O Insti­tu­to Novos Par­a­dig­mas e sua Revista Democ­ra­cia e Dire­itos Fun­da­men­tais, a Fun­dação José Sara­m­a­go, com o apoio da Asso­ci­ação 25 de Abril e do per­iódi­co A Ter­ra é Redon­da, e patrocínio da Open Soci­ety Foun­da­tions, reuni­ram int­elec­tu­ais e ativis­tas europeus e lati­no-amer­i­canos, em Lis­boa, para cel­e­brar o mar­co históri­co-cul­tur­al da Rev­olução dos Cravos e debater os des­ti­nos da democ­ra­cia con­tem­porânea e a neces­si­dade de a reconec­tar com a luta pelos dire­itos soci­ais.

Como resul­ta­do dos debates, foi redigi­da, aprova­da e pub­li­ca­da a Car­ta de Lis­boa, doc­u­men­to políti­co-poéti­co de con­vo­cação à per­manên­cia da luta pela con­strução da con­vivên­cia pau­ta­da pela paz, far­tu­ra e esper­ança de todos os habi­tantes do plan­e­ta, pal­co e agente de con­sti­tu­ição de um novo mun­do.

Tar­so Gen­ro expli­cou ao Jor­nal por­tuguês Diário de Notí­cias, a for­matação do encon­tro, seu desen­ro­lar e obje­tivos.

Leia a entre­vista que con­cedeu ao Dário, aqui, e a Car­ta, a seguir.

 

Carta de Lisboa

HONRAR A HERANÇA DO 25 DE ABRIL DAS ESQUERDAS E DOS PROGRESSISMOS PARA CONSTRUIR UM MUNDO DE JUSTIÇA E LIBERDADE

O 25 de abril de 1974 é um mar­co históri­co que tran­scende as fron­teiras de Por­tu­gal. A Rev­olução dos Cravos irra­diou um lega­do uni­ver­sal de luta pela democ­ra­cia e pelos dire­itos soci­ais. Este movi­men­to, que cul­mi­nou no fim de uma ditadu­ra de 48 anos, rep­re­sen­ta um tri­un­fo da von­tade pop­u­lar sobre a tira­nia, da democ­ra­cia sobre o fas­cis­mo, dos dire­itos sobre a opressão, da lib­er­tação nacional sobre o colo­nial­is­mo. Os cravos, sím­bo­lo dessa rev­olução, colo­ca­dos nos canos dos fuzis dos sol­da­dos, sinalizaram a rejeição à vio­lên­cia e um com­pro­mis­so com a paz. Esta imagem ressoou glob­al­mente, inspi­ran­do movi­men­tos democráti­cos ao redor do mun­do. O lega­do da Rev­olução de Abril está fun­da­do na defe­sa intran­si­gente da liber­dade, da igual­dade e da justiça social. A rev­olução não ape­nas der­rubou um regime autoritário, mas tam­bém lançou as bases para a con­strução de um Esta­do democráti­co, onde os dire­itos humanos têm um lugar cen­tral, sendo respeita­dos e pro­movi­dos. Os dire­itos fun­da­men­tais, como edu­cação, saúde, habitação e tra­bal­ho foram ele­va­dos a pri­or­i­dades nacionais, refletindo um com­pro­mis­so com a dig­nidade humana que serve de exem­p­lo uni­ver­sal. Entre os lega­dos de abril, estão a lib­er­tação nacional dos povos oprim­i­dos pelo colo­nial­is­mo assum­i­da como tare­fa do novo Esta­do e dos seus novos gov­er­nos; a con­sti­tu­ição antifascista, democráti­ca e respeitosa dos dire­itos das mul­heres que emergiu do proces­so con­sti­tu­inte rev­olu­cionário; a inte­gração do país na comu­nidade europeia que deu sus­ten­tação à democ­ra­cia social e políti­ca ali instau­ra­da, em que pese a vitória, até o pre­sente, da “Europa do Cap­i­tal” sobre o ide­al da Europa social. Rev­oluções não mor­rem, mas se trans­for­mam. Abril sub­lin­ha a importân­cia da memória como pilar essen­cial da democ­ra­cia. A rev­olução nasceu do dese­jo de paz, de pôr fim a uma guer­ra colo­nial que matou mil­hares de pes­soas de todas as frentes e lados. A mobi­liza­ção pop­u­lar que car­ac­ter­i­zou a Rev­olução dos Cravos é um aler­ta perene às esquer­das e aos pro­gres­sis­mos de que a democ­ra­cia não é um dado adquiri­do, mas uma con­quista con­tínua que requer vig­ilân­cia, ação con­stante e lin­guagem ino­vado­ra, incluin­do as especi­fi­ci­dades do ambi­ente dig­i­tal e seu poten­cial de livre cir­cu­lação de men­ti­ras fab­ri­cadas. Essa dis­pu­ta deve se realizar a par­tir de ideias práti­cas ren­o­vadas e ini­cia­ti­vas de reg­u­lação. Diante das ameaças que o plan­e­ta e a humanidade vivem – em par­tic­u­lar o pesade­lo do for­t­alec­i­men­to das ideias de extrema-dire­i­ta nas últi­mas décadas, as mudanças climáti­cas pro­duzi­das pelo sis­tema do cap­i­tal e as incertezas ger­adas pela influên­cia das redes soci­ais nas for­mas de socia­bil­i­dade – o lega­do de abril nos moti­va a enfrentar ess­es desafios com cor­agem, tol­erân­cia e a imag­i­nação para son­har e con­stru­ir um mun­do mel­hor. As con­quis­tas e a democ­ra­cia que o povo con­stru­iu não serão destruí­das pelas difer­entes for­mas de opressão repro­duzi­das pelo neolib­er­al­is­mo. A memória de abril deve reforçar o com­pro­mis­so de pro­mover os dire­itos fun­da­men­tais, cujas sementes a rev­olução por­tugue­sa espal­hou ao mun­do feito ale­crim, sejam garan­ti­dos a todo o plan­e­ta. A democ­ra­cia que con­struí­mos e que quer­e­mos apro­fun­dar não se restringe aos proces­sos eleitorais. Tra­ta-se de recon­hecer que democ­ra­cia deve estar asso­ci­a­da à garan­tia dos dire­itos. Garan­tir segu­rança, ali­men­tação, edu­cação, habitação, tra­bal­ho, democ­ra­ti­za­ção dos meios de comu­ni­cação. Deve vin­cu­lar-se à elim­i­nação do racis­mo e de qual­quer for­ma de seg­re­gação. Ao acol­hi­men­to solidário e jus­to dos tra­bal­hadores inde­pen­dente de sua origem, da tol­erân­cia reli­giosa, da igual­dade rad­i­cal entre gêneros, recon­hecen­do fem­i­nis­mos, pois cabe às mul­heres ger­ar vida e cuida­do no mun­do. Nos reuni­mos na casa das memórias e das ideias de José Sara­m­a­go. E é sobre a influên­cia e os val­ores do lega­do de abril que nos colo­camos o desafio de con­stru­ir um novo mun­do, de paz, far­tu­ra e esper­ança. Avance­mos na luta pelos ideais de um out­ro mun­do pos­sív­el.