A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo realiza, nas próximas quinta e sexta-feiras, dias 25 e 26 de abril de 2024, o Simpósio em Homenagem ao Professor Miguel Reale Jr., em comemoração de seus oitenta anos, uma vida dedicada ao ensino e à advocacia, com contribuições fundamentais para o caráter civilizatório do direito e da justiça, em nosso País.
Dentre tais contribuições estão a Parte Geral do Código Penal Brasileiro e a Lei de Execuções Penais, que completam quarenta anos.
Miguel Reale Jr. foi Professor Titular de Direito Penal da Universidade de São Paul, Ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso, Secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, no governo Franco Montoro, e Secretário da Administração e Modernização do Serviço Público do Estado de São Paulo, no governo Mario Covas.
Formou-se em direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, instituição na qual obteve seus títulos de Mestre, Doutor e Livre-Docente, É autor de extensa obra jurídica, consistente não apenas em livros de importância crucial para a formação jurídica, e artigos publicados no Brasil e no exterior, mas também de aulas, conferências, pesquisas, estudos e ante-projetos de lei, além de instrumentos de realização de políticas públicas.
É Acadêmico Emérito da Academia Paulista de Direito, membro da Real Academia de Jurisprudência y Legislacion de Madri, Espanha, e membro honorário da cadeira nº 2 da Academia Paulista de Letras.
Foi conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, presidente do Conselho Federal de Entorpecentes, órgão ligado ao Ministério da Justiça.
Na vida política, demonstrou não apenas espírito público exemplar, mas também deu exemplo de coerência e fidelidade a princípios políticos consagrados no rol de valores e direitos estabelecidos pela Constituição Cidadã.
Foi presidente da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos durante a Ditadura Civil-Militar, instituída em 1995, instituída pelo governo Fernando Henrique Cardoso.
A homenagem terá por objeto não apenas o debate sobre as contribuições de Miguel Reale Jr, dentre as quais, especialmente, a Parte Geral do Código Penal e a Lei de Execuções Penais.
No dia 25, a partir das 18 horas, haverá a abertura pelo pela da Diretoria da FD.USP, que têm, como Acadêmicos Titulares da Academia Paulista de Direito, o Diretor, Celso Campilongo e a Vice-Diretora Ana Elisa Bechara, seguida da saudação do ex-Ministro José Carlos Dias.
Completa a programação do primeiro dia o painel Política criminal: respostas ao crime organizado. Dentro e fora do sistema penal, sendo painelistas Antônio Sérgio Pitombo; Helena Lobo da Costa, Mário Sarrubbo, Maurício Campos e Theodomiro Dias Neto.
No segundo dia, a partir das 08:30 horas, os trabalhos serão abertos por Marina Coelho Araújo, e seguirão com os painéis Sistema penal. Aplicação e execução de penas. Efetividade ou reformulação, com a participação de Ângelo Ilha, Mariângela Magalhães, Sebastião Reis e Tatiana Stocco; e Direito Penal Negocial. Falência da dogmática?, com Alexandre Wunderlich, Luciano Anderson de Souza, Marta Saad e Renato Silveira. No final, a homenagem Miguel Reale Jr. — o ontem, o hoje e o amanhã; e a saudação final de Oscar Vilhena Vieira.
A Academia Paulista de Direito une-se a essa merecida celebração da obra e da presença de uma dos maiores juristas brasileiros e estará representada pelo seu Presidente e Titular da Cadeira San Tiago Dantas, Alfredo Attié.
Leia, a seguir, trecho de entrevista concedida por Miguel Reale Jr. ao jornalista Gabriel Manzano de O Estado de S.Paulo.
“Mergulhado por cinco ou seis décadas no mundo do direito e das leis, quais foram as experiências marcantes, para o sr. e para o País?
Sob o aspecto pessoal, creio que as melhores experiências como advogado criminal estiveram na defesa perante o júri, como, por exemplo, apresentando, pela primeira vez, slides reproduzindo a dinâmica do fato, essencial para compreensão do acontecido. No plano do interesse geral, ter exercido em 1977 e 1978 a presidência da Associação dos Advogados de São Paulo foi experiência relevante em momento de luta contra a ditadura. Sem dúvida, a participação, ao lado de colegas extraordinários, na elaboração, faz 40 anos, de anteprojetos de reforma da Parte Geral do Código Penal e da Lei de Execução Penal foi desafiadora. Importante, também, ter sido assessor especial do presidente Ulysses Guimarães, vivendo por dentro o processo constituinte, quando pude presenciar os confrontos que marcam nossa sociedade. Destaco, ademais, a presidência da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, de 1.995 a 2.001, apurando a responsabilidade do Estado pela morte, muitas vezes sob tortura, de opositores do regime militar.
Pode comparar o que é hoje a formação de um advogado com a dos seus tempos de estudante? As escolas hoje dão uma boa formação?
O Brasil conta hoje com 1.240 Faculdades de Direito, quando em todo o mundo a soma de cursos de direito é menor. Apesar de terem aumentado os cursos de pós-graduação, não há mestres e doutores em número suficiente para lecionar em tantas faculdades. Com a internet, então, o estudo dos fundamentos da Ciência do Direito e de cada uma das suas especialidades foi definitivamente esquecido. O jovem da geração Z está desacostumado de ler. Professores ensinam com figuras no power point ou por observações em tiras, sem qualquer discussão da dogmática, das estruturas dos institutos jurídicos e das relações entre eles e o Ordenamento no seu todo.
Como se pode mudar essa situação?
Precisamos reagir e exigir leitura. Esta decadência e proliferação do ensino jurídico repercutem na produção do direito por meio de advogados, juízes, promotores, cuja admissão na carreira exige apenas decoração de manuais de mera informação, sem visão crítica, que aliás não interessa. E esta decadência repercute também no nível ético.
A atual Constituição já sofreu, em 36 anos, mais de 130 alterações. É normal, isso? Era ruim e foi melhorando. E há coisas importantes ainda faltando?
A Constituição de 1988 é um texto compromissório, construído via entendimento em temas essenciais – ou, senão, delegando-se a definição para lei complementar. Ela seria outra se feita em 1989, após a queda do Muro de Berlim. Mas a própria Constituinte considerou a possibilidade de ampla alteração em cinco anos. No entanto, resultou em nada graças ao silencioso pacto pela omissão: não mexia no direito e privilégio da corporação A, que não se mexe no privilégio da corporação B.
Pelo caminho, ela mudou o sistema de governo…
A Constituinte foi parlamentarista até março de 1988, quando, por interferência do presidente (José) Sarney, adotou o presidencialismo gerador de crises repetidas ao longo de 35 anos. O plebiscito manipulado por candidatos à Presidência manteve o presidencialismo. A reforma que falta é a política.”