A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito pub­li­ca, para pro­por­cionar o con­hec­i­men­to e o debate qual­i­fi­ca­dos, as Breves Con­sid­er­ações sobre a Refor­ma Trib­utária, resul­ta­do do tra­bal­ho da Comis­são de Estu­dos for­ma­da por seus Acadêmi­cos Tit­u­lares, Advo­ga­dos e Pro­fes­sores Hamil­ton Dias de Souza, Hum­ber­to Ávi­la, Ives Gan­dra da Sil­va Mar­tins e Roque Car­raz­za.

A história da con­strução da sociedade con­tem­porânea, como se sabe, pas­sa pelo tra­bal­hoso proces­so de con­sti­tu­ição das garan­tias cidadãs de con­t­role da trib­u­tação.

No iní­cio, trata­va-se de impor o req­ui­si­to do con­sen­ti­men­to da sociedade políti­ca à imposição de trib­u­tos pelo Esta­do.

Hoje, a com­preen­são da neces­si­dade de recur­sos cada vez mais volu­mosos para o desem­pen­ho dos deveres, a manutenção dos dire­itos e a prestação de bens e serviços, por meio das políti­cas públi­cas con­sti­tu­cionais, lev­ou à for­mação de um saber cien­tí­fi­co especí­fi­co, con­sis­tente na ciên­cia da admin­is­tração e da trib­u­tação, que tem no dire­ito a garan­tia de um con­hec­i­men­to seguro, vin­cu­la­do à tradição con­sti­tu­cional.

No Brasil, o dire­ito trib­utário foi edi­fi­ca­do em pata­mar de excelên­cia, recon­heci­da inter­na­cional­mente, graças aos esforços de ger­ações de juris­tas, cuja ativi­dade práti­ca tem per­mi­ti­do a segu­rança na inter­pre­tação e na apli­cação das dis­posições nor­ma­ti­vas, assim como o exer­cí­cio espe­cial­iza­do e hábil do con­sen­ti­men­to e do con­t­role da cidada­nia, que fun­da­men­tam o Esta­do Democráti­co de Dire­ito .

A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito tem a hon­ra de pos­suir em seu quadro de Acadêmi­cos os mais cel­e­bra­dos rep­re­sen­tantes dessa esco­la.

O tra­bal­ho a seguir pub­li­ca­do é ape­nas um exem­p­lo de sua proem­inên­cia.

A APD fará pub­licar out­ras con­tribuições, estando fran­quea­do seu espaço para que se efe­tive esse impor­tante e con­stru­ti­vo debate, com o con­vite aber­to a toda a comu­nidade de juris­tas, bem como aos espe­cial­is­tas em ativi­dade em out­ras áreas do saber, e à con­tribuição cidadã.

 

Breves Comentários à Reforma Tributária

Cui­da-se de tecer con­sid­er­ações sobre o Sub­sti­tu­ti­vo apre­sen­ta­do ao Plenário da Câmara dos Dep­uta­do pelo Rela­tor da PEC 45/2019, Dep. Fed. Aguinal­do Ribeiro. Como se verá, o tex­to sus­ci­ta questões con­sti­tu­cionais del­i­cadas e o mod­e­lo de trib­u­tação nele con­ti­do recla­ma ajustes. Além dis­so, a con­veniên­cia e a reg­i­men­tal­i­dade da sua pos­sív­el votação em Plenário, poucos dias após a apre­sen­tação ofi­cial, são no mín­i­mo dis­cutíveis.

1. Objetivos e limites de uma reforma tributária

Para que haja “sis­tema trib­utário”, as nor­mas e estru­turas de trib­u­tação devem estar orga­ni­zadas sob a for­ma de um todo har­môni­co, capaz de fun­cionar ade­quada­mente[1]. Ao lon­go dos anos o sis­tema trib­utário brasileiro adquir­iu traços de irra­cional­i­dade e dis­tan­ciou-se de sua lóg­i­ca orig­i­nal, dev­i­do a vários fatores, como pro­dução nor­ma­ti­va exces­si­va (com­plex­i­dade, inse­gu­rança jurídi­ca, onerosi­dade)[2], atu­ação fis­cal­ista das autori­dades e prob­le­mas lig­a­dos à liti­giosi­dade daí decor­rente (morosi­dade, oscilação jurispru­den­cial etc.)[3]-[4]. Essa dete­ri­o­ração pode­ria jus­ti­ficar uma refor­ma, com o obje­ti­vo de cor­ri­gir o que está em mau esta­do e mod­ern­izar aqui­lo que pos­sa ser mod­ern­iza­do.

Ocorre que even­tu­al alter­ação nesse sen­ti­do tem de ser real­iza­da den­tro dos lim­ites impos­tos pelo próprio per­fil insti­tu­cional do País, com espe­cial atenção à for­ma fed­er­a­ti­va de Esta­do, pois, num sis­tema rígi­do (art. 60, §4º), refor­mar con­siste em “ado­tar pre­ceitos sem bulir com princí­pios”, sob pena de descar­ac­ter­izá-lo a pon­to de se chegar a uma “Con­sti­tu­ição difer­ente”[5]-[6]-[7]-[8]- [9]-[10].

É no con­tex­to dessas bal­izas que o Sub­sti­tu­ti­vo recém apre­sen­ta­do à PEC 45 sus­ci­ta con­sid­er­ações, pois, sob o pre­tex­to de con­tornar a cen­tral­iza­ção da trib­u­tação do con­sumo na União e os prob­le­mas de inad­e­quação da alíquo­ta úni­ca que estavam a impedir sua aprovação, ado­tou-se algo que parece um IVA dual e com três faixas de alíquo­tas, mas, na práti­ca, não fun­cionará com autên­ti­ca dual­i­dade, tam­pouco ofer­e­cerá a flex­i­bil­i­dade que as cir­cun­stân­cias mate­ri­ais exigem. Isso, sem men­cionar o aço­da­men­to com que se pre­tende votar o tex­to em Plenário, ape­nas duas sem­anas após a sua apre­sen­tação, o que invi­a­bi­lizaria a análise e dis­cussão do mes­mo com o cuida­do necessário.

2. Características do modelo de tributação do consumo previsto no Substitutivo

A pro­pos­ta do Rela­tor (Dep. Fed. Aguinal­do Ribeiro) con­tem­pla a adoção de um sis­tema aparente­mente dual, bipar­tido em uma Con­tribuição sobre Bens e Serviços (CBS) a car­go da União e um Impos­to sobre Bens e Serviços (IBS), de “com­petên­cia comum” aos Esta­dos e Municí­pios. Há, ain­da, um Impos­to Sele­ti­vo (IS), sobre “bens e serviços prej­u­di­ci­ais à saúde ou ao meio ambi­ente”, rela­ciona­dos em lei ordinária, além de alter­ações pon­tu­ais em matéria de IPTU, IPVA e ITCMD.

O IBS e a CBS incidiri­am sobre bens e serviços, seri­am arrecada­dos no des­ti­no (local de con­sumo), teri­am estru­turas prati­ca­mente idên­ti­cas (fatos ger­adores, bases de cál­cu­lo, sujeitos pas­sivos, faixas de trib­u­tação e regime de com­pen­sação etc.) e seri­am “har­mo­niza­dos” por meio da “coop­er­ação” entre a União (con­tribuição) e o Con­sel­ho Fed­er­a­ti­vo do impos­to (art. 156‑B, §3º). Ambos teri­am alíquo­tas padrão, reduzi­da e zero, estas ape­nas para itens especi­fi­ca­dos na própria CF/88.

Para os serviços de edu­cação e saúde, dis­pos­i­tivos médi­cos e remé­dios, trans­porte públi­co cole­ti­vo, pro­du­tos rurais in natu­ra e respec­tivos insumos, itens da ces­ta bási­ca e ativi­dades artís­ti­cas e cul­tur­ais, a lei com­ple­men­tar pode­ria aplicar-lhes a metade da alíquo­ta padrão. Já a isenção ficaria adstri­ta a medica­men­tos e serviços de trans­porte cole­ti­vo, bem como, no que con­cerne à CBS, às insti­tu­ições do PROUNI e às empre­sas do pro­gra­ma de retoma­da do setor de even­tos (PERSE). O tema será trata­do deti­da­mente mais adi­ante.

O tex­to pre­vê, ain­da, a manutenção da Zona Fran­ca de Man­aus e do SIMPLES, além de regimes especí­fi­cos para os setores finan­ceiro e imo­bil­iário, aque­les cujas car­ac­terís­ti­cas deman­dem trib­u­tação monofási­ca (com­bustíveis, lubri­f­i­cantes etc.) e com­pras gov­er­na­men­tais. O pequeno pro­du­tor rur­al pes­soa físi­ca poderá optar por não ser con­tribuinte dess­es trib­u­tos, caso em que se autor­iza a lei com­ple­men­tar a con­ced­er crédi­to pre­sum­i­do aos adquirentes dos pro­du­tos rurais in natu­ra com­pra­dos dessas pes­soas.

Há, por fim, a pre­visão de dois fun­dos con­sti­tu­cionais, um para com­pen­sar o esvazi­a­men­to dos atu­ais incen­tivos de ICMS con­va­l­i­da­dos pela LC 160/17 e out­ro para finan­ciar as ações dos entes descen­tral­iza­dos no fomen­to ao desen­volvi­men­to local, ambos finan­cia­dos pela União.

Como se verá a seguir, se aprova­do, o Sub­sti­tu­ti­vo, que não se fez acom­pan­har pela divul­gação de estu­dos e pro­jeções econômi­cas sufi­cientes para os setores afe­ta­dos, tende a com­pro­m­e­ter a autono­mia finan­ceira dos Esta­dos e Municí­pios, o que, na práti­ca, mac­u­la a Fed­er­ação e, por­tan­to, afe­ta um dos pilares de nos­so sis­tema con­sti­tu­cional. Ade­mais, incli­na-se a prej­u­dicar o agronegó­cio (respon­sáv­el, em 2022, por 24,8% do PIB nacional, cf. CEPEA/USP, 2023), os presta­dores de serviços e os próprios con­tribuintes (que, ao con­trário do que o Gov­er­no Fed­er­al apre­goa, supor­tarão um sen­sív­el aumen­to da já insu­portáv­el car­ga trib­utária).”

3. Vícios do modelo de tributação previsto no Substitutivo

3.1. Redução dos poderes de Estados e Municípios na tributação do consumo e de sua autonomia

O sis­tema pro­pos­to não apre­sen­ta a descen­tral­iza­ção necessária para que seja real­mente dual. Afi­nal, o IBS rel­a­ti­vo aos Esta­dos e Municí­pios seria insti­tuí­do por meio lei com­ple­men­tar (que se insere no proces­so leg­isla­ti­vo da União) em lin­ha com a mes­ma estru­tu­ra escol­hi­da para a CBS, o que inclui a dis­ci­plina de fatos ger­adores, bases de cál­cu­lo, deter­mi­nação de alíquo­tas, regimes espe­ci­ais e favore­ci­dos de trib­u­tação e sujeição pas­si­va. Ess­es temas, em relação ao ICMS e ao ISS, são trata­dos por leis estad­u­ais, den­tro da moldu­ra de leis com­ple­mentares de nor­mas gerais (CF, art. 146).

Uma vez cri­a­do o impos­to, ele seria admin­istra­do por inter­mé­dio de um Con­sel­ho Fed­er­a­ti­vo igual­mente insti­tuí­do e regi­do por lei com­ple­men­tar, cujo con­teú­do dev­erá estar em con­formi­dade com as regras aplicáveis à CBS de com­petên­cia da União. O órgão teria com­petên­cia para edi­tar nor­mas infrale­gais, uni­formizar inter­pre­tações em caráter vin­cu­lante, arrecadar, com­pen­sar e par­til­har o IBS, bem como dirim­ir questões sus­ci­tadas no con­tencioso admin­is­tra­ti­vo, com inde­pendên­cia. Atual­mente, tudo isso pode ser feito dire­ta­mente por cada Esta­do e por cada Municí­pio em relação aos atu­ais ICMS e ISS, poder que tam­bém deixaria de exi­s­tir caso aprova­do o sis­tema pro­pos­to.

A úni­ca pre­visão sobre o fun­ciona­men­to do Con­sel­ho é no sen­ti­do de que haverá pari­dade entre o con­jun­to dos Esta­dos e o con­jun­to dos Municí­pios. No entan­to, nem o critério de dis­tribuição dos votos (pop­u­la­cional, econômi­co ou out­ro), nem a espé­cie de maio­r­ia necessária para aprovação das delib­er­ações (sim­ples, qual­i­fi­ca­da ou abso­lu­ta) está pre­vis­to con­sti­tu­cional­mente, deven­do, igual­mente, ser detal­ha­dos em lei com­ple­men­tar.

Na práti­ca, tudo indi­ca que o con­sel­ho fun­cionará como uma sociedade, ou seja, todas as questões sen­síveis depen­derão de acor­do entre os Esta­dos e os 5570 Municí­pios, não haven­do garan­tias de que eles ven­ham a efe­ti­va­mente ter voz nesse órgão. Assim, decisões que todos ess­es entes podem na atu­al­i­dade tomar indi­vid­ual­mente pas­sarão a depen­der de acor­doentre si, sendo cer­to que, nas divergên­cias que sur­girão, as mino­rias dev­erão cur­var-se às maio­r­ias.

Para trans­mi­tir a sen­sação de que algu­ma decisão poderá ser toma­da livre­mente pelos Esta­dos e Municí­pios, o Sub­sti­tu­ti­vo pre­vê que eles poderão deter­mi­nar a alíquo­ta de IBS aplicáv­el aos itens des­ti­na­dos aos respec­tivos ter­ritórios. Sucede, todavia, que esse poder é dis­cutív­el, pois só poderá ser exer­ci­do após o Sena­do Fed­er­al definir a alíquo­ta de refer­ên­cia para cada esfera fed­er­a­ti­va e tam­bém porque de improváv­el apli­cação práti­ca, como será detal­ha­do adi­ante.

Noutras palavras, em com­para­ção com o que hoje vig­o­ra em matéria de ICMS e ISS, não há como duvi­dar de que os Esta­dos e os Municí­pios perderão o poder de leg­is­lar sobre trib­u­tos que lhes são ver­dadeira­mente próprios, e terão de se con­tentar com um impos­to em con­domínio, em relação ao qual ficarão a depen­der de acor­do no con­tex­to de uma assem­bleia ger­al com mais de 5.597 acionistas, sujei­tan­do-se à maio­r­ia, em caso de divergên­cia. Isso, além de ter de seguir o dis­pos­to em lei com­ple­men­tar, como antes se referiu. Dis­so decorre que há per­da de poder, o que impli­ca redução da autono­mia dos entes sub­na­cionais.

Do expos­to decorre que, exclu­si­va­mente quan­to a este pon­to, o mod­e­lo pre­vis­to no Sub­sti­tu­ti­vo não é tão dis­tin­to do IVA úni­co e fed­er­al pre­vis­to na redação orig­i­nal da PEC 45, pois ele se apre­sen­ta com fal­sa dual­i­dade, pre­tenden­do jus­ti­ficar uma autono­mia que é mera­mente for­mal.

Aliás, em se tratan­do de grandes fed­er­ações, sem­pre se respei­ta a autono­mia das ordens par­ci­ais de gov­er­no, seja por adesão a um sis­tema har­mo­niza­do (como no Canadá), seja pela prevalên­cia de sua von­tade na gestão do trib­u­to em comum (2/3 dos votos para Esta­dos, con­tra 1/3 para a União, na gestão do IVA indi­ano).

Mes­mo quan­do a trib­u­tação do con­sumo é fed­er­al­iza­da, exis­tem mod­os para asse­gu­rar autono­mia autên­ti­ca aos entes par­ci­ais. Exem­p­lo dis­so é a Aus­trália, onde o IVA é da União, mas a quase total­i­dade dos seus recur­sos é dis­tribuí­da aos Esta­dos. Da mes­ma for­ma, na Ale­man­ha, além de as ordens par­ci­ais de gov­er­no serem tit­u­lares de quase a metade da arrecadação do IVA, os Esta­dos par­tic­i­pam dire­ta­mente do proces­so leg­isla­ti­vo ati­nente ao trib­u­to, pelo fato de que o Sena­do é com­pos­to por rep­re­sen­tantes dos Esta­dos livre­mente escol­hi­dos e demi­ti­dos a qual­quer tem­po por estes.

Ade­mais, a autono­mia envolve a capaci­dade do ente de se autode­ter­mi­nar quan­to a questões fun­da­men­tais sem influên­cias sub­ju­gantes. Assim, a dis­cussão não abrange ape­nas saber “o que” será rece­bido pelo ente fed­er­a­do, mas “como” ele irá ter o dire­ito de rece­ber e “como” e “em que medi­da” irá poder, de maneira con­tínua, exercer o seu poder. Noutros ter­mos, autono­mia não é “resul­ta­do finan­ceiro”, mas “proces­so de exer­cí­cio de poder políti­co”. De acor­do com o Sub­sti­tu­ti­vo, con­tu­do, cada ente fed­er­a­do dev­erá se sub­me­ter a delib­er­ações cir­cun­stan­ci­ais e ad hoc tomadas por um órgão com­pos­to de quase 6 mil mem­bros, sem que sejam definidos os critérios que irão nortear referi­da delib­er­ação. Seria como um pro­pri­etário de um imóv­el de con­domínio hor­i­zon­tal se sub­me­ter a uma assem­bleia de 6 mil condômi­nos, não, porém, para definir o que faz­er com as áreas comuns, mas para definir o que faz­er com a sua própria pro­priedade (quan­tos quar­tos e ban­heiros deve ter, como dev­erá usá-la, etc.), sem que haja pro­por­cional­i­dade de rep­re­sen­tação quan­to ao número de lotes de que cada um é pro­pri­etário ou a sua exten­são, e sem que haja qual­quer difer­ença com relação aos lotes estarem ou não edi­fi­ca­dos e terem esta ou aque­la função ou uso. Como diz­er que esse sis­tema garante a capaci­dade de os entes fed­er­a­dos se autode­ter­minarem com base em regras gerais e abstratas quan­to a questões fun­da­men­tais e sem influên­cias sub­ju­gantes?

Nesse con­tex­to, o Sub­sti­tu­ti­vo reti­ra poder dos Esta­dos para dis­por sobre trib­u­tos próprios e para cuidar soz­in­hos de recur­sos sufi­cientes para a exe­cução de seus obje­tivos. Isso esbar­ra na proibição a emen­das con­sti­tu­cionais que pre­tendam “mod­i­ficar qual­quer ele­men­to con­ceitu­al da Fed­er­ação”. Entre estes, rel­e­va apon­tar sobre­tu­do os que respeitam às com­petên­cias pri­v­a­ti­vas out­or­gadas aos entes sub­na­cionais [11]-[12]. Note-se que, como bem apon­tou a Min­is­tra Ellen Gra­cie, não há neces­si­dade de supressão das com­petên­cias dess­es entes para que inci­da a referi­da proibição. Bas­ta, para tan­to, que haja redução ou amesquin­hamen­to das mes­mas, espe­cial­mente em matéria trib­utária, por serem “pilares da autono­mia dos entes políti­cos [13]-[14]-15-[15]-[16]-[17]-[18]-20.

3.2. Falso poder dos entes descentralizados para fixar suas alíquotas do IBS

A con­fir­mar o esvazi­a­men­to quase total dos poderes de Esta­dos e Municí­pios em matéria de trib­u­tos sobre o con­sumo, o Sub­sti­tu­ti­vo pre­vê que todas as questões admin­is­tra­ti­vas ati­nentes ao IBS serão deci­di­das no bojo do Con­sel­ho Fed­er­a­ti­vo. Fora deste órgão, a úni­ca com­petên­cia que eles pode­ri­am exercer uni­lat­eral­mente seria a escol­ha da alíquo­ta padrão aplicáv­el às oper­ações des­ti­nadas a seus ter­ritórios, para alcançar a todos os itens que não se enquadrassem nas hipóte­ses tax­a­ti­vas de alíquo­ta reduzi­da ou isenção.

Con­tu­do, essa é uma fal­sa liber­dade, pois o ente só pode­ria alter­ar suas alíquo­tas para todos os bens e serviços, sendo-lhe veda­do aplicar alíquo­ta reduzi­da ou zero para algum pro­du­to, o que tor­na mar­gin­al o espec­tro de situ­ações em que aumen­tos e diminuições serão pos­síveis. Afi­nal, por ter de subir ou descer alíquo­tas para todas as oper­ações ao mes­mo tem­po, ou o ente irá deses­tim­u­lar o con­sumo inter­no ou acabará por pro­duzir impactos intol­eráveis na arrecadação(reduções).

Em relação àque­les itens que são insumos de out­ras cadeias pro­du­ti­vas, o IBS seria neu­tro para os entes de pas­sagem (oper­ações ini­cial e inter­mediárias), já que, na práti­ca, cada ente rece­berá somente os val­ores cor­re­spon­dentes ao IBS sobre itens efe­ti­va­mente con­sum­i­dos em seus ter­ritórios. Daí a con­statação de que, para estes, não have­ria sequer o inter­esse do ente fed­er­a­ti­vo em alter­ar alíquo­tas.

Já no que respei­ta aos itens pron­tos para con­sumo, aumen­tos sub­stan­tivos poderão inter­ferir na deman­da local, sobre­tu­do para as hipóte­ses em que o des­ti­no ven­ha a ser definido como o local da entre­ga (regiões fron­teir­iças, municí­pios con­tígu­os etc.), enquan­to diminuições rel­e­vantes ten­dem a ger­ar quedas de arrecadação de difí­cil absorção. Daí ser mín­i­ma a margem para mod­u­lar alíquo­tas.

Por essas razões, a autono­mia para dis­por sobre alíquo­tas seria bas­tante reduzi­da, senão nula, diante da imprat­i­ca­bil­i­dade de efe­ti­vo manu­seio do impos­to para o fim de ade­quar a arrecadação dos entes às neces­si­dades e von­tades políti­cas próprias.

Como apon­ta­do pelo Min. Gilmar Mendes, “as com­petên­cias con­sti­tu­cionais esvazi­am-se sem as condições mate­ri­ais para o seu exer­cí­cio”[19]. É exata­mente o que ocor­re­ria se imple­men­ta­do o Sub­sti­tu­ti­vo neste par­tic­u­lar[20].

3.3. Desproporcionalidade em matéria de alíquotas: incompatibilidade com a prática internacional

Como men­ciona­do, a estru­tu­ra de alíquo­tas aven­ta­da pelo Sub­sti­tu­ti­vo é rígi­da a pon­to de invi­a­bi­lizar a vari­ação de alíquo­tas do IBS para os fins comu­mente aceitos, v.g. pro­mover bens e serviços mer­itórios, desin­cen­ti­var con­sumos inde­se­jáveis, mit­i­gar prob­le­mas tem­porários de desabastec­i­men­to, fixar a trib­u­tação em pata­mar com­patív­el com a natureza de cada item etc.

É ver­dade que uma refor­ma trib­utária ten­ha de cor­ri­gir o prob­le­ma das infini­tas alíquo­tas sobre o con­sumo, hoje em vig­or. Porém, entre esse emaran­hado e a impos­si­bil­i­dade de vari­ações, existe um pon­to de equi­líbrio a ser persegui­do. Noutras palavras, o IBS tem de ter pou­cas faixas de trib­u­tação, mas com razoáv­el flex­i­bil­i­dade, para per­mi­tir cal­i­bração de car­ga trib­utária. Essa é, afi­nal, a práti­ca ado­ta­da pela maio­r­ia dos país­es da OCDE, tais como os mem­bros da União Europeia[21]-[22], África-do-Sul[23]-[24]-[25], Canadá[26], Índia[27] e Japão[28]-[29], entre out­ros.

A alíquo­ta úni­ca não é prat­i­ca­da em qual­quer País do mun­do com car­ac­terís­ti­cas sim­i­lares às do Brasil (nem mes­mo na Nova Zelân­dia, tida como exem­plar em matéria de IVA)[30]-[31]-[32].

A propósi­to, a var­iedade con­tro­la­da de alíquo­tas tem sen­ti­do prag­máti­co, pois as esti­ma­ti­vas ofi­ci­ais são no sen­ti­do de que o IBS, para sub­sti­tuir ICMS, IPI, ISS, PIS e COFINS, sem per­da de arrecadação, teria de ter uma alíquo­ta de 25%. Real­mente, se os for­mu­ladores do pro­je­to de refor­ma esti­mam alíquo­ta de 25% sem reduções ou isenções, é claro que, com estas, a alíquo­ta padrão terá de ser aumen­ta­da. Para este efeito, poderíamos estimá-la em 28%, ape­nas para racioci­nar. Sendo assim, a alíquo­ta reduzi­da seria por vol­ta de 14%, o que supera a maior alíquo­ta padrão de muitos País­es(v.g., Aus­trália – 10%, África do Sul – 10%, Canadá – até 15%, Japão – 10%, Cor­eia do Sul – 10%, Suíça – 7,7%)35.

A per­plex­i­dade se agra­va pelo fato de que essa alíquo­ta inter­mediária será apli­ca­da a itens como edu­cação, saúde e ali­men­tos da ces­ta bási­ca, os quais, em out­ros País­es, ou não são trib­u­ta­dos ou o são a alíquo­tas muito menores que os pre­tendi­dos 14%. Vejam-se alguns exem­p­los:

País Edu­cação Saúde Ali­men­tos bási­cos
Aus­trália 0%
África do Sul 0% 10% 0%
Canadá 0%
Japão 0% 0% 8%
Méx­i­co 0% 8% 0%
Suíça 0% 0% 2,5%

A con­fir­mar a neces­si­dade de reduções efe­ti­vas para bens e serviços como os aci­ma elen­ca­dos, sob pena de se acen­tu­ar a regres­sivi­dade do sis­tema, há o fato de que o chama­do “cash-back” ficará lim­i­ta­do às camadas mais vul­neráveis da pop­u­lação, sem alcançar as class­es C e B, emb­o­ra não seja razoáv­el tratá-las do mes­mo modo que a cama­da mais rica da pop­u­lação (classe A). Voltare­mos ao tema em out­ra opor­tu­nidade.

É por essas e out­ras razões que, con­forme lev­an­ta­men­to do Insti­tu­to Atlân­ti­co (2023), de 139 país­es exam­i­na­dos, 128 pos­suem alíquo­ta padrão com reduções ou isenções. Na real­i­dade, mes­mo os IVAs con­sid­er­a­dos “mod­er­nos”, como os referi­dos por Rita de la Feria, apre­sen­tam faixas diver­sas de trib­u­tação, como os  da Turquia (18%, 8%, 1% e isenção), Ango­la (14%, 7%, 5% e 0%) e São Tomé e Príncipe (15%, 7%, 2% e 0%), ain­da que a alíquo­ta padrão seja apli­ca­da à maio­r­ia dos itens[33]-[34]-[35].

Por fim, deve-se salien­tar que per­centu­ais como os que se pre­tende aplicar não pode­ri­am ser absorvi­dos de modo ime­di­a­to por diver­sos itens e setores. Den­tre os prin­ci­pais afe­ta­dos, estão a agroindús­tria (+875%, cf. CNA­gro, 2023), serviços profis­sion­ais (+265%, cf. CNS, 2023), edu­cação e saúde (mes­mo com alíquo­ta reduzi­da, +365%, cf. CNS, 2023)[36], avi­ação com­er­cial (+R$ 3,7 bil­hões ao ano, por empre­sa aérea, cf. ABEAR, 2023).

3.4. Dúvidas quanto ao funcionamento do conselho federativo

Como vis­to, caberia a um Con­sel­ho Fed­er­a­ti­vo edi­tar nor­mas infrale­gais do IBS e uni­formizar inter­pre­tações em caráter vin­cu­lante, arrecadar, com­pen­sar e dis­tribuir o impos­to aos seus tit­u­lares e dirim­ir questões sus­ci­tadas nos proces­sos admin­is­tra­tivos envol­ven­do o trib­u­to. Os entes fed­er­a­tivos só teri­am voz nesse órgão no âmbito da respec­ti­va assem­bleia ger­al, com votos dis­tribuí­dos igual­mente entre o con­jun­to dos Estados/DF e o con­jun­to dos Municípios/DF, muito emb­o­ra não este­ja con­sti­tu­cional­mente definido qual critério será obser­va­do para a quan­ti­dade de votos a ser atribuí­do a cada um (se pop­u­la­cional, econômi­co ou mis­to).

Entre­tan­to, essas e out­ras questões que ficam pen­dentes de definição por lei com­ple­men­tar inter­fer­em no con­teú­do do pacto fed­er­a­ti­vo e, por­tan­to, na qual­i­dade das futuras relações entre os tit­u­lares do impos­to sub­na­cional que, em tudo e por tudo, se assemel­hará a um con­domínio, com o poten­cial con­fli­ti­vo que esse tipo de relação jurídi­ca pos­sui. Noutras palavras, os dire­itos e deveres dos Esta­dos e Municí­pios entre si e per­ante o referi­do Con­sel­ho dev­e­ri­am rece­ber detal­hamen­to con­sti­tu­cional sufi­ciente, pois Emen­da Con­sti­tu­cional não pode del­e­gar ao leg­is­lador com­ple­men­tar a dis­ci­plina de algo que mate­rial­mente redesen­ha as com­petên­cias dos entes sub­na­cionais.

Isso, até para evi­tar uma exces­si­va dis­cricionar­iedade da lei com­ple­men­tar na dis­ci­plina do órgão, sem critérios de con­t­role que per­mi­tam aos inter­es­sa­dos defend­er-se judi­cial­mente, quer nas dis­cordân­cias que cer­ta­mente sur­girão den­tro do órgão quer para as situ­ações em que ele des­bor­de das com­petên­cias que razoavel­mente lhe cabem.

Por fim, impor­ta salien­tar que o Con­sel­ho ficará não só sujeito às nor­mas de lei com­ple­men­tar como tam­bém das leis que forem edi­tadas pela própria União (CBS). Assim é que o art. 156‑B, §3º, do Sub­sti­tu­ti­vo, pre­vê que o Con­sel­ho Fed­er­a­ti­vo e a União atu­arão para har­mo­nizar nor­mas, inter­pre­tações e pro­ced­i­men­tos rel­a­tivos ao IBS e à CBS. Ora, se a União terá com­petên­cia para leg­is­lar mate­rial­mente sobre todos os aspec­tos da CBS, parece claro que a lei com­ple­men­tar do IBS não dev­erá con­ter dis­pos­i­tivos diver­sos daque­les esta­b­ele­ci­dos para a con­tribuição da União.

Em con­clusão deste tópi­co, não haverá ver­dadeiro impos­to dual, pois a União, por lei ordinária, poderá dis­por sobre fato ger­ador, base de cál­cu­lo, sujeição pas­si­va e alíquo­tas (inclu­sive reduções). Enfim, todos os ele­men­tos con­for­madores da obri­gação trib­utária.

As nor­mas do Con­sel­ho Fed­er­a­ti­vo dev­erão ser har­mo­nizadas com as da União e serão depen­dentes tam­bém do dis­pos­to em lei com­ple­men­tar, decor­rente de proces­so leg­isla­ti­vo no qual a União tem enorme influên­cia. Nesse con­tex­to, qual é a rés­tia de autono­mia que sobrará para Esta­dos e Municí­pios?

E mais: mes­mo em matéria de inter­pre­tação das nor­mas, dev­erá haver a mes­ma har­mo­niza­ção. Ora, assim sendo, é razoáv­el supor que os entes sub­na­cionais sigam as con­clusões do poder cen­tral, como nor­mal­mente acon­tece.

Em suma, na práti­ca, a com­petên­cia para leg­is­lar mate­rial­mente sobre os novos trib­u­tos sobre o con­sumo será da União, seja por lei ordinária, seja por lei com­ple­men­tar, nada restando para Esta­dos e Municí­pios. E, mes­mo em matéria de inter­pre­tação da lei, decisões em proces­so admin­is­tra­ti­vo e out­ros aspec­tos ati­nentes ao IBS, o Con­sel­ho Fed­er­a­ti­vo segu­ra­mente ten­derá a seguir os padrões esta­b­ele­ci­dos pelo gov­er­no fed­er­al em relação à CBS. Se assim não for, a própria ideia de uni­ci­dade (har­mo­niza­ção) pre­sente no Sub­sti­tu­ti­vo ruirá.

3.5. Imposto Seletivo

No que respei­ta ao Impos­to Sele­ti­vo, o Sub­sti­tu­ti­vo limi­ta-se a pre­v­er que não incidirá sobre expor­tações, não inte­grará as bases de cál­cu­lo do ICMS, ISS, IBS e CBS e que poderá ter o mes­mo fato ger­ador e base de cál­cu­lo de out­ros trib­u­tos, recain­do sobre bens e serviços prej­u­di­ci­ais à saúde ou ao meio ambi­ente, nos ter­mos da lei ordinária.

No entan­to, a pre­visão de um impos­to sele­ti­vo fed­er­al atrai para a União o poder de con­tro­lar quase todos os trib­u­tos do País, até porque a União leg­is­la mate­rial­mente não só sobre a CBS, como tam­bém sobre o IBS. Assim, reiteran­do as con­clusões supra quan­to às questões fed­er­a­ti­vas envolvi­das, impor­ta salien­tar que a União, se aprova­do o Sub­sti­tu­ti­vo, acabaria por con­cen­trar o poder de leg­is­lar sobre trib­u­tos cor­re­spon­dentes a 91,57% da arrecadação nacional, segun­do dados do Tesouro Nacional[37].

Ade­mais, a prevale­cer o Sub­sti­tu­ti­vo, o impos­to em questão teria um cam­po de apli­cação muito amp­lo, pois a fór­mu­la “prej­u­di­ci­ais à saúde ou ao meio ambi­ente” admite inter­pre­tações elás­ti­cas, a depen­der das con­vicções de cada um sobre o tema. Nesse sen­ti­do, não há um critério de dis­tinção sufi­cien­te­mente claro para se extremar o que pode do que não pode vir a ser obje­to do impos­to.

Assim, uma ampla gama de bens e serviços poderá ser facil­mente incluí­da no escopo do Impos­to Sele­ti­vo, com base em razões genéri­c­as lig­adas à preser­vação da saúde ou do meio ambi­ente, sem­pre que hou­ver neces­si­dade de ger­ar aumen­to de arrecadação para o Tesouro Nacional. No lim­ite, o impos­to poderá tornar-se um sucedâ­neo do IBS/CBS ou, o que é pior, um IPI, de base extrema­mente ampla.

Por isso, o próprio tex­to con­sti­tu­cional deve pre­v­er os traços fun­da­men­tais dos pro­du­tos que pos­sam ser obje­to do Impos­to Sele­ti­vo, ou, pelo menos, que a definição dess­es itens seja con­ti­na em lei com­ple­men­tar. Do con­trário, até medi­das pro­visórias seri­am veícu­los hábeis para inserir ou reti­rar pro­du­tos do cam­po de incidên­cia do impos­to.

A propósi­to, nos País­es que per­tencem à OCDE, impos­tos sele­tivos recaem sobre pro­du­tos especí­fi­cos, como fumo, álcool, com­bustíveis fós­seis e ener­gia de fontes não ren­ováveis, refrig­er­antes e “ali­men­tos” com altos teo­res de açú­car. Isso evi­den­cia a neces­si­dade de que haja pre­cisão quan­to ao seu escopo. Por isso, é recomendáv­el que a Con­sti­tu­ição pre­ve­ja a com­petên­cia da União para insti­tuir, “medi­ante lei com­ple­men­tar, impos­to sele­ti­vo, com a final­i­dade de deses­tim­u­lar o con­sumo de bens, serviços ou dire­itos que, por sua própria natureza, impliquem risco à saúde ou ao meio ambi­ente”.

4. Açodamento na votação do Substitutivo pelo Plenário da Câmara pouco após sua apresentação

Do até aqui expos­to, percebe-se que o Sub­sti­tu­ti­vo con­tém pre­visões com­plexas e de inter­esse de toda a sociedade, quer por reduzirem os poderes impos­i­tivos dos entes descen­tral­iza­dos – o que altera o desen­ho da Fed­er­ação –, que por impli­carem aumen­tos de car­ga trib­utária expres­sivos para difer­entes pro­du­tos e serviços. Tudo a evi­den­ciar que sua aprovação dev­e­ria ser pre­ce­di­da por anális­es e dis­cussões exaus­ti­vas.

Não exis­tem, nem no próprio Sub­sti­tu­ti­vo, nem nos mate­ri­ais pre­vi­a­mente divul­ga­dos pelo Rela­tor ou pelo Grupo de Tra­bal­ho, infor­mações sufi­cientes sobre o alcance da refor­ma, o seu modo de imple­men­tação e efe­ti­vo fun­ciona­men­to, os impactos que ela oca­sion­ará para as con­tas públi­cas estad­u­ais e munic­i­pais, e efeitos que ela terá para a econo­mia. O que há são promes­sas de cresci­men­to econômi­co, sim­pli­fi­cação, ger­ação de emprego e novos pro­gra­mas soci­ais, sem que haja cor­re­lação necessária entre a refor­ma trib­utária e ess­es efeitos, nem pro­jeções trans­par­entes por meio das quais seja pos­sív­el ver­i­ficar a cor­reção do que se tem dito.

O fato, entre­tan­to, é que o poten­cial da refor­ma para romper com estru­turas de poder já esta­bi­lizadas há anos, por si só, supõe que todos os seg­men­tos da pop­u­lação brasileira rece­bam infor­mações detal­hadas, efetuem suas próprias anális­es e ten­ham dire­ito de se pro­nun­ciar e se faz­erem ouvi­das pelo con­jun­to dos 513 dep­uta­dos fed­erais que irão votar a pro­pos­ta. E tudo isso requer tem­po. Daí ser no mín­i­mo incon­ve­niente votar o Sub­sti­tu­ti­vo 14 dias após a sua apre­sen­tação.

Aliás, essa acel­er­ação é de val­i­dade duvi­dosa, na medi­da em que, no excep­cionalís­si­mo cam­po das mod­i­fi­cações con­sti­tu­cionais, o que legit­i­ma o ato é sobre­tu­do a for­ma com que ele é prat­i­ca­do. Isso impli­ca que o rito especí­fi­co a ser obser­va­do seja inter­pre­ta­do de modo estri­to, para evi­tar que, pouco a pouco, o rito de votação de PEC seja equipara­do à sim­ples edição de uma lei, o que inclui as dis­posições do Reg­i­men­to Inter­no da Câmara dos Dep­uta­dos sobre sua for­ma de trami­tação.

Nesse rito, exige-se que a PEC seja exam­i­na­da pela CCJ e, depois, aprova­da por Comis­são Espe­cial em até quarenta sessões (RICD, art. 202, §2º), para só então ser vota­da em Plenário.

No caso, a redação orig­i­nal da PEC 45 chegou a ser aprova­da pela CCJ, mas não pôde ser vota­da pela Comis­são Espe­cial no pra­zo de quarenta sessões, dev­i­do à COVID-19 e des­do­bra­men­tos. Em 2021, o Pres­i­dente da Câmara avo­cou a pro­pos­ta ao Plenário; e, neste ano, criou um grupo infor­mal (sem pre­visão reg­i­men­tal) para elab­o­ração do Sub­sti­tu­ti­vo recém apre­sen­ta­do, por inter­mé­dio do Rela­tor de Plenário, Dep. Fed. Aguinal­do Ribeiro.

Con­tu­do, o Sub­sti­tu­ti­vo nada tem a ver com o tex­to orig­i­nal da PEC 45, pois ele muda diver­sos pilares da pro­pos­ta ini­cial. Como o grupo infor­mal do qual ele provém não é com­pos­to segun­do a pro­por­cional­i­dade par­tidária, não pode o Sub­sti­tu­ti­vo ser remeti­do a Plenário sem que seja reavali­a­do pelas instân­cias inter­nas ofi­ci­ais da Câmara dos Dep­uta­dos, quais sejam: CCJ e Comis­são Espe­cial. Isso, mes­mo que a remes­sa decor­ra de “acor­do” com os líderes das ban­cadas, pois a von­tade destes não pode suprim­ir o dire­ito de cada um dos 513 dep­uta­dos de se inteirar da matéria e sobre ela se pro­nun­ciar, dire­ta­mente ou através de seus rep­re­sen­tantes nas Comis­sões.

Nesse sen­ti­do, a avo­cação da PEC a Plenário só é vál­i­da se for razoáv­el (necessária, ade­qua­da e pro­por­cional às cir­cun­stân­cias em que ocor­rer) e se não ger­ar pre­juí­zo à qual­i­dade do debate políti­co. Afi­nal, não existe pre­visão reg­i­men­tal para que o Plenário avoque uma PEC, tan­to que o próprio Pres­i­dente assi­nalou que apli­ca­va art. 52, § 6º, do reg­i­men­to, por analo­gia. Ora, não é razoáv­el lim­i­tar a pos­si­bil­i­dade de debates em matéria tão rel­e­vante à fal­ta de dis­pos­i­ti­vo legal expres­so que assim autor­ize, sobre­tu­do tratan­do-se de PEC.

5. Conclusão

Pelo expos­to, o Sub­sti­tu­ti­vo recém apre­sen­ta­do à PEC 45/2019:

  1. con­cen­tra o poder de insti­tuir tan­to a CBS quan­to o IBS na União, seja por lei ordinária, seja por lei com­ple­men­tar, enquan­to o que res­ta aos Esta­dos e Municí­pios são com­petên­cias instru­men­tais, já que eles não poderão dis­por sobre temas fun­da­men­tais, como fato ger­ador, base de cál­cu­lo, incen­tivos fis­cais etc. Por­tan­to, sua autono­mia ficará sub­stan­cial­mente reduzi­da (amesquin­ha­da), o que atrai a proibição con­ti­da no art. 60, §4º, da Con­sti­tu­ição.
  2. a supos­ta autono­mia dos entes sub­na­cionais para alter­ar as alíquo­tas de des­ti­no é for­mal, pois aumen­tos e diminuições alcançarão todas as oper­ações con­cluí­das em seu ter­ritório, o que, em caso de aumen­to, afe­tará a deman­da local (deslo­ca­men­to de con­sum­i­dores para locais viz­in­hos, com alíquo­tas menores), e, em caso de redução, poderá prej­u­dicar as con­tas públi­cas do ente;
  3. a estru­tu­ra de alíquo­tas pre­tendi­da é inad­e­qua­da, pois: (i) não per­mite cal­i­bração de alíquo­tas con­forme as car­ac­terís­ti­cas de cada item ou em situ­ações que a exi­jam; (ii) a alíquo­ta inter­mediária será, soz­in­ha, maior do que a alíquo­ta padrão de inúmeros País­es; (iii) itens como saúde, edu­cação e ces­ta bási­ca serão trib­u­ta­dos a por vol­ta de 14%, quan­do a práti­ca inter­na­cional é de incidên­cia a per­centu­ais muito menores; e (iv) isso provo­cará aumen­to despro­por­cional de car­ga trib­utária para inúmeros bens, serviços e setores;
  4. o Impos­to Sele­ti­vo requer ajustes de modo a ter o seu escopo bem definido pelo tex­to con­sti­tu­cional, a fim de que ele não se torne mais um sim­ples instru­men­to arreca­datório a serviço da União; e, por fim,
  5. o aço­da­men­to da apre­ci­ação do Sub­sti­tu­ti­vo em Plenário é incon­ve­niente e sus­ci­ta dúvi­das quan­to à sua reg­i­men­tal­i­dade;

Tudo a evi­den­ciar que o debate em torno da PEC 45 não se encon­tra maduro o sufi­ciente para que siga para votação, o que recla­ma tem­po, a fim de que se façam apro­fun­da­men­tos e de que a trami­tação seja fei­ta com a respon­s­abil­i­dade que o tema requer.

Pro­fes­sor Dr. Hamil­ton Dias de Souza,

Pro­fes­sor Dr. Hum­ber­to Ávi­la

Pro­fes­sor Dr. Ives Gan­dra da Sil­va Mar­tins

Pro­fes­sor Dr. Roque Car­raz­za

 

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[1] ATALIBA, Ger­al­do. Sis­tema con­sti­tu­cional trib­utário brasileiro. Revista dos Tri­bunais, 1968, p. 68 e ss.

[2] Ban­co Mundi­al. Doing Busi­ness – medin­do a reg­u­la­men­tação do ambi­ente de negó­cios (2020). In: https://portugues.doingbusiness.org.

[3] Insti­tu­to Brasileiro de Éti­ca Con­cor­ren­cial (ETCO) & Ern­stY­oung Inter­na­tion­al. Desafios do con­tencioso trib­utário brasileiro(nov/2019). In: https://www.etco.org.br.

[4] SOUZA, Hamil­ton Dias de & Szel­bracikows­ki, Daniel Cor­rêa. Teo­ria das Cortes Supe­ri­ores em matéria trib­utária é o que garante a segu­rança jurídi­ca. In: Estu­dos em Hom­e­nagem a Gilber­to Ulhôa Can­to. ABDF, 2020.

[5] MENDES, Gilmar Fer­reira; COELHO, Inocên­cio Már­tires & BRANCO, Paulo Gonet. Cur­so de Dire­ito Con­sti­tu­cional. 6ª Ed.

São Paulo: Sarai­va, 2011, pp. 117–150.

[6] SILVA, José Afon­so da. Comen­tário Con­tex­tu­al à Con­sti­tu­ição. 2ª Ed. São Paulo: Mal­heiros, 2006, pp. 439–446.

[7] BRITTO, Car­los Ayres. Teo­ria da Con­sti­tu­ição. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

[8] STF, RE 587008/SP, Rel. Min. Dias Tof­foli, Tri­bunal Pleno, DJ 02/02/2011.

[9] STF, ADI 2024/DF. Rel. Min. Sepúlve­da Per­tence, Plenário, DJ 22/06/2007.

[10] SILVA, Jose Afon­so da. Cur­so de Dire­ito Con­sti­tu­cional Positivo.36ª Ed. São Paulo: Mal­heiros, 2013. PP. 68–70.

[11] SILVA, José Afon­so da. Op. cit. ibid.

[12] DIAS DE SOUZA, Hamil­ton & FERRAZ JR., Tér­cio Sam­paio. Con­tribuições de Inter­venção no Domínio Econômi­co e a Fed­er­ação. In: Pesquisas Trib­utárias (nova série) n. 8. São Paulo: Revista dos Tri­bunais / Cen­tro de Exten­são Uni­ver­sitária, 2002, pp. 58–106.

[13] MENDES, Gilmar Fer­reira. Op. cit. PP. 143–144.

[14] SALDANHA, Nel­son; REIS, Pal­hares Mor­eira; HORTA, Raul Macha­do. For­mas simétri­ca e assimétri­ca do fed­er­al­is­mo no esta­do mod­er­no. In: Estu­dos jurídi­cos, políti­cos e soci­ais em hom­e­nagem a Glau­cio Veiga. Curiti­ba: Juruá, 2000. p. 260;  15 STF, ADI 2024-DF, Rela­tor Sepúlve­da Per­tence, Tri­bunal Pleno, j. 03.05.2007, DJ 21.06.2007.

[15] STF, RE 591.033, Rela­to­ra Min­is­tra Ellen Gra­cie, Tri­bunal Pleno, j. 17.11.2010, DJ 24.02.2011.

[16] STF, ADI 4228- DF, Rela­tor Min­istro Alexan­dre de Moraes, Tri­bunal Pleno, j. 01.08.2018, DJ 10.08.2018.

[17] STF, ADI-MC 926–5, voto do Min­istro Car­los Vel­loso, Tri­bunal Pleno, j. 1º/9/93, DJ 6/5/94.

[18] DIAS DE SOUZA, Hamil­ton. Con­tribuições de inter­venção no domínio econômi­co. São Paulo: IOB, 2001, p 19.  20 DIAS DE SOUZA, Hamil­ton. Con­tribuições, medi­das pro­visórias e refor­ma trib­utária. In: R.I.N., n. 20/13.

[19] Voto do Min. Gilmar Mendes na ADO 25-DF, STF-Pleno, DJ 12/08/17.

[20] voto do Min. Cel­so de Mel­lo na ADI 1374, STF-Pleno, DJ 17/10/18.

[21] Ernst & Young Inter­na­tion­al. World­wide VAT, GST and Sales Tax Guide 2019. Vejam-se, por exem­p­lo, os seguintes país­es: Áus­tria, Ale­man­ha, Bél­gi­ca, Espan­ha, França e Itália.

[22] OECD. Con­sump­tion tax trends 2018. P. 66 e ss.

[23] África do Sul. Val­ue-Added Tax Act (Law n. 89/1991).

[24] Ernst & Young Inter­na­tion­al. World­wide VAT, GST and Sales Tax Guide 2019. PP. 975 e ss.

[25] CHARLET, Alain & OWENS, Jef­frey. An Inter­na­tion­al Per­spec­tive on VAT (2010). Tax Notes Inter­na­tion­al, 59(12). PP.  943945. Ver tam­bém o Relatório do Davis Tax Com­mit­tee, inti­t­u­la­do “First Inter­im Report on VAT to the Min­is­ter of Finance (2014). P. 75.

[26] GENDRON, Pierre-Pas­cal. Pol­i­cy forum: Canada’s GST and Finan­cial Ser­vices – Where are we now and where could we be? In: Cana­di­an Tax Jour­nal, 64:2 (2016). PP. 401–16.

[27] Gov­er­no da Índia. GST – con­cept and sta­tus. Relatório ofi­cial do Comitê de Trib­u­tos Indi­re­tos e Adu­aneiros, da Recei­ta Fed­er­al / Min­istério das Finanças da Índia. Abril/2019.

[28] Ernst & Young Inter­na­tion­al. World­wide VAT, GST and Sales Tax Guide 2019.

[29] OECD Eco­nom­ic Sur­veys – Japan (apr/2019). In: www.oecd.org/eco/surveys/economic-survey-japan.htm..

[30] Faixas de alíquo­tas nos país­es cita­dos: UE/Alemanha (19%, 7% e 0%), Canadá (15%/13% e 0%), África do Sul (15% e 0%) e Japão (10%, 8% e 0%), con­forme dados da Ernst&Young e da OCDE, cita­dos aci­ma.

[31] SINGLETON, John. An Eco­nom­ic His­to­ry of New Zealand in the Nine­teenth and Twen­ti­eth Cen­turies. In: Eco­nom­ic His­to­ry (feb/2010). Disponív­el em http://eh.net/encyclopedia/article/Singleton.NZ. Aces­so em 17/10/2012.

[32] Inland Rev­enue Depart­ment (New Zealand). GST — Back­ground Paper for Ses­sion 2 of the Tax Work­ing Group (feb/2018).. 35 Ernst Young. “World­wide VAT, GST and Sales Tax Guide”, 2022. In: ey.com.

[33] Insti­tu­to Atlân­ti­co. Pro­pos­ta Atlân­ti­co comen­ta­da e com­para­da às PECs 45 e 110. In: atlântico.org.br.

[34] Ernst Young. “World­wide VAT, GST and Sales Tax Guide”, 2022. In: ey.com.

[35] PWC. Wol­rd­wide tax sumaries online. In: taxsummaries.pwc.com.

[36] As pro­jeções de aumen­to de car­ga trib­utária da CNS con­sid­er­avam uma alíquo­ta de 12% para a CBS, ape­nas. Nesse sen­ti­do, mes­mo com a alíquo­ta, as con­clusões daque­le estu­do se man­têm.

[37] Tesouro Nacional, Bole­tim – Esti­ma­ti­va da Car­ga Trib­utária do Gov­er­no Ger­al, março/2023.