Em Nota sobre a situação da Terra Yanomani, publicada em 23 de janeiro de 2023, o Ministério Público Federal, por sua Sexta Câmara de Coordenação e Revisão — Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais, relata as medidas que vem adotando desde 2019, bem como a precariedade e a provisoriedade daquelas adotadas pelo anterior Governo brasileiro, responsável pela situação grave sanitária em que se encontram os povos habitantes desse território.
Leia, a seguir, a íntegra da Nota:
“PGR-00022463/2023
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA
6a CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO POPULAÇÕES INDÍGENAS E COMUNIDADES TRADICIONAIS
1. O Ministério Público Federal — ante as recentes notícias acerca do agravamento da situação de saúde, segurança alimentar e intrusão do território tradicional sofridas pelo povo Yanomami — vem a público informar sua atuação judicial e extrajudicial na busca de soluções efetivas para a proteção deste povo e dos demais que habitam o mesmo território. Destaca também o firme compromisso da instituição de continuar atuando – de forma célere e diligente, em todas as esferas e em cumprimento à sua missão constitucional – para coibir as atividades ilegais de garimpo e outros ilícitos em terras indígenas, para a retirada de invasores nas Terras Indígenas Yanomami e de outros povos, como Munduruku e Kayapó, bem como para o fortalecimento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).
2. A Procuradoria da República em Roraima, em conjunto com a Procuradoria da República do Amazonas, editou a Recomendação nº 1/2021/MPF/AM/RR em 11 de novembro de 2021, orientando a reestruturação da assistência básica de saúde prestada aos povos da Terra Indígena Yanomami (TIY). O MPF recomendou à Sesai e ao DSEI Yanomami a reformulação de seu planejamento institucional, a contratação de mais profissionais de saúde para as áreas estratégicas e o desenvolvimento de planos de ação para os principais agravos de saúde verificados na TIY, com foco especial para o combate às causas de mortalidade infantil, malária e subnutrição.
3. Ainda, em novembro de 2022, a Procuradoria da República em Roraima expediu a Recomendação n. 23/2022 ao Ministro de Estado da Saúde e ao Secretário Especial de Saúde Indígena (Sesai), informando a constatação de deficiências na prestação do serviço de saúde ao povo Yanomami, que vinham sendo apuradas pelas Procuradorias da República de Roraima e Amazonas desde 2020. A recomendação registra que o MPF acompanhava a evolução do investimento público na saúde Yanomami e os indicadores epidemiológicos e nutricionais do DSEI-Yanomami, com ênfase na alta incidência de malária, mortalidade e desnutrição infantil. O texto destaca ainda que ‘à vista das reiteradas notícias de desabastecimento dos estoques de medicamentos, o MPF promoveu aos 29 de julho de 2022inspeção in loco da Central de Abastecimento Farmacêutico (CAF) do DSEI Yanomami e constatou, entre outros achados, que a empresa contratada para fornecer o vermífugo albendazol entregou o fármaco em quantitativo bastante inferior ao que constava em nota fiscal.’
4. Em face das reiteradas notícias de desabastecimento dos estoques de medicamentos, foi instaurado também o Inquérito Civil n.º 1.32.000.000700/2022–59 pela Procuradoria da República em Roraima, para aprofundamento das investigações. Tal apuração identificou graves irregularidades no recebimento, cadastramento e distribuição de fármacos contratados, resultando no desabastecimento farmacêutico generalizado das unidades de saúde da TI Yanomami.
5. De outro lado, em apoio aos procuradores naturais, a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF buscou promover a articulação dos diversos órgãos afetos à questão no sentido de implementação das Bases de Proteção Etnoambiental (BAPES), bem como de outras medidas necessárias à proteção dos povos Yanomami, Yekuana e outros em situação de isolamento voluntário que habitam a TI Yanomami. Em novembro de 2019, a 6ªCCR realizou diligências na TI Yanomami e em Boa Vista que incluíram reuniões com a Funai, Polícia Federal, Sesai, Exército e lideranças indígenas, no intuito de unificar a atuação dos órgãos federais e emitir relatório com encaminhamentos para ampliar a repressão ao garimpo ilegal e para garantir melhorias no atendimento de saúde das comunidades.
6. Além dos danos à saúde e segurança alimentar aos povos Yanomami e Ye’kuana, a atividade garimpeira ameaça povos em situação de isolamento que também habitam a TI Yanomami. Em 2019, o MPF, por meio da Procuradoria da República em Roraima, ajuizou ação de cumprimento de sentença visando a instalação de três BAPES da Funai em pontos estratégicos da Terra Indígena Yanomami, com vistas à asfixia logística do garimpo, conforme decisão em ação civil pública (ACP) ajuizada em 2017.
7. Não obstante os esforços empreendidos, as providências adotadas pelo Governo Federal foram limitadas. Por isso, em 2020, foi ajuizada nova ação civil pública (ACP 1001973–17.2020.4.01.4200) que teve como objeto a condenação da União, da Funai, do Ibama e do ICMBio em obrigação de fazer consistente em apresentar plano emergencial de ações e respectivo cronograma, para monitoramento territorial efetivo da Terra Indígena Yanomami, combate a ilícitos ambientais e extrusão de infratores ambientais (principalmente garimpeiros), no contexto da pandemia de covid-19. Foi deferida liminar pelo TRF 1ª Região.
8. A extrusão de garimpeiros e a proteção territorial da TI Yanomami é também objeto da Arguição Descumprimento de Preceito Fundamental n. 709, ajuizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, e na qual a 6ªCCR atua perante o Supremo Tribunal Federal por designação do Procurador-Geral da República. Em atendimento a determinação do Ministro Relator Luís Roberto Barroso, o MPF apresentou em duas oportunidades manifestações acerca das ações governamentais destinadas à retirada dos invasores da TI Yanomami. Na primeira, o MPF afirmou serem as ações de combate aos ilícitos de notável incompletude, possuindo efeitos localizados e temporários, que não se mostram suficientes para promover o isolamento e a contenção de invasores. Na segunda, em dezembro de 2022, o MPF constata, de forma inequívoca, o não atingimento dos objetivos fixados, seja no Plano Operacional de Atuação Integrada – Terra Indígena Yanomami, seja no Plano Operacional 7 TIs, assim como alerta para o descumprimento de ordens judiciais expedidas no curso de ações em trâmite no âmbito do STF, do TRF‑1 e da Justiça Federal de Roraima.
9. Importante ainda ressaltar que, em 15 de novembro de 2022, a 6CCR encaminhou, a pedido de procuradores da República em Roraima, ofício ao então Vice– Presidente eleito e coordenador da Equipe de Transição de Governo, Geraldo Alckmin, informando acerca do cenário calamitoso verificado na TI Yanomami, o qual configuraria verdadeira tragédia humanitária e indicaria um processo em curso que, caso não imediatamente freado por ações concretas do Estado brasileiro, poderá caracterizar hipótese de genocídio, inclusive passível, em tese, de responsabilização internacional do Estado brasileiro. Foi também solicitado à equipe de transição que as ações necessárias à efetivação da desintrusão da Terra Indígena Yanomami fossem consideradas, priorizadas e integrassem o planejamento das ações governamentais.
10. Ante os graves danos causados pela atividade garimpeira na TI Yanomami e em outras terras indígenas faz-se necessário alertar para a tramitação do projeto de lei que objetiva legalizar a exploração mineral e de recursos hídricos nas terras indígenas (PL-1919/2020). Em Nota Técnica de junho de 2020, a 6a CCR manifestou-se pela inconstitucionalidade e inconvencionalidade do projeto de lei em questão. Esse entendimento foi reiterado em Nota Pública em junho de 2021 e em março de 2022, quando também instouse o Poder Executivo, por meio da Funai, do Ibama, da Polícia Federal e do Ministério da Defesa, a adotar todas as providências necessárias para coibir a mineração e o garimpo ilegal em terras indígenas.
11. No entendimento do Ministério Público Federal a grave situação de saúde e segurança alimentar sofrida pelo povo Yanomami, entre outros, resulta da omissão do Estado brasileiro em assegurar a proteção de suas terras. Com efeito, nos últimos anos verificou-se o crescimento alarmante do número de garimpeiros dentro da TI Yanomami, estimado em mais de 20 mil pela Hutukara Associação Yanomami.
Brasília, 23 de janeiro de 2023.
ELIANA PERES TORELLY DE CARVALHO
Subprocuradora-Geral da República
Coordenadora da 6ª CCR/MPF
ANA BORGES COÊLHO SANTOS
Subprocuradora-Geral da República
Membro da 6ª CCR/MPF
FRANCISCO XAVIER PINHEIRO FILHO
Subprocurador-Geral da República
Membro da 6ª CCR/MPF
ALISSON MARUGAL
Procurador da República”