Nes­ta terça-feira, dezoito de jul­ho de 2025, o tradi­cional jor­nal paulista O Esta­do de S. Paulo, con­heci­do por Estadão — que está com­ple­tan­do cen­to e cinquen­ta anos de existên­cia —, em impor­tante edi­to­r­i­al, pre­gou o rompi­men­to defin­i­ti­vo com a extrema-dire­i­ta, rep­re­sen­ta­da, no pre­sente, pelo bol­sonar­is­mo.

O tex­to recon­hece a ilic­i­tude de com­por­ta­men­to do ex-pres­i­dente, ex-dep­uta­do, ex-mil­i­tar Jair Bol­sonaro, bem como apon­ta a neces­si­dade de jul­ga­men­to e con­de­nação dos respon­sáveis pelo crime de ten­ta­ti­va de golpe de esta­do.

Leia, aqui, o tex­to com­ple­to, tran­scrito a seguir, para os que não são assi­nantes do jor­nal.

Demonstração de fraqueza

Fiasco do ato no Rio, que deveria servir para Bolsonaro exibir força popular em favor do projeto para livrá-lo da prisão, mostra que essa pauta só interessa ao ex-presidente, e não ao País

(3 min­u­tos de leitu­ra)

“Jair Bol­sonaro fra­cas­sou mis­er­av­el­mente ao con­vo­car um ato em Copaca­bana que reuniria “1 mil­hão de pes­soas”, segun­do sua pro­jeção, com o evi­dente propósi­to de demon­strar força políti­ca às vésperas do jul­ga­men­to da denún­cia ofer­e­ci­da con­tra ele ao Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF). No domin­go pas­sa­do, até fez calor na orla mais famosa do Brasil, mas, se hou­vesse um ter­mômetro no calçadão do Pos­to 5 para medir a capaci­dade de Bol­sonaro para mobi­lizar as mas­sas em torno de uma pau­ta que só inter­es­sa a ele – a anis­tia aos golpis­tas –, o apar­el­ho teria con­ge­la­do em pleno verão car­i­o­ca.

Espe­cial­is­tas nesse tipo de mon­i­tora­men­to, de difer­entes enti­dades, cal­cu­lam que havia entre 18 mil e 30 mil pes­soas, número muito abaixo do que o bol­sonar­is­mo cos­tu­ma mobi­lizar, sobre­tu­do no Rio, redu­to do ex-pres­i­dente. Diante desse fias­co, foi comovente o esforço do gov­er­nador do Rio, o bol­sonar­ista Cláu­dio Cas­tro (PL), de faz­er pare­cer que havia mais gente – 400 mil pes­soas, segun­do o cál­cu­lo doidi­vanas da Polí­cia Mil­i­tar flu­mi­nense.

Seja qual ten­ha sido o número de cidadãos que saíram de casa para emprestar apoio a um golpista que ain­da insiste em atacar as insti­tu­ições repub­li­canas e insin­uar que venceu a eleição de 2022, é fato que havia muito menos gente em Copaca­bana do que Bol­sonaro imag­i­nou que have­ria. Parece evi­dente que o poder mobi­lizador de Bol­sonaro está dimin­uin­do, o que é uma pés­si­ma notí­cia para quem pre­cisa de apoio políti­co para escapar da prisão e uma óti­ma notí­cia para um Brasil exaus­to das patra­nhas do capitão.

Restou claro que o perdão aos golpis­tas, abso­lu­ta­mente ina­ceitáv­el num país que se pre­tende sério, não é uma pau­ta do Brasil. Não é nem sequer pau­ta de uma dire­i­ta respon­sáv­el, uma dire­i­ta que, gen­uina­mente, pre­ocu­pa-se em ofer­e­cer uma alter­na­ti­va políti­co-eleitoral ao gov­er­no de turno coad­una­da com os anseios comuns à maio­r­ia dos brasileiros. A anis­tia é uma agen­da que só inter­es­sa a Bol­sonaro, uma espé­cie de boia para o encalacra­do ex-pres­i­dente à beira de acer­tar suas con­tas com a Justiça.

Des­de o iní­cio de sua vida públi­ca, Bol­sonaro se nota­bi­li­zou pela insurgên­cia con­tra os princí­pios democráti­cos mais ele­mentares. Sem­pre foi um vân­da­lo políti­co, per­son­if­i­can­do, com o pas­sar do tem­po, as fig­uras do mau mil­i­tar, do mau par­la­men­tar e, enfim, do mau pres­i­dente. Ao lon­go desse tem­po, Bol­sonaro sem­pre se safou. Quan­do dev­e­ria ter sido expul­so em des­on­ra do Exérci­to, con­cer­tou-se uma saí­da no âmbito do Supe­ri­or Tri­bunal Mil­i­tar (STM). Quan­do dev­e­ria ter sido expeli­do da Câmara dos Dep­uta­dos por que­bra de deco­ro um sem-número de vezes, con­tou com o espíri­to de cor­po. Quan­do dev­e­ria ter sido apea­do da Presidên­cia da Repúbli­ca em razão da ple­to­ra de crimes de respon­s­abil­i­dade que come­teu, Bol­sonaro con­tou com o cál­cu­lo políti­co de seus adver­sários.

Ago­ra, que a pesa­da fatu­ra de seus ataques à democ­ra­cia parece estar chegan­do, Bol­sonaro, decer­to muito angus­ti­a­do com o des­ti­no jurídi­co-penal que o aguar­da, parte em sôfre­ga cam­pan­ha por uma anis­tia que não tem lugar num Brasil que se pro­je­ta mais civ­i­liza­do e mais democráti­co no futuro. Nem que para isso ele ten­ha de ludib­ri­ar seu próprio públi­co com a falá­cia de que estaria pre­ocu­pa­do com “as sen­ho­ras idosas” que teri­am sido con­de­nadas pelo STF por sua par­tic­i­pação nos atos golpis­tas. É pos­sív­el avaliar que, de fato, o STF pode ter sido exces­si­va­mente severo ao dosar as penas de deter­mi­na­dos con­de­na­dos pela insurgên­cia vio­len­ta con­tra a eleição de Lula da Sil­va, algu­mas delas soman­do mais de 17 anos de prisão. Out­ra coisa, muito difer­ente, é pug­nar pelo perdão dos que ten­taram der­rubar a ordem con­sti­tu­cional vigente des­de 1988 como nun­ca se ten­tou des­de a rede­moc­ra­ti­za­ção do País.

Ao apre­sen­tar a anis­tia como se fos­se uma pri­or­i­dade nacional, Bol­sonaro abas­tar­da uma das prin­ci­pais con­quis­tas da sociedade nestes 40 anos de Brasil rede­moc­ra­ti­za­do: a luta pelo apri­mora­men­to de nos­sa democ­ra­cia não se coad­una com o perdão àque­les que ten­taram destru­ir suas fun­dações. Como ficou claro, o povo brasileiro não apoiará quem, por con­veniên­cia, ten­ta manip­u­lar a memória cole­ti­va e dis­torcer os fatos em bene­fí­cio próprio.”