Com a autori­dade de quem exerceu a docên­cia de dire­ito inter­na­cional e de filosofia do dire­ito, na Uni­ver­si­dade de São Paulo, for­man­do ger­ações de juris­tas e con­tribuin­do, deci­si­va­mente, para a con­strução da dig­nidade da ciên­cia jurídi­ca, no Brasil e no mun­do, em conexão fun­da­men­tal com os dire­itos humanos, e a exper­iên­cia do exer­cí­cio, com êxi­to e bril­ho, do car­go de Min­istro das Relações s Exte­ri­ores, por duas vezes, na história recente da democ­ra­cia brasileira, Cel­so Lafer, Pro­fes­sor Eméri­to da Uni­ver­si­dade de São Paulo, mem­bro da Acad­e­mia Brasileira de Letras e Acadêmi­co Eméri­to da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, pub­li­cou impor­tante arti­go, na seção de Opinião do jor­nal O Esta­do de São Paulo.

Leia, a seguir, o tex­to, e visu­al­ize, aqui, a pub­li­cação orig­i­nal.

Lula da Sil­va assum­iu o seu ter­ceiro manda­to com o obje­ti­vo de se con­tra­por ao que foi o peso de pas­sivos diplomáti­cos ori­un­dos do “nega­cionis­mo” cir­cun­scrito da visão de mun­do do pres­i­dente Jair Bol­sonaro.

A reper­cussão inter­na­cional da eleição de Lula foi alta­mente pos­i­ti­va. Foi sub­stan­ci­a­da pelas suas prévias real­iza­ções diplomáti­cas, a vis atrac­ti­va de sua per­son­al­i­dade, seu con­heci­do inter­esse pelas relações inter­na­cionais, e pela sinal­iza­ção, ino­vado­ra em relação ao Lula I e II, da ênfase que pre­tende dar ao meio ambi­ente.

É indis­cutív­el que do pon­to de vista quan­ti­ta­ti­vo o Brasil de Lula está de vol­ta ao mun­do. É o que ates­tam suas muitas via­gens inter­na­cionais, impor­tante pre­sença em reuniões em instân­cias mul­ti­lat­erais, pluri­lat­erais e region­ais e as não menos numerosas vis­i­tas de altas per­son­al­i­dades estrangeiras.

Se o Brasil com Lula está, em ter­mos quan­ti­ta­tivos, de vol­ta ao mun­do, qual é a dimen­são qual­i­ta­ti­va des­ta rein­serção? Lula III se con­fronta com um mun­do, uma região e um país dis­tin­to dos de suas ante­ri­ores Presidên­cias.

O Brasil de hoje é muito mais polar­iza­do do que o de Lula I e II. É muito menos orga­ni­za­do do que aque­le que rece­beu da qual­i­fi­ca­da Presidên­cia de Fer­nan­do Hen­rique Car­doso. Car­rega o peso do neg­a­tivis­mo da Presidên­cia de Bol­sonaro e seus des­do­bra­men­tos para a vida democráti­ca. Por isso, a con­dução da políti­ca exter­na requer um esforço de sin­to­nia com a sociedade para amainar riscos de polar­iza­ção inter­na.

A lat­i­tude da políti­ca inter­na de Lula III para a sua ação diplomáti­ca é menor do que a de Lula I e II, nos quais pôde con­tar com o respal­do de sua pop­u­lar­i­dade e a pre­pon­derân­cia políti­ca do PT. Não é o caso ago­ra. Lula III foi eleito com uma margem aper­ta­da, e o seu suces­so foi e vai além do PT. A com­preen­são des­ta nova real­i­dade não é forte na per­cepção e na con­du­ta do pres­i­dente, que é mais auto­cen­tra­do na sua exper­iên­cia ante­ri­or. Tam­bém não é forte no PT, que tem o ouvi­do do pres­i­dente na artic­u­lação diplomáti­ca de sua visão do mun­do, que não é com­par­til­ha­da por um espec­tro grande dos atores políti­cos brasileiros. A con­se­quên­cia dis­so tudo é a inter­nal­iza­ção con­fli­ti­va da atu­al políti­ca exter­na que se soma com out­ros temas e prob­le­mas da pau­ta de gov­er­nança de Lula III.

A Améri­ca do Sul é hoje muito mais het­erogênea e frag­men­ta­da do que era em Lula I e II. Daí a diminuição das opor­tu­nidades de esforços comuns de coop­er­ação na região e o seu poten­cial de impacto no plano mundi­al.

Menor lat­i­tude inter­na e menos espaço para ambi­ciosas ações region­ais se con­jugam com menos espaço para a atu­ação do “soft pow­er” brasileiro no plano mundi­al. O mun­do de hoje é mais hobbe­siano. É mais propen­so ao con­fli­to e menos a con­sen­sos inter­na­cionais sobre temas globais que sem­pre foram parte das ambições diplomáti­cas de Lula.

Esta­mos inseri­dos num mun­do per­me­a­do por ten­sões region­ais e inter­na­cionais de poder, que vem prop­i­cian­do o retorno da geopolíti­ca e da geografia das paixões. A mais rel­e­vante é a ten­são de hege­mo­nia Chi­na e EUA, que não exis­tia em Lula I e II, quan­do a Chi­na não esta­va dis­putan­do pri­mazia hegemôni­ca com os EUA. É o que difi­cul­ta a cal­i­bração do Brasil na vida inter­na­cional.

A diplo­ma­cia de Lula III se con­fronta com dois con­fli­tos de mag­ni­tude: em Gaza e na Ucrâ­nia. O de Gaza vai além da ter­rív­el situ­ação human­itária. Está rela­ciona­da ao equi­líbrio das forças no con­tex­to region­al e ao espaço e papel de potên­cias exter­nas na dinâmi­ca do Ori­ente Médio. Iden­ti­fi­co na posição brasileira, em espe­cial nas impro­visadas e não medi­das man­i­fes­tações do pres­i­dente, uma emo­ti­va exor­tação em prol da paz. Car­rega a sim­pa­tia pela causa palesti­na pre­sente no PT. Pos­sui uma opaci­dade em relação ao desafio exis­ten­cial de Israel. Lula III vem se asso­cian­do ao coro da geografia das paixões que o con­fli­to sus­ci­ta. É um tema que se inter­nal­i­zou.

O con­fli­to na Ucrâ­nia está vin­cu­la­do às ten­sões de hege­mo­nia. Con­duzi­da pela Rús­sia de Vladimir Putin, é uma guer­ra de agressão. É uma inequívo­ca expressão do uso da força con­tra a inde­pendên­cia e a inte­gri­dade ter­ri­to­r­i­al da Ucrâ­nia, o que se con­trapõe à Car­ta das Nações Unidas.

A con­tinuidade da guer­ra e a sua vio­lên­cia alter­am o prévio hor­i­zonte da segu­rança europeia. Colo­cam na pau­ta o uso das armas nuclear­es. São uma ameaça exis­ten­cial aos viz­in­hos da Rús­sia. Neste con­tex­to, não cabe benevolên­cia em relação à Rús­sia de Putin, que se con­trapõe à políti­ca jurídi­ca exter­na do País, pos­i­ti­va­da na Con­sti­tu­ição de 1988.

O recente endos­so de Cel­so Amor­im à pro­pos­ta de uma con­fer­ên­cia de paz artic­u­la­da pela Chi­na, ali­a­da da Rús­sia, para con­sti­tuir um eixo de paz (a palavra eixo não traz boas lem­branças para os estu­diosos da paz) atrela o Brasil à Chi­na e aos seus inter­ess­es hegemôni­cos. Não con­tribui para a cred­i­bil­i­dade da equidis­tân­cia do “soft pow­er” do nos­so país e as ambições de Lula III de asse­gu­rar um apro­pri­a­do lugar no mun­do. Não fará do Brasil um ter­ceiro em favor da paz, mas sim um ter­ceiro aparente, ali­a­do a uma visão com­preen­si­va da Rús­sia, que se dis­solve na dinâmi­ca das polar­iza­ções.”