Uma artic­u­lação da liber­dade de impren­sa e da fis­cal­iza­ção do Poder Judi­ciário, na óti­ca de dois espe­cial­is­tas em dire­ito e comu­ni­cação.

A CENSURA E O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O. Don­ni­ni* e R. Don­ni­ni**

Se pudesse decidir se deve­mos ter um gov­er­no sem jor­nais ou jor­nais sem gov­er­no, eu não vac­ilar­ia um instante em preferir o últi­mo.”(Thomas Jef­fer­son)

 

A Con­sti­tu­ição Fed­er­al asse­gu­ra a liber­dade de expressão da ativi­dade int­elec­tu­al, artís­ti­ca, cien­tí­fi­ca e de comu­ni­cação, sem qual­quer cen­sura ou licença (art. 5º, IX). Tra­ta-se de um dire­ito fun­da­men­tal. A liber­dade de expressão e infor­mação advém da livre man­i­fes­tação do pen­sa­men­to (CF, art. 5º, IV). Esta, por si só, teria pou­ca importân­cia se não estivesse dire­ta­mente rela­ciona­da à pos­si­bil­i­dade de uma pes­soa expres­sar, de man­i­fes­tar, conc­re­ta­mente, suas ideias. O inciso XIV do art. 5º de nos­sa Lei Maior asse­gu­ra a todos o aces­so à infor­mação e pro­tege o sig­i­lo da fonte, quan­do indis­pen­sáv­el ao exer­cí­cio profis­sion­al.

Ao tratar da comu­ni­cação social nos arts. 220/224, nos­so tex­to con­sti­tu­cional reforça ain­da mais a liber­dade de expressão, ao esta­b­ele­cer, no art. 220 o que segue: “A man­i­fes­tação do pen­sa­men­to, a cri­ação, a expressão e a infor­mação, sob qual­quer for­ma, proces­so ou veícu­lo não sofr­erão qual­quer restrição, obser­va­do o dis­pos­to nes­ta Con­sti­tu­ição.” No § 1º desse dis­pos­i­ti­vo está pre­vis­to que: “Nen­hu­ma lei con­terá dis­pos­i­ti­vo que pos­sa con­sti­tuir embaraço à ple­na liber­dade de infor­mação jor­nalís­ti­ca em qual­quer veícu­lo de comu­ni­cação social, obser­va­do o dis­pos­to no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”. No § 2º desse mes­mo dis­pos­i­ti­vo é veda­da toda e qual­quer for­ma de cen­sura, seja ela políti­ca, ide­ológ­i­ca ou artís­ti­ca.

Por­tan­to, a liber­dade de expressão e de infor­mação é um dire­ito fun­da­men­tal, fac­ul­ta­da a qual­quer pes­soa a livre man­i­fes­tação do pen­sa­men­to, opiniões e ideias, por inter­mé­dio de escritos, imagem, palavra ou eletron­i­ca­mente, bem como o dire­ito de infor­mar ou rece­ber infor­mações. Nas sociedades democráti­cas essa garan­tia tem sido con­stante, vis­to que inex­iste democ­ra­cia sem a liber­dade de expressão e infor­mação. A liber­dade de impren­sa, assim, é ple­na, nos exatos ter­mos da Con­sti­tu­ição Fed­er­al, o que sig­nifi­ca diz­er que é ina­ceitáv­el qual­quer for­ma de cen­sura (DONNINI, Odu­val­do e DONNINI, Rogério. Impren­sa livre, dano moral, danos à imagem, e sua quan­tifi­cação à luz do novo Códi­go Civ­il, Edi­to­ra Méto­do, 2002, p. 39).

O Poder Judi­ciário, por sua vez, ao exercer a ativi­dade juris­di­cional, real­iza o con­t­role da legal­i­dade, dizen­do, des­de que haja provo­cação de um inter­es­sa­do, o dire­ito, segun­do as nor­mas de dire­ito mate­r­i­al (Códi­gos Civ­il e Penal) e proces­su­al (Códi­gos de Proces­so Civ­il e Penal), poden­do restringir ou proibir deter­mi­na­dos atos abu­sivos prat­i­ca­dos, solu­cio­nan­do, dessa for­ma, o con­fli­to de inter­ess­es. Ao decidir, por exem­p­lo, pela proibição de veic­u­lação de men­sagem com dis­crim­i­nação étni­ca não está o Poder Judi­ciário exercendo qual­quer for­ma de cen­sura, mas ape­nas cumprindo sua ativi­dade juris­di­cional, vis­to que cen­sura e decisão judi­cial são incon­fundíveis. Da mes­ma for­ma, em haven­do uma infor­mação fal­sa, que cause danos à hon­ra de qual­quer pes­soa, pode a víti­ma requer­er uma ind­eniza­ção ou mes­mo pleit­ear, na esfera crim­i­nal, a con­de­nação do agres­sor por calú­nia, injúria ou difamação.

Emb­o­ra faça parte da ativi­dade juris­di­cional, é incabív­el, ina­ceitáv­el que o Poder Judi­ciário (e muito menos o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al, que dev­e­ria velar pela Con­sti­tu­ição) impeça a livre cir­cu­lação de infor­mações, mes­mo que inverídi­cas. Não cabe a esse Poder diz­er o que é a ver­dade, mas ape­nas diz­er o dire­ito, des­de que provo­ca­do (medi­ante ação judi­cial ou denún­cia do Min­istério Públi­co). Como dis­se­mos, não há no tex­to con­sti­tu­cional a pos­si­bil­i­dade de cen­sura, mes­mo porque esse ato fere não ape­nas os já cita­dos arti­gos, mas o que é muito mais grave: o Esta­do Democráti­co de Dire­ito. Sem a livre man­i­fes­tação do pen­sa­men­to, par­o­dian­do Thomas Jef­fer­son, seria mel­hor não exi­s­tir o Esta­do.

* Jor­nal­ista, advo­ga­do e espe­cial­ista em Dire­ito Munic­i­pal pela USP

** Advo­ga­do. Acadêmi­co Tit­u­lar da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito.

São autores de Impren­sa livre, dano moral, danos à imagem, e sua quan­tifi­cação à luz do novo Códi­go Civ­il, Edi­to­ra Méto­do, 2002.