José Raimundo Gomes da Cruz Titular da Cadeira 48 – Alfredo de Araújo Lopes da Costa Procurador de Justiça de São Paulo aposentado
“Dentro do Islã já foi amplamente aceito que as mulheres não precisam usar véu. Até estas mulheres que adotam voluntariamente o uso do véu estão promovendo uma ideologia linha-dura.” (Asra Nomani, feminista muçulmana, citada por Steve Hendriz. “Vozes por trás do véu”. O Estado de S. Paulo, 18/4/2011) “Mulheres-bomba matam 15 na Nigéria”.… ”duas mulheres desceram, ambas usando o hijab (o lenço islâmico que cobre a cabeça)” ( O Estado de S. Paulo, 19/11/15)
No jornal O Estado de S. Paulo de 10/4/11, Timothy Garton Ash, professor de Estudos Europeus na Universidade de Oxford, depois de análise crítica de argumentos a favor da medida, conclui que ninguém “deveria seguir o exemplo francês, exemplo que a própria França deveria modificar” (“Se acredita em liberdade, não siga o exemplo francês”. Subtítulo: “A proibição do uso da burca, que entra amanhã em vigor no país, não é liberal, igualitária, nem necessária, e muito provavelmente terá resultado contraproducente”).
Tenho insistido no tema da igualdade, começando por absorver nela as duas outras entidades tão reverenciadas pelos revolucionários franceses de 1789: a liberdade e a fraternidade (“Elogio da igualdade”. APMP Revista. v. 48. set/dez 2008. pp. 89/93. Com texto ampliado, Justitia. v. 199. jul/dez 2008. pp. 99/105). No último texto, a ampliação decorreu da inclusão de tópico intitulado “Desigualdades persistentes em prejuízo da mulher”.
Convém lembrar tais desigualdades, sobre as quais também tenho escrito: “A mutilação da mulher, crime sem fronteiras” (Revista Forense, v. 370, pp. 451/452), “Femicídio” (Revista Forense. v. 377, pp. 447/450) e “O assédio sexual, algumas notas comparativas e o crime de assédio sexual” (Revista Brasileira de Direito Comparado. v. 29. 2007. pp. 207/213). Meu artigo “Poligamia hoje: outro drama da mulher” se acha no meu livro Cinema, Verdade e Fantasia (São Paulo : 2012, pp. 55/60), enquanto “Casamento das menininhas” ainda está inédito.
Houve destaque editorial no citado artigo de Ash: “Maioria das entrevistadas diz que cobre o rosto por opção pessoal, como parte de uma jornada espiritual”. Não percebo como tal liberdade de esconder a identidade pessoal constitua argumento em favor da evidente desigualdade de tal atitude.
Segundo Asra Nomani, é “difícil encontrar mulheres nascidas em culturas muçulmanas que usem o niqab” e ela própria “apoiaria um veto americano a este tipo de vestimenta religiosa que cobre o rosto” (ob. e loc. cit.).
Mesmo países com grande nível de igualdade e segurança adotam câmeras de vigilância. Tais dispositivos têm contribuído muito para maior segurança de todos os homens e mulheres. Desenvolve-se, ainda, o precário retrato falado de infratores desconhecidos, especialmente nos grandes centros urbanos. Em seu artigo, Ash lembra que “violentos manifestantes de rua há décadas escondem o rosto com capuzes, enquanto uma meia enfiada na cabeça (ou um equivalente moderno) é há muito tempo o disfarce comum do ladrão armado”. Acontece que, por enquanto, qualquer pessoa usando disfarces poderá ser identificada por agentes de segurança. Qualquer pessoa, homem ou mulher, usando burca, nikab ou equivalente, como atitude lícita, não poderá ser identificada por agentes de segurança. Nesta era de terrorismo, de maníacos suicidas e de populações enormes e sempre em mutação, a permissão da burca ou equivalente agravaria de modo inquietante o quadro de segurança pública. Até mulheres com opção pessoal para fins de jornada espiritual poderiam esconder sua identidade, em indesejável e absurda desigualdade. O paradoxo é evidente e intencional.
Não convém esquecer os membros da sociedade secreta racista dos EUA, intitulada Klu Klux Klan, que agiam com mascaras sobre o rosto, em sua missão de terror.
Até para que as próprias beneficiárias do exótico e restritíssimo costume de ocultação da identidade mais notória dos seres humanos não acabem sofrendo as consequências decorrentes de supostas ou supostos usuários de burcas ou equivalentes, discordo de Ash e de quantos defendam tal desigualdade. E o faço em nome da igualdade, esse outro nome da cidadania.