Fábio Bale­stro Flo­ri­ano Mestre em Relações Inter­na­cionais (UFRGS), espe­cial­ista no Estu­do das Insti­tu­ições Oci­den­tais (Uni­ver­si­ty of Notre Dame) e Doutoran­do em Dire­ito (USP). Atu­ou defend­en­do o Esta­do brasileiro em cortes e fóruns inter­na­cionais entre os anos de 2011 e 2012, e con­tin­ua atuan­do em casos jun­to à Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos.

 

Em face da decisão do Comitê de Dire­itos Humanos da Orga­ni­za­ção das Nações Unidas, muitas dúvi­das sur­gi­ram. Aqui, a opinião de um espe­cial­ista.

FAQ (Fre­quent­ly Asked Ques­tions) sobre a decisão do Comitê de Dire­itos Humanos das Nações Unidas a propósi­to da condição do ex-pres­i­dente Luiz Iná­cio Lula da Sil­va.

A decisão é de cumpri­men­to obri­gatório?
Não se deix­em enga­nar pelo lin­gua­jar diplomáti­co da comu­ni­cação, que fala em ‘recomen­dação’ e out­ros ter­mos suaves: a decisão é de cumpri­men­to obri­gatório. No momen­to que foi rat­i­fi­ca­do o Pro­to­co­lo Fac­ul­ta­ti­vo ao Pacto de Dire­itos Civis e Políti­cos – Decre­to nº 311/2009, as decisões do Comitê pas­saram a ser vin­cu­lantes. “Request­ed” é a lin­guagem diplomáti­ca. A obri­gação jurídi­ca é a mes­ma. O lin­gua­jar é o mes­mo do art. 25 do reg­u­la­men­to da Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (que fala em ‘solic­i­tar’) e do Pro­to­co­lo Fac­ul­ta­ti­vo à Con­venção sobre a Elim­i­nação de Todas as For­mas de Dis­crim­i­nação con­tra a Mul­her (Decre­to nº 4.136/2002) (o qual tam­bém fala em ‘recomen­dação’) – que con­de­nou o Brasil no caso Aline Pimentel com a comu­ni­cação nº 17/2008 e teve a decisão segui­da à risca.

Mas e a sobera­nia nacional?
O Brasil, no exer­cí­cio de sua sobera­nia, inde­pen­den­te­mente, decid­iu aderir ao Pro­to­co­lo Adi­cional ao Pacto de Dire­itos Civis e Políti­cos em 1992 e rat­i­fi­cou (con­fir­mou) essa decisão em 2009, no Decre­to 311. A par­tir daí, as decisões exaradas pelo Comitê por fatos ocor­ri­dos a par­tir de 2009 são de cumpri­men­to obri­gatório pelo Esta­do. O Brasil pode, se quis­er, denun­ciar o trata­do – o que equiv­ale a reti­rar-se dele. É o que a Venezuela fez em 2012 em relação à Con­venção Amer­i­cana de Dire­itos Humanos. As decisões tomadas antes da denún­cia, entre­tan­to, con­tin­u­am val­en­do. E essa é uma pos­tu­ra infan­til, para diz­er o mín­i­mo – do tipo ‘con­cordei com as regras do jogo, mas como per­di não con­cor­do e não brin­co mais.’ Aliás, nun­ca é demais fris­ar: é pos­sív­el a um país aderir ao trata­do de Dire­itos Humanos e não ao Pro­to­co­lo Fac­ul­ta­ti­vo, que per­mite a avali­ação de casos indi­vid­u­ais. O Brasil sem­pre se van­glo­ri­ou de ser um dos país­es que mais assi­nou trata­dos de Dire­itos Humanos. O prob­le­ma é que, quan­do se assumem ess­es com­pro­mis­sos, esta­mos sujeitos a cumpri-los. Não é difer­ente ago­ra.

Quem, afi­nal, emi­tiu a decisão?
Todos os trata­dos de Dire­itos Humanos do Sis­tema ONU pos­suem um Pro­to­co­lo Fac­ul­ta­ti­vo que per­mite recla­mações indi­vid­u­ais. Em vir­tude desse pro­to­co­lo existe um comitê per­ma­nente de espe­cial­is­tas que anal­isa os casos um por um. No caso do Pacto de Dire­itos Civis e Políti­cos de 1966, esse comitê é o chama­do Comitê de Dire­itos Humanos, que inte­gra o sis­tema ONU de mon­i­tora­men­to de trata­dos. Então as desqual­i­fi­cações que estão haven­do de que seria “uma decisão de espe­cial­is­tas e não da ONU” não são vál­i­das. Elas são de um comitê de espe­cial­is­tas cri­a­do pelo organ­is­mo jus­ta­mente para anal­is­ar denún­cias indi­vid­u­ais de vio­lações ao Pacto de Dire­itos Civis e Políti­cos e por­tan­to, emb­o­ra impre­ciso, não é erra­do diz­er que “são da ONU.” A expli­cação ao final da nota quer diz­er ape­nas que o Escritório do Alto Comis­sari­a­do de Dire­itos Humanos entre­gou a comu­ni­cação à rep­re­sen­tação brasileira, mas ela foi emi­ti­da pelo Comitê e não por eles – o que em nada a inval­i­da.

A comu­ni­cação fala em “inter­im mea­sures”. Isso quer diz­er que não é pra valer?
“Inter­im mea­sures” são medi­das caute­lares, ou pro­visórias – idên­ti­cas às tomadas pela Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos no caso Belo Monte em 2011 e pela Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos no caso do presí­dio Urso Bran­co em 2002, assim como em tan­tos out­ros casos de vio­lações de Dire­itos Humanos no qual a inação deixa dire­itos sob ameaça. E, exata­mente como no dire­ito inter­no, caute­lares devem ser cumpri­das até que saia uma decisão final. O obje­ti­vo dis­so é evi­tar que um dire­ito da víti­ma sofra uma lesão irreparáv­el. E, nesse caso, impor­ta ain­da fris­ar que a defe­sa de Lula fez três pedi­dos: liber­dade, dire­ito de reunião – seja com a col­i­gação ou para dar entre­vis­tas – e o dire­ito de con­cor­rer. O Comitê disse ‘não’ ao primeiro pedi­do e ‘sim’ aos dois últi­mos.

Afi­nal, con­stataram vio­lação de dire­itos no caso do Lula?
Sim e não. Ele quer diz­er que foi acha­da uma pos­sív­el restrição a dire­itos civis e políti­cos segun­do o descrito no Pacto. O méri­to dessa restrição (que pode ser vál­i­da juridica­mente, como no caso da restrição de liber­dade a ape­na­do com trân­si­to em jul­ga­do) só vai ser deci­di­do no futuro, mas até lá, pro­vi­so­ri­a­mente e para evi­tar que haja lesão irreparáv­el de dire­itos no caso de ser con­sid­er­a­da invál­i­da a restrição, deve-se garan­tir o dire­ito de Lula con­cor­rer e de dar entre­vis­tas e reunir-se com mem­bros de sua col­i­gação.

 

Pub­li­ca do orig­i­nal­mente em Sul21