As contradições do governo atual brasileiro são observadas por Verônica Rezek, advogada, especialista em Direito Internacional Privado pela Academia de Direito Internacional de Haia, e sócia do escritório Francisco Rezek Sociedade de Advogados, que indica os embates entre duas alas, uma organizada, outra instável.
Leia o artigo a seguir.
Um governo bipolar
Verônica Rezek
Nosso atual governo tem mostrado características antagônicas no decorrer desses três meses. Por um lado a estratégia do atual ministro da Justiça Sérgio Moro para combater a criminalidade ___ em todas as suas formas ___ tem-se mostrado convincente e potencialmente exitosa. As medidas que visam a disciplinar a discricionariedade dos juízes nas ações penais são um grande passo para que a mudança aconteça, dentre outros que têm como objetivo o combate ao crime organizado de alta complexidade.
No mesmo polo, o programa estabelecido pelo Ministro Paulo Guedes para recuperar a economia brasileira também merece reconhecimento. Tendo por objetivo o controle da expansão dos gastos públicos, o ministro priorizou e canalizou suas energias para a urgência da reforma da previdência. E a economia nacional tem tudo para avançar a passos largos, desde que o Itamaraty colabore adotando uma postura pragmática perante o cenário internacional. Mas o ministro da Economia terá, também, que transpor obstáculos colocados em seu caminho por aqueles que, não sendo membros do governo, acampam no Palácio da Alvorada como conselheiros políticos e sociais do presidente da República.
Cercado por companhias de índole e conhecimento duvidosos, o presidente tem enfrentado dificuldades por conta de atitudes e comentários pouco sensatos de sua prole e de alguns conselheiros. Foi lastimável ver o governo em crise logo em início de mandato, com embates entre o filho do presidente e o ministro Gustavo Bebianno, assunto que deveria ter sido tratado institucionalmente, no gabinete presidencial, e não em família. A fusão das figuras do pai e do filho é extremamente prejudicial ao governo recém-instalado e a exposição dos conflitos palacianos nada acrescenta à sua imagem.
A própria diplomacia brasileira tem vivido tempos difíceis. Ao passo que o presidente e o atual chanceler deixam nebulosos seus pensamentos e intenções, o vice-presidente Mourão mantém sua postura fiel ao direito internacional e à história de nossa diplomacia.
O filme Vice, que conta a história do vice-presidente americano Dick Cheney, traz em uma das cenas o momento em que George W. Bush lhe faz o convite para assumir a vice-presidência:
“George Bush — O que me diz, quero que você seja meu vice-presidente. Quero você. É meu vice.
Dick Cheney — Bem, George, eu sou CEO de uma grande empresa. Já fui secretário da Defesa e fui chefe de gabinete da Casa Branca. O cargo de vice-presidente é, sobretudo, simbólico. No entanto, se chegarmos a um entendimento diferente, e eu puder me encarregar de trabalhos mais… mundanos, supervisionando a burocracia, o exército, a energia, a política exterior…
George Bush — Certo… Gostei da ideia.”
Guardadas as devidas proporções, sobretudo quanto ao abismo que separa Chenney do general Mourão em matéria de caráter, esta é uma valiosa sugestão ao atual presidente. Nos assuntos em que ele não puder decidir sem a influência de um filho, de um guru exilado, ou de outra pessoa que não tenha o bom senso necessário para aconselhá-lo, deixe por conta do vice.
É um governo bipolar, com uma ala instável, irrequieta e despreparada, que só se mantém porque a outra ala, formada principalmente pelos ministros da Justiça, da Economia, da Agricultura, e pelos militares, é bem organizada e conhecedora de seu papel.
Confia-se genuinamente que o presidente da República, que foi honrado com dezenas de milhões de votos e cujas intenções são as mais nobres possíveis, realmente colocará o Brasil acima de tudo e terá a sabedoria necessária para por a casa em ordem, lembrando que a divina palavra nos adverte de que “Se um reino estiver dividido contra si mesmo, não poderá subsistir.” . A nossa casa tem um potencial de desenvolvimento extraordinário. Basta colocar o foco naquilo que realmente importa, e deixar as decisões para quem tem preparo e discernimento para isso. A hora é esta.
Na foto, cena do filme “Vice” de Adam McKay.