­i­dente do IBDFAM/DF.

[2] www.ibge.gov.br.

[3] https://paisefilhos.uol.com.br/familia/pandemia-do-divorcio-a-procura-por-advogados-aumentou-177-no-brasil-durante-a-quarentena/, aces­so em 30.06.20.

[4] Art. 53. É com­pe­tente o foro: I — para a ação de divór­cio, sep­a­ração, anu­lação de casa­men­to e recon­hec­i­men­to ou dis­solução de união estáv­el:  a) de domicílio do guardião de fil­ho inca­paz; b) do últi­mo domicílio do casal, caso não haja fil­ho inca­paz; c) de domicílio do réu, se nen­hu­ma das partes residir no anti­go domicílio do casal; d) de domicílio da víti­ma de vio­lên­cia domés­ti­ca e famil­iar, nos ter­mos da Lei nº 11.340, de 7 de agos­to de 2006 (Lei Maria da Pen­ha).

[5] Súmu­la 33 do Supe­ri­or Tri­bunal de Justiça — A incom­petên­cia rel­a­ti­va não pode ser declar­a­da de ofí­cio.

[6] SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Ano­tações acer­ca das sep­a­rações e divór­cio extra­ju­di­ci­ais (Lei 11.441/07). https://scholar.google.com.br/scholar?lr=lang_pt&q=compet%C3%AAncia+relativa+div%C3%B3rcio+&hl=pt-BR&as_sdt=0,5, aces­so em 30.06.20.

[7] Art. 236. Os serviços notari­ais e de reg­istro são exer­ci­dos em caráter pri­va­do, por del­e­gação do Poder Públi­co.        1º —  Lei reg­u­lará as ativi­dades, dis­ci­pli­nará a respon­s­abil­i­dade civ­il e crim­i­nal dos notários, dos ofi­ci­ais de reg­istro e de seus pre­pos­tos, e definirá a fis­cal­iza­ção de seus atos pelo Poder Judi­ciário. 2º — Lei fed­er­al esta­b­ele­cerá nor­mas gerais para fix­ação de emol­u­men­tos rel­a­tivos aos atos prat­i­ca­dos pelos serviços notari­ais e de reg­istro.  3º  — O ingres­so na ativi­dade notar­i­al e de reg­istro depende de con­cur­so públi­co de provas e títu­los, não se per­mitin­do que qual­quer ser­ven­tia fique vaga, sem aber­tu­ra de con­cur­so de provi­men­to ou de remoção, por mais de seis meses.

[8] https://www.colegiorisc.org.br/noticias/novidades/provimento-n-22-de-31-de-marco-de-2020/ aces­so em 29.06.20

[9] http://wwa.tjto.jus.br/elegis/Home/Imprimir/2143, aces­so em 29.06.20.

[10] Art. 9º O tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofí­cio fora do Municí­pio para o qual rece­beu del­e­gação.

[11] http://cgj.tjrj.jus.br/documents/1017893/0/provimento+CGJ.+31–2020.pdf/a5ffc43b-1219-beed-abf4-20624dd35023, aces­so 30.06.20.

[12] https://api.tjsp.jus.br/Handlers/Handler/FileFetch.ashx?codigo=119325, aces­so em 29.06.20.

[13] Reg­i­men­to Inter­no Nº 67 de 03/03/2009 – CNJ — Art. 8º Com­pete ao Cor­rege­dor Nacional de Justiça, além de out­ras atribuições que lhe forem con­feri­das pelo Estatu­to da Mag­i­s­tratu­ra: X — expe­dir Recomen­dações, Provi­men­tos, Instruções, Ori­en­tações e out­ros atos nor­ma­tivos des­ti­na­dos ao aper­feiçoa­men­to das ativi­dades dos órgãos do Poder Judi­ciário e de seus serviços aux­il­iares e dos serviços notari­ais e de reg­istro, bem como dos demais órgãos cor­re­icionais, sobre matéria rela­ciona­da com a com­petên­cia da Cor­rege­do­ria Nacional de Justiça;

[14] https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3334

[15] Art. 2º. Para fins deste provi­men­to, con­sid­era-se: XVIII — cliente do serviço notar­i­al: todo o usuário que com­pare­cer per­ante um notário como parte dire­ta ou indi­re­ta­mente inter­es­sa­da em um ato notar­i­al, ain­da que por meio de rep­re­sen­tantes, inde­pen­den­te­mente de ter sido o notário escol­hi­do pela parte out­or­gante, out­or­ga­da ou por um ter­ceiro.

[16] Art. 6º. A com­petên­cia para a práti­ca dos atos reg­u­la­dos neste Provi­men­to é abso­lu­ta e obser­vará a cir­cun­scrição ter­ri­to­r­i­al em que o tabelião rece­beu sua del­e­gação, nos ter­mos do art. 9º da Lei n. 8.935/1994.

[17] Art. 19. Ao tabelião de notas da cir­cun­scrição do imóv­el ou do domicílio do adquirente com­pete, de for­ma remo­ta e com exclu­sivi­dade, lavrar as escrit­uras eletron­i­ca­mente, por meio do e‑Notariado, com a real­iza­ção de video­con­fer­ên­cia e assi­nat­uras dig­i­tais das partes (gri­fo nos­so). 1º Quan­do hou­ver um ou mais imóveis de difer­entes cir­cun­scrições no mes­mo ato notar­i­al, será com­pe­tente para a práti­ca de atos remo­tos o tabelião de quais­quer delas. 2º Estando o imóv­el local­iza­do no mes­mo esta­do da fed­er­ação do domicílio do adquirente, este poderá escol­her qual­quer tabe­lion­a­to de notas da unidade fed­er­a­ti­va para a lavratu­ra do ato.  3º Para os fins deste provi­men­to, entende-se por adquirente, nes­ta ordem, o com­prador, a parte que está adquirindo dire­ito real ou a parte em relação à qual é recon­heci­do crédi­to.

[18]Art. 20. Ao tabelião de notas da cir­cun­scrição do fato con­stata­do ou, quan­do inaplicáv­el este critério, ao tabelião do domicílio do requer­ente com­pete lavrar as atas notari­ais eletrôni­cas, de for­ma remo­ta e com exclu­sivi­dade por meio do e‑Notariado, com a real­iza­ção de video­con­fer­ên­cia e assi­nat­uras dig­i­tais das partes.

[19] Art. 20 — Pará­grafo úni­co. A lavratu­ra de procu­ração públi­ca eletrôni­ca caberá ao tabelião do domicílio do out­or­gante ou do local do imóv­el, se for o caso.

[20] REZENDE, Afon­so Cel­so Fur­ta­do de e CHAVES, Car­los Fer­nan­do Brasil. Tabe­lion­a­to de Notas e o Notário Per­feito, 6ª ed., Mil­len­ni­um Edi­to­ra: Camp­inas, SP, 2011, p. 160.

[21] Art. 5º A ata notar­i­al men­ciona­da no art. 4º deste provi­men­to será lavra­da pelo tabelião de notas do municí­pio em que estiv­er local­iza­do o imóv­el usu­capi­en­do ou a maior parte dele, a quem caberá aler­tar o requer­ente e as teste­munhas de que a prestação de declar­ação fal­sa no referi­do instru­men­to con­fig­u­rará crime de fal­si­dade, sujeito às penas da lei.

[22] Art. 21. A com­pro­vação do domicílio, em qual­quer das hipóte­ses deste provi­men­to, será real­iza­da: I — em se tratan­do de pes­soa jurídi­ca ou ente equipara­do: pela ver­i­fi­cação da sede da matriz, ou da fil­ial em relação a negó­cios prat­i­ca­dos no local des­ta, con­forme reg­istra­do nos órgãos de reg­istro com­pe­tentes. II — em se tratan­do de pes­soa físi­ca: pela ver­i­fi­cação do títu­lo de eleitor, ou out­ro domicílio com­pro­va­do. Pará­grafo úni­co. Na fal­ta de com­pro­vação do domicílio da pes­soa físi­ca, será obser­va­do ape­nas o local do imóv­el, poden­do ser esta­b­ele­ci­dos con­vênios com órgãos fis­cais para que os notários iden­ti­fiquem, de for­ma mais célere e segu­ra, o domicílio das partes.

[23] CNJ — Res­olução nº 35. Art. 6º A gra­tu­idade pre­vista na Lei n° 11.441/07 com­preende as escrit­uras de inven­tário, par­til­ha, sep­a­ração e divór­cio con­sen­suais. Art. 7º Para a obtenção da gra­tu­idade de que tra­ta a Lei nº 11.441/07, bas­ta a sim­ples declar­ação dos inter­es­sa­dos de que não pos­suem condições de arcar com os emol­u­men­tos, ain­da que as partes este­jam assis­ti­das por advo­ga­do con­sti­tuí­do

[24] Con­sti­tu­ição Fed­er­al — Art. 133. O advo­ga­do é indis­pen­sáv­el à admin­is­tração da justiça, sendo invi­o­láv­el por seus atos e man­i­fes­tações no exer­cí­cio da profis­são, nos lim­ites da lei.

[25] Estatu­to da Advo­ca­cia