Não me levem a mal, mas agora é Carnaval

Crôni­ca de Matilde Ribeiro, pub­li­ca­da no Jor­nal “O POVO”, Ceará, 28 de fevereiro de 2025

 

Diz a len­da que o car­naval tem origem europeia. Mas o que impor­ta, é que nos­sa maior fes­ta é basea­da na cul­tura africana e das diver­sas regiões, o que a efe­ti­va como pro­du­to brasileirís­si­mo

No iní­cio dos anos 2000 viven­ciei como gesto­ra públi­ca fed­er­al par­ticipei de uma lin­da exper­iên­cia jun­to ao Insti­tu­to do Pat­ri­mo­nio Históri­co e Artís­ti­co Nacional (IPHAN), resul­tan­do no recon­hec­i­men­to como patrimônio cul­tur­al das “Vel­has Guardas das Esco­las de Sam­ba do Rio de Janeiro” e na entre­ga da cer­ti­fi­cação no solo sagra­do da Estação Primeira de Mangueira.

As lem­branças, são um trib­u­to ao fale­ci­do Bened­i­to Cin­tra (foi inte­grante da Esco­la de Sam­ba Peruche e Dep­uta­do Estad­ual pelo PCdoB em São Paulo) e a musa Leci Brandão (sam­bista e atu­al Dep­uta­da Estad­ual pelo PCdoB em São Paulo), que me con­duzi­ram à vivên­cia relata­da, mas são tam­bém con­tes­tações ao con­ser­vadoris­mo, que banal­iza o mun­do do sam­ba e do car­naval e crim­i­nal­iza inte­grantes das insti­tu­ições car­navalescas.

Diz a len­da que o car­naval tem origem europeia. Mas o que impor­ta, é que nos­sa maior fes­ta é basea­da na cul­tura africana e das diver­sas regiões, o que a efe­ti­va como pro­du­to brasileirís­si­mo.

Alguns mar­cos do car­naval são as march­in­has, ten­do como ícone ini­cial Chiquin­ha Gon­za­ga, com a músi­ca “O Abre-alas”, seguidas do sam­ba “Pelo Tele­fone” de Don­ga e Mau­ro de Almei­da; do cria­ti­vo trio elétri­co de Dodô e Osmar; dos impre­scindíveis fre­vo e mara­catu de Olin­da e do Nordeste; do afoxé com os abadás em Sal­vador; das rep­re­sen­tações cul­tur­ais do “bum­ba meu boi” no Norte; no sam­ba de roda e gafieira no Rio e em São Paulo entre outros.Predominantemente no Sul e Sud­este, emer­gi­ram os cordões, os blo­cos e forte­mente as esco­las de sam­ba estru­tu­radas pela ener­gia comu­nitária, pelo glam­our turís­ti­co e pelas com­petições. Já nas out­ras regiões – Cen­tro Oeste, Norte e Nordeste, são bas­tante pre­sentes os cordões, blo­cos e diver­sas expressões brin­cantes de rua. Fato é que estas e tan­tas out­ras expressões cul­tur­ais emoldu­ram a aquarela do car­naval, no Brasil e mun­do afo­ra.

Out­ro aspec­to inter­es­sante do car­naval é o cruza­men­to entre a edu­cação for­mal (as esco­las de ensi­no públi­cas e pri­vadas) e a infor­mal (as esco­las de sam­ba, blo­cos, cordões entre out­ras expressões). Muitas são as exper­iên­cias cotid­i­anas que mate­ri­al­izam este cruza­men­to. Em ter­ras cearens­es, desta­ca-se em 2025, a conexão da Esco­la de Sam­ba Império Ide­al com a Uni­ver­si­dade da Inte­gração Inter­na­cional da Luso­fo­nia Afro-brasileira (UNILAB), com o enre­do “Uni­lab: 15 Anos de Inte­gração Cul­tur­al”, sendo ger­a­do a par­tir do acú­mu­lo de debates e da mil­itân­cia rela­ciona­da ao Movi­men­to Negro e das questões étni­co-raci­ais. O resul­ta­do é e será o for­t­alec­i­men­to das relações entre diver­sas cul­turas e pes­soas foliãs, ativis­tas int­elec­tu­ais, e aci­ma de tudo a que­bra da crença abis­mal de que ciên­cia não tem a ver com cul­tura.

O bom de tudo é que a sal­a­da cul­tur­al é inten­sa e deli­ciosa. Por out­ro lado, infe­liz­mente o “pacote” car­naval é per­me­a­do por bônus e ônus – a pro­fusão cul­tur­al e a mis­tu­ra com a vio­lên­cia urbana, racial e de gênero, a com­pet­i­tivi­dade e a lucra­ti­va tôni­ca turís­ti­ca-com­er­cial. Mas, nós brasileiros não somos de fer­ro, viv­er é mes­mo perigoso, e está val­en­do a máx­i­ma: “Não me lev­em a mal, mas ago­ra é car­naval”.