José Raimun­do Gomes da Cruz Tit­u­lar da Cadeira 48 – Alfre­do de Araújo Lopes da Cos­ta Procu­rador de Justiça de São Paulo aposen­ta­do

“Rápido percurso da jurisprudência confirma que o direito à imagem é sempre invocado em apoio ou em proteção da tranquilidade ou da dignidade.” (B. BEIGNIER, Le Droit de la Personnalité. Paris : P. U. F., 1992. p. 62)
“As imagens são prova e show: atestam a realidade do rumor e nos transformam em audiência da intimidade alheia. Felizmente, há usos mais nobres da imagem no universo noticioso. Sensibilizo-me com os fotojornalistas cuja arte tanto admiro. Embrenham-se em frentes de guerra para nos provar a miséria humana, percorrem o planeta-mundo para nos mostrar a beleza que jamais veremos.” (Debora Diniz. “Depois daquele beijo” – “O gesto maldito não é a ‘traição’, mas as fotos de um espreitador que vive da intimidade alheia”. (O Estado de S. Paulo , 16/11/2014)
“A vida particular é aquela esfera de cada existência na qual ninguém pode se intrometer sem ser convidado.” (RIVERO, citado por BEIGNIER, p. 55)

Em arti­go sobre “Biografias e Pri­vaci­dade” (Revista da Acad­e­mia Mineira de Letras. v. LXVIII, pp. 89/97), lem­brei o rig­or canadense con­tra qual­quer que­bra de sig­i­lo sobre doentes inter­na­dos nos hos­pi­tais, ao pon­to de haver estri­ta proibição de ingres­so de vis­i­tantes com máquinas fotográ­fi­cas.

Não incluí, fora do âmbito san­itário, out­ra providên­cia des­ti­na­da à preser­vação da imagem de cada qual, ou, segun­do o critério de Beignier, da tran­quil­i­dade ou da dig­nidade de todos: os posters espal­ha­dos nos postes de Ottawa, divul­gan­do shows em car­taz na cidade, quan­do exibem o artista no pal­co, incluin­do visão dos fregue­ses em mesas da casa notur­na, os ros­tos destes saem des­fo­ca­dos ou embaça­dos (blurred).

Exam­i­nan­do, em recente ida a Belo Hor­i­zonte, exem­plar de Veja BH 29 de janeiro, 2014, p. 8, perce­bi o cuida­do do per­iódi­co em exibir foto de restau­rante da Savas­si com o ros­to da cliente em primeiro plano, sen­ta­da a uma das mesas, des­fo­ca­do, de modo a impedir sua iden­ti­fi­cação. Quer diz­er: de modo a preser­var sua tran­quil­i­dade ou sua dig­nidade.

O arti­go 20 do atu­al Códi­go Civ­il dis­põe: “Sal­vo se autor­izadas, ou se necessárias à admin­is­tração da justiça ou à manutenção da ordem públi­ca, a divul­gação de escritos, a trans­mis­são da palavra, ou a pub­li­cação, a exposição ou a uti­liza­ção da imagem de uma pes­soa poderão ser proibidas, a seu requer­i­men­to e sem pre­juí­zo da ind­eniza­ção que cou­ber, se lhe atin­girem a hon­ra, a boa fama ou a respeitabil­i­dade ou se se des­tinarem a fins com­er­ci­ais. Pará­grafo úni­co. Em se tratan­do de mor­to ou de ausente, são partes legí­ti­mas para requer­er essa pro­teção o côn­juge, os ascen­dentes ou os descen­dentes.” (Há obser­vações após o caput e o § úni­co do dis­pos­i­ti­vo legal, de que o códi­go ante­ri­or era omis­so sobre o assun­to).

Não se deve esque­cer que a Lei 9.615, de 24/3/98, insti­tuía “nor­mas gerais sobre desporto” e dava “out­ras providên­cias”. Por força da Lei n. 10.672, de 15/5/2003, o arti­go 28 § 7o daque­la pre­vê: “É veda­da a out­or­ga de poderes medi­ante instru­men­to procu­ratório públi­co ou par­tic­u­lar rela­ciona­dos a vín­cu­lo desporti­vo e uso de imagem de atle­tas profis­sion­ais em pra­zo supe­ri­or a um ano”.

O arti­go 42 daque­la traça­va os con­tornos da imagem no setor esporti­vo: “Art. 42. Às enti­dades de práti­ca desporti­va per­tence o dire­ito de nego­ciar, autor­izar e proibir a fix­ação, a trans­mis­são ou retrans­mis­são de imagem de espetácu­lo ou even­tos desportivos de que par­ticipem.” O § 1o deste arti­go esta­b­elece que, sal­vo con­venção em con­trário, vinte por cen­to do preço total da autor­iza­ção, como mín­i­mo, serão dis­tribuí­dos em partes iguais, aos atle­tas profis­sion­ais par­tic­i­pantes do espetácu­lo ou even­to.

Por força do § 2o do mes­mo dis­pos­i­ti­vo legal, este “não se apli­ca a fla­grantes de espetácu­lo ou even­to desporti­vo para fins, exclu­si­va­mente, jor­nalís­ti­cos ou educa­tivos, cuja duração, no con­jun­to, não exce­da de três por cen­to do total do tem­po pre­vis­to para o espetácu­lo.”

Do con­jun­to de acórdãos sobre o tema da imagem, enquan­to dire­ito da per­son­al­i­dade, sem­pre se extrairá sig­ni­fica­ti­va sín­tese a seu respeito.

Emb­o­ra ver­san­do caso ante­ri­or à vigên­cia do novo Códi­go Civ­il, hou­ve acórdão do STJ com a seguinte emen­ta: “Não se pode come­ter o delírio de, em nome do dire­ito de pri­vaci­dade, esta­b­ele­cer-se uma redo­ma pro­te­to­ra em torno de uma pes­soa para torná-la imune de qual­quer veic­u­lação ati­nente à sua imagem. Se a deman­dante expõe sua imagem em cenário públi­co, não é ilíci­ta ou inde­v­i­da sua repro­dução pela impren­sa, uma vez que a pro­teção à pri­vaci­dade encon­tra lim­ite na própria exposição real­iza­da” ((T. Negrão, J. R. F. Gou­vêa, L. G. A. Bon­di­oli e J. F. N. da Fon­se­ca. Códi­go Civ­il e Leg­is­lação Civ­il em vig­or. 30. ed. São Paulo : Sarai­va, 2011. nota 1b ao arti­go 20 do Cód. Civ­il).

A sín­tese de out­ro caso se mostra mais con­tun­dente: “Em se tratan­do de dire­ito à imagem, a obri­gação da reparação decorre do próprio uso inde­v­i­do do dire­ito per­son­alís­si­mo, não haven­do de cog­i­tar-se da pro­va da existên­cia de pre­juí­zo ou dano. O dano é a própria uti­liza­ção inde­v­i­da da imagem, não sendo necessária a demon­stração do pre­juí­zo mate­r­i­al ou moral” (T. Negrão et alii, ob. cit., nota 1c ao arti­go 20 do Cód. Civ­il. Note-se, aí, a indi­cação de out­ro acórdão no mes­mo sen­ti­do).

O atu­al Códi­go Civ­il, no Livro I das Pes­soas, Títu­lo I das Pes­soas Nat­u­rais, Capí­tu­lo I da Per­son­al­i­dade e da Capaci­dade, inclui a matéria de que tra­ta este comen­tário no Capí­tu­lo II dos Dire­itos da Per­son­al­i­dade (arti­gos 11 a 21). A leitu­ra do arti­go 20, ref­er­ente à divul­gação de escritos de alguém, à trans­mis­são da sua palavra, a pub­li­cação, a exposição ou a uti­liza­ção da sua imagem deve ser fei­ta em har­mo­nia com os arti­gos 11 e 12, do mes­mo capí­tu­lo (Enun­ci­a­do 5 do CEJ – Cen­tro de Estu­dos Judi­ciários do Con­sel­ho da Justiça Fed­er­al – cf. Negrão et alii, cit., nota n. 2 ao arti­go 20 do Cód. Civ­il).

A Súmu­la n. 403 do STJ dis­põe: “Inde­pende de pro­va do pre­juí­zo a ind­eniza­ção pela pub­li­cação não autor­iza­da de imagem de pes­soa com fins econômi­cos ou com­er­ci­ais.” (T. Negrão et alii, cit., nota 3 ao arti­go 20 do C. Civ­il). A mes­ma nota inclui prece­dentes de jurisprudên­cia impor­tantes: “O dire­ito à imagem reveste-se de dup­lo con­teú­do: moral, porque dire­ito da per­son­al­i­dade; pat­ri­mo­ni­al, porque assen­ta­do no princí­pio segun­do o qual a ninguém é líc­i­to locu­ple­tar-se à cus­ta alheia. Em se tratan­do de dire­ito à imagem, a obri­gação da reparação decorre do próprio uso inde­v­i­do do dire­ito per­son­alís­si­mo, não haven­do de cog­i­tar-se da pro­va da existên­cia de pre­juí­zo ou dano, nem a con­se­quên­cia do uso, se ofen­si­vo ou não” (STJ-2a Seção, ED no REsp 230.268, Min. Sálvio de Figueire­do, j. 11.12.02, três votos ven­ci­dos – T. Negrão et alii, ob. cit., nota 3 ao arti­go 20 do C. Civ­il).

Out­ros casos con­tribuem para a dev­i­da con­ceitu­ação do dire­ito à própria imagem: “Cuidan­do-se de uso não autor­iza­do de fotografias do autor para fins com­er­ci­ais ou pub­lic­itários, mes­mo sendo o fotografa­do fun­cionário da primeira ré, o dire­ito à imagem exsurge como dire­ito autônomo em relação a out­ros do mes­mo jaez, como hon­ra e intim­i­dade, sendo cabív­el a ind­eniza­ção inde­pen­den­te­mente de dano moral. Por out­ro lado, os ‘fins com­er­ci­ais’ col­i­ma­dos com a pub­li­cação devem ser anal­isa­dos de for­ma ampla, descaben­do perquirir se o veícu­lo pub­lic­itário em si era ou não lucra­ti­vo. Des­de que a pub­li­cação inte­gre, dire­ta ou indi­re­ta­mente, a estraté­gia com­er­cial ou pub­lic­itária da empre­sa, é de se pre­sumir a existên­cia de van­tagem com­er­cial, ain­da que indi­re­ta, sendo des­im­por­tante o fato de a revista ser dis­tribuí­da de for­ma gra­ciosa” (STJ- 4a T, cit. por Negrão et alii, ob. cit., nota 3 ao arti­go 20 do C. Civ­il).

Em recente debate de que par­tic­i­param jor­nal­is­tas e autores, mas sem espe­cial­is­tas em Dire­ito, além da con­stante refer­ên­cia à cen­sura, out­ra expressão lem­bra­da foi a livre man­i­fes­tação do pen­sa­men­to (Con­sti­tu­ição da Repúbli­ca de 1988, arti­go 5o, inciso IV). Note- se que tal dis­pos­i­ti­vo, em seu tex­to inte­gral, já con­tém uma lim­i­tação: “veda­do o anon­i­ma­to”. Segue-se out­ra restrição: “É asse­gu­ra­do o dire­ito de respos­ta, pro­por­cional ao agra­vo, além da ind­eniza­ção por dano mate­r­i­al, moral ou à imagem.” Logo, na própria Con­sti­tu­ição já se con­tem­pla a restrição em favor dos cita­dos dire­itos da per­son­al­i­dade, pois, além do dano mate­r­i­al, con­de­na-se o dano “moral ou à imagem”.

E mais adi­ante, a nos­sa Con­sti­tu­ição vigente dis­põe, no mes­mo arti­go 5o, inciso IX: “é livre a expressão da ativi­dade int­elec­tu­al, artís­ti­ca, cien­tí­fi­ca e de comu­ni­cação, inde­pen­den­te­mente de cen­sura ou licença”. Saliente-se que cen­sura ou licença não con­sti­tui ativi­dade de par­tic­u­lar, mas do poder públi­co, aspec­to que se deve acres­cen­tar, para afas­tar con­fusão. Bas­taria o inciso X do mes­mo arti­go 5o, da atu­al Con­sti­tu­ição da Repúbli­ca para salien­tar o seu apreço pelos dire­itos da per­son­al­i­dade: “são invi­o­láveis a intim­i­dade, a vida pri­va­da, a hon­ra e a imagem das pes­soas, asse­gu­ra­do o dire­ito a ind­eniza­ção pelo dano mate­r­i­al ou moral decor­rente de sua vio­lação”.

Have­ria mais recente refer­ên­cia à livre man­i­fes­tação do pen­sa­men­to como pre­cioso dire­ito, quan­do pre­ciosos são todos os dire­itos expres­sos ou implíc­i­tos da per­son­al­i­dade. Não me lem­bro da auto­ria da frase: o leg­is­lador, con­sti­tu­inte ou ordinário, não lev­an­ta nem abaixa a voz com que nos comu­ni­ca os seus pre­ceitos.

Mas não esque­ci a veraci­dade dessa frase, que con­sagra a igual pre­ciosi­dade dos dire­itos vigentes, em cada esfera hierárquica do orde­na­men­to jurídi­co atu­al.