O últi­mo capí­tu­lo, talvez, do desca­so com o impor­tante patrimônio nat­ur­al e históri­co-cul­tur­al do Museu Nacional foi o incên­dio que sofreu. O tex­to a seguir, “Coita­da da Múmia”, é do advo­ga­do (a quem não fal­ta exper­iên­cia, de que decorre desilusão com as vicis­si­tudes de nos­sa história) e jor­nal­ista Odu­val­do Don­ni­ni.

A escul­ham­bação no Brasil atingiu o grau máx­i­mo com o incên­dio no Museu Nacional no Rio de Janeiro. Pre­cisamos repen­sar o Esta­do que temos (ou que nun­ca tive­mos), feito para poucos, em detri­men­to de muitos. Um Esta­do cor­rup­to, cujo PIB (Pro­du­to Inter­no Bru­to) é o 8º do mun­do e, por­tan­to, eco­nomi­ca­mente falan­do, dos mais abas­ta­dos, e uma enorme pop­u­lação pobre, em todos os sen­ti­dos, ou seja, fal­ta ali­men­tação, hos­pi­tais, segu­rança e cul­tura. Não temos edu­cação, nos­sa saúde é precária e 60 mil pes­soas são assas­si­nadas anual­mente. Não temos história e quem não a pos­sui, que futuro terá?
Quem será respon­s­abi­liza­do pelo dano irreparáv­el que cau­sou o incên­dio e destru­iu boa parte da história brasileira e uni­ver­sal, no quin­ta maior acer­vo do plan­e­ta? Ninguém, pois o Esta­do brasileiro nun­ca é respon­s­abi­liza­do por nada.
Não ter­e­mos mais o fós­sil Luzia, de 12 mil anos, os murais de Pom­peia, o esquele­to do maior dinos­sauro aqui encon­tra­do, bib­liote­cas, mete­ori­tos raros, coleções de estat­ue­tas etr­uscas, o pré­dio onde foi fir­ma­da nos­sa inde­pendên­cia e onde viver­am um rei e dois imper­adores, entre out­ras cen­te­nas de per­das irreparáveis. Nos­sos gov­er­nantes, de maneira men­tirosa e cíni­ca, sim­ples­mente repas­sam as respon­s­abil­i­dades.
O cul­pa­do é o out­ro. Quem será punido? Ninguém. Isso pre­cisa mudar ago­ra.
A maior fal­ta de sorte, sem dúvi­da algu­ma, foi da múmia (sar­cófa­go de Sha Amum Em Su), que pode­ria estar no museu do Lou­vre, em Paris, nas cen­te­nas de museus ital­ianos, na Espan­ha ou mes­mo em Por­tu­gal, mas esta­va aqui. Foi incin­er­a­da pelo desca­so, pela ignorân­cia, pela malver­sação do nos­so din­heiro, desvi­a­do para o bol­so dos cor­rup­tos. Uma humil­hação sem prece­dentes. Coita­da da múmia.