Em homenagem comovente a seu pai — o saudoso Ministro Sepúlveda Pertence, exemplo transcendente de ética e verdadeira vocação jurídica —, o advogado e professor Evandro Pertence, fundador do Instituto Victor Nunes Leal, conta um pouco da relação marcante que teve com ele e com outros brasileiros e brasileiras ilustres que, em seu caráter generoso, pleno de saber jurídico e de sentimento de solidariedade e amizade, o Ministro soube manter a seu redor.
Evandro Pertence foi membro da Comissão de Prerrogativas do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Vice-Presidente da Comissão de Defesa de Prerrogativas e Valorização da Advocacia, além de Desembargador do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. É pós-graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual — IBDP, e em Direito Econômico e das Empresas pela Fundação Getúlio Vargas — FGV.
“Meu pai, sem dúvida alguma, foi o homem mais marcante e admirável de toda a minha vida. Não só por ele, mas também pelas pessoas maravilhosas que trouxe à minha vida, e me ensinou a admirar independente de divergências ou convergências.
Tudo isso sem o desmerecer. Ele foi, em si, fantástico e extraordinário.
Com minha mãe, meu pai me ensinou o real significado do amor ao próximo. Me ensinou a viver a vida com gentileza, carinho, honestidade — inclusive a intelectual —, desprendimento material e comprometimento moral.
Meu pai — e nisso será imbatível — foi meu melhor amigo e o maior exemplo de amigo que conheci. Meu pai sempre foi sábio, e nunca prepotente.
Meu pai sempre se dedicou a saber das coisas, a escutar, a estudar, antes de dizer qualquer coisa; e nisso foi um craque. Eu falo pelos cotovelos, mas ainda estou aprendendo.
Meu pai me ensinou que viver em sociedade é respeitar as instituições, é entender que leis e regras, que cargos e encargos, são feitos para a convivência humana, pacífica. Que todos podem divergir, mas que em momentos em que a força prepondera, nosso lugar é do outro lado das metralhadoras.
Meu pai me ensinou que a fortuna é o que conquistamos e o que a vida nos dá. Mas que a vida é sempre maior que a fortuna, e o que vale na vida é o que a gente faz com ela. Que riqueza é meio, não fim. Que o que importa é realizar aquilo que acreditamos, o que somos. Não o que temos.
Não que meu pai tenha sido displicente em cuidar de dar condições aos filhos e netos. Meu pai nunca foi displicente com nenhuma das nossas necessidades, e até o fim da vida se preocupou, e muito, com a nossa condição e com como nos deixaria. Mas o que ele nos legou de mais importante foi o exemplo. E a responsabilidade de honrar o nome que ele nos deixou.
Meu pai está certamente entre os maiores humanistas que eu conheci.
Meu pai nunca diferenciou pessoas por status ou posições de poder. De Presidentes da República ao menino que o interpelou à porta de um aeroporto, no Rio, e lhe mendigou um dólar — ao que ele respondeu, “Ih, globarizaram o menino — , meu pai sempre tratou a todos com a mesma delicadeza, e destemor. Foi por vezes admiravelmente rabugento com pequenas e grandes coisas. Mas sempre apaixonantemente carinhoso. Se me esforçar, certamente vou achar um ou outro inimigo que apareceram em sua vida; nenhum que tenha reservas ao homem, mas só os que transformaram em ódio divergências políticas ou ideológicas. E nenhum que mereça ser referido.
Meu pai sempre defendeu o que pensava, mas nunca impôs sua posição, nem deixou de respeitar posições contrárias.
Meu pai me ensinou que a vida pública é pública. Não privada. É para a coletividade e para a construção de instituições que permitam a convivência entre divergentes.
Não que isso tenha o significado de abdicar do compromisso pessoal com o exercício do poder. E meu pai viveu o poder intensamente, e teve honestidade, competência e dignidade de se entregar e ao cargo àquilo que acreditava, sem nunca ter ultrapassado os limites morais, legais e constitucionais de suas atribuições.
Meu pai foi um grande cidadão do mundo, um grande brasileiro e um mineiro brasiliense apaixonado.
Por falar nisso, meu pai foi um grande atleticano, assim como eu e meus filhos o somos. E é por isso que, como ele continua por aí, podem ter certeza que o fato de ele ter ido, não significa que não vá mais sofrer. A gente, os atleticanos, torcemos contra o vento. Mas se não for sofrido, não é Galo. Podem ter certeza de que, em todos os jogos do Galo, meu pai vai estar sentado ao meu lado, torcendo, vibrando, curtindo e reclamando. Ele, como eu, sempre gostou de jogo bonito, bem jogado. Por isso, como Darcy Ribeiro, nos orgulhamos de alguns de nossos fracassos. Mas, nesses, nunca gostaríamos de estar entre os vencedores.
Meu pai é meu Norte. E o Norte de toda a minha família. E, se também tiver sido o Norte de qualquer um de vocês, não se preocupem. O Norte continua no mesmo lugar.
Neste momento, imagino que esteja descansando; seja pelas agruras da passagem, seja pela festa de aniversário da mamãe no dia 3 de julho, quando foi sepultado. Certamente lá estiveram seus pais, seu irmão, minha mãe, Modesto Justino de Oliveira, Victor Nunes Leal e Gildinha, Evandro Lins e Silva, José Aparecido de Oliveira, SigBão, Luís Carlos Sigmaringa, Vera Brant, Juscelino Kubischeck, Darcy Ribeiro, Oscar Niemeyer, Fernado Brant, Tom Jobim, Hélio Saboya, Tetê, Octávio Lobo, Bento Ribeiro, Alysson Mitraud, Jorjão Ferreira, José Gerardo Grossi, D’Allembert Jacout, Evaristo e Renato de Moraes, meu tio Jadir, minha avó materna e meus outros tios que já se foram; e tantas outras gentes queridas, tantos outros incontáveis amigos queridos, que, só por isso, me é impossível nominar a todos.
E assim, meu pai seguiu para as suas novas aventuras. Ainda vai descansar mais um pouco. Mas já, já, vai estar em todos nós. Não como tristeza, mas como exemplo; fazendo com que a gente, também, faça muita diferença nesse mundo.
E já, já — eu garanto —, em carne ou em espírito — nós, Pertences, não somos dados a dogmas ou certezas —, vai estar entre nós aprontando das suas tão divertidas, elegantes e sagazes galhardias. E lutando, com todas as suas forças, por um mundo mais justo.
Viva o meu paizinho! Viva o nosso Buana! Viva o nosso Maestro Soberano! (Punhos em riste, à la Rei, Reinaldo, gesto Black Power do maior artilheiro do Galo de todos os tempos)
Obrigado Frei Vicente! Meu pai nunca foi tão bem recebido na Casa de Deus.
Obrigado a todos pelo carinho.”