Em impor­tante arti­go, o Miguel Reale Jr., Acadêmi­co Eméri­to da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito e Pro­fes­sor Tit­u­lar da Uni­ver­si­dade de São Paulo, apon­ta o rompi­men­to dos Esta­dos Unidos com a Lei con­tra Práti­cas Cor­rup­tas no Exte­ri­or por empre­sas norte-amer­i­canas. Em nome da com­petição a qual­quer cus­to, o atu­al Pres­i­dente Don­ald Trump deter­mi­nou a sus­pen­são da apli­cação do FCP Act.

Leia o arti­go a seguir.

AMÉRICA CORRUPTA AGAIN

Miguel Reale Jr

Após o escân­da­lo de Water­gate, o Con­gres­so amer­i­cano decid­iu enfrentar o tema sabido da cor­rupção — de agentes políti­cos ou admin­is­tra­tivos no exte­ri­or — como for­ma de obter ou man­ter negó­cios.

 Lem­bra Mike Koehler (The sto­ry of FCPA Act) que a Gulf Oil fez con­tribuições para a cam­pan­ha políti­ca do Pres­i­dente da Repúbli­ca da Cor­eia; Northrop real­i­zou paga­men­tos a gen­er­al da Arábia Sau­di­ta; a Exxon e a Mobil Oil der­am din­heiro a par­tidos políti­cos ital­ianos. Por fim, Lock­heed fez paga­men­tos ao primeiro-min­istro japonês Tana­ka e ao príncipe Bern­hard, Inspetor Ger­al das Forças Armadas holan­desas e mari­do da Rain­ha Juliana dos País­es Baixos. Os paga­men­tos foram feitos para gan­har van­ta­gens, espe­cial­mente na obtenção ou manutenção de con­tratos gov­er­na­men­tais ou para influ­en­ciar qual­quer ato ou decisão de fun­cionário estrangeiro.

De 1975 a 1977, foram real­izadas audiên­cias, no Sena­do, acer­ca da edição de lei incrim­i­nan­do a cor­rupção de autori­dades estrangeiras. D. J. Haughton, pres­i­dente do Con­sel­ho da Lock­heed Air­craft Cor­po­ra­tion, depon­do no Sena­do, disse: “pare­cia ser necessário efe­t­u­ar tais paga­men­tos para com­pe­tir com suces­so em muitas partes do mun­do, sob pena de per­da de com­pet­i­tivi­dade”.

Como bem ressaltam Lee C. Buch­heit e Ralph Reis­ner (Why Has the FCPA Pros­pered?), o Con­gres­so sabia que a proibição do sub­or­no colo­caria empre­sas dos EUA em desvan­tagem com­pet­i­ti­va com os seus homól­o­gos estrangeiros, mas prevale­ceu a bus­ca do obje­ti­vo maior de pro­mover relações inter­na­cionais trans­par­entes.

Empresários tam­bém obser­varam que a proibição de paga­men­tos a fun­cionários de gov­er­no estrangeiro aux­il­iaria as empre­sas a resi­s­tir às exigên­cias de sub­or­no em muitos país­es.

 O Senador Frank Church, pres­i­dente da Comis­são encar­rega­da de estu­do da proibição de sub­or­no, de for­ma exa­ta disse: “Há um amp­lo con­sen­so de que o paga­men­to de sub­or­nos para influ­en­ciar decisões de negó­cios cor­rói a livre ini­cia­ti­va. O sub­or­no provo­ca um cur­to-cir­cuito no mer­ca­do. Onde os sub­or­nos são pagos, não prevalece o pro­du­tor mais efi­ciente, mas o mais cor­rup­to”.

O senador Prox­mire, por sua vez, desta­cou que com o sub­or­no se tem cus­to mais ele­va­do por pro­du­to de qual­i­dade infe­ri­or. Para o senador Williams, há com o sub­or­no uma inter­fer­ên­cia prej­u­di­cial ao País, pois man­cha sua imagem e a dos empresários norte-amer­i­canos, minan­do obje­tivos impor­tantes da políti­ca exter­na.

Para o pres­i­dente Ford, a pre­venção e repressão ao sub­or­no de autori­dades estrangeiras per­mi­tiri­am que os Esta­dos Unidos dessem exem­p­lo vig­oroso ao comér­cio, a par­ceiros e a con­cor­rentes, quan­to à neces­si­dade impe­riosa de se acabar com práti­cas ilíc­i­tas na obtenção de negó­cios. Assim, era necessário que dis­posições anti­s­sub­or­no, como do FCPA, fos­sem apli­cadas a cidadãos e cor­po­rações dos EUA, bem como a empre­sas estrangeiras cujos títu­los este­jam lis­ta­dos em bol­sa dos EUA.

Ao ver do pres­i­dente Carter, o sub­or­no é eti­ca­mente repug­nante e com­pet­i­ti­va­mente desnecessário, além de minar a inte­gri­dade dos gov­er­nos. Assim, o FCPA Act (Lei de Práti­cas Cor­rup­tas no Exte­ri­or), edi­ta­da em novem­bro de 1997, exige, como pre­venção, que se man­ten­ham livros e reg­istros pre­cisos, bem como rig­orosos con­troles con­tábeis, com­i­nan­do à cor­rupção sanções civis aplicáveis pela SECComis­são de Val­ores Imo­bil­iários - e crim­i­nais pelo DOJ - Depar­ta­men­to de Justiça.

O FCPA influ­en­ciou organ­is­mos inter­na­cionais, que assumi­ram a mes­ma ori­en­tação, geran­do nor­ma­ti­vas de repressão ao sub­or­no de autori­dades estrangeiras, tais como: a Orga­ni­za­ção para a Econo­mia Coop­er­ação e Desen­volvi­men­to (OCDE); Ban­co Mundi­al; FMI. Hou­ve des­de 1997 inves­ti­gações e punições de graves atos de cor­rupção, inclu­sive rel­a­tivos ao Brasil.

Todavia, nos primeiros dias de manda­to, Don­ald Trump orde­nou ao Depar­ta­men­to de Justiça sus­pender a apli­cação da lei anti­s­sub­or­no – o FCPA — com a seguinte des­cul­pa: “Isso sig­nifi­cará muito mais negó­cios para a Améri­ca”; “Parece bom no papel, mas na [práti­ca] é um desas­tre”; “Isso sig­nifi­ca que, se um amer­i­cano vai a um país estrangeiro e começa a faz­er negó­cios lá legal, legit­i­ma­mente ou de out­ra for­ma, é quase uma garan­tia de inves­ti­gação, indi­ci­a­men­to e ninguém quer faz­er negó­cios com os amer­i­canos por causa dis­so”.

Para fun­cionário da Casa Bran­ca, a “segu­rança nacional do país depende de a Améri­ca e suas empre­sas obterem van­ta­gens com­er­ci­ais estratég­i­cas ao redor do mun­do”. O fun­cionário acres­cen­tou: “O pres­i­dente Trump está inter­rompen­do a apli­cação exces­si­va e impre­visív­el da FCPA que tor­na as empre­sas amer­i­canas menos com­pet­i­ti­vas.”

No momen­to em que a luta con­tra a cor­rupção em favor da inte­gri­dade alcança âmbito mundi­al, com a imple­men­tação dos fatores ESG (Envi­ron­men­tal, Social, Gov­er­nance) lança­dos pelo então Secretário Ger­al da ONU, Kofi Annan, por via do Pacto Glob­al, Trump despreza os argu­men­tos tão inci­si­va­mente trazi­dos na dis­cussão do FCPA Act, con­tra a per­mis­são da des­on­esti­dade para gan­ho com­pet­i­ti­vo, e ago­ra visa a con­sagrar a ilic­i­tude, que trará negó­cios para a Améri­ca. Grana aci­ma de tudo.”