Em sua segunda contribuição a Breves Artigos (a primeira pode ser lida aqui), o tributarista e professor em Santa Catarina, Fabio Pugliesi. reflete sobre o conceito de renda, a tributação e seu regime. Leia a seguir.
A Ordem Econômica e o Imposto de Renda
A renda consiste no acréscimo patrimonial da pessoa resultante, por exemplo, da remuneração do trabalho ou capital.
A Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB refere que o imposto de renda deve alcançar todas as pessoas (generalidade), todas as rendas e proventos (universalidade) e ser fixado de forma que os acréscimos patrimoniais mais elevados devam pagar mais (progressividade), vedado o tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida. Ressente-se da efetividade material destas disposições nas leis, o que deverá ser analisado em outra oportunidade.
O fundamento da progressividade do imposto baseia-se no fato que “para a pessoa que tem mais renda 1 real é menos valioso do que para a pessoa que possui menos renda;”, daí poder dispor de mais recursos para contribuir para a comunidade ou, em termos técnicos-jurídicos, possui maior capacidade contributiva.
A complexidade do sistema tributário brasileiro decorre menos da quantidade de impostos e contribuições, aludidos na Constituição, do que o número de regimes para sua apuração.
Dentre os possíveis regimes, a par dos destinados às pessoas físicas principalmente,
O Código Tributário Nacional – CTN autoriza a renda a ser tributada pode ser um montante real, presumido ou arbitrado, passa-se a fazer considerações a respeito do significado destas expressões.
A circunstância de que o direito se encontra condicionado pelo sistema econômico, ainda que não coincida por completo com ele, constitui consenso nos estudos jurídicos. Cabe, assim, analisar como isto se dá, a fim de relacionar com a tributação, dados os limites deste artigo.
Por meio do mercado que se alocam os fatores de produção, a exemplo do investimento e do trabalho para a obtenção de determinados resultados que, por sua vez, se destinam à produção de bens de consumo e serviço que, se espera, deva propiciar a continuidade do ciclo.
Reserva-se ao Estado o papel de estimular o crescimento econômico e o desenvolvimento social, bem como a repartição e a distribuição da renda. Para tanto é recorrente o tema da quantidade de recursos que devem ser obtidos pelo Estado na forma, predominantemente de tributos, uma vez que existem Estados que auferem receitas por meio outros meios como as advindas da exploração do petróleo.
Assim o Estado utiliza as técnicas de intervenção com a indução de comportamentos, por exemplo, por meio de isenções tributárias; direção ao exercer pressão em comportamentos econômicos, por exemplo, mediante a fixação de preços máximos e mínimos, como se experimenta com o frete de transporte terrestre de cargas no Brasil; bem como a participação quando se verifica atuação de empresas públicas e as sociedades de economia mista, a exemplo da Caixa Econômica Federal e a Petrobrás, respectivamente.
Todavia também ao tributar o Estado conforma o mercado, considerando quando e como deve retirar do mercado para arbitrar conflitos entre setores sociais e regiões.
Pode-se pressupor uma ordem econômica predeterminada a que o Estado deve se adaptar, esperando que o Estado se limite a proteger a execução dos contratos e fazer cumprir as metas de produção para garantir a integração social.
A experiência demonstra que, em resposta às crises econômica e política o Estado atua onde se faz necessário para cobrir os defeitos de funcionamento do mercado, cria as condições necessárias para a segurança do capital acumulado, bem como adequa o direito aos processos de acumulação por meio, por exemplo, do direito de sociedades, como se verifica no tratamento favorecido às empresas de pequeno porte no Brasil, inclusive o regime simplificado no recolhimento de tributos.
Constatam-se três mecanismos de compensação, segundo Claus Offe, cujos objetivos são eliminar os efeitos negativos das disfunções produzidas pelos processos capitalistas de mercado.
Neste sentido verifica-se a institucionalização do progresso técnico, uma vez que se reconhece a importância da ciência e da tecnologia para a acumulação do capital.
Relacionado com isto verifica-se o papel funcional da concorrência para promover este processo e constata-se a intervenção do Estado no agregado macroeconômico do consumo. Um instrumento para este fim decorre da fixação da taxa de juros que usa para remunerar aqueles que lhe emprestam dinheiro, conhecida como taxa SELIC.
Verifica-se que medidas de fundo social servem para mitigar os efeitos da disfuncionalidade, como a previdência social e do sistema de saúde.
Ocorre que o processo de organização dos mecanismos de mercado tem sofrido constante disfuncionalidade particularmente depois da chamada crise da hipoteca nos EUA em 2008 que se verificou o crescimento descontrolado de derivativos, operações fora dos mercados regulados, falta de transparência dos fundos de investimento e políticas de remuneração das instituições financeiras de estímulo aos executivos financeiros.
Como pano de fundo para este quadro verificam-se os ecos da polêmica entre Eugênio Gudin e Roberto Simonsen no final do Estado Novo. Este era expoente dos industriais e fundador do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo e aquele alto funcionário de empresa de capital estrangeiro e que seria Ministro da Fazenda no governo Café Filho.e sua posição coincidia com os comerciantes importadores.
Como se sabe, hoje o papel da indústria, representada por meios institucionais como as federações, diminuiu até em função das vantagens comparativas existentes no Oriente, bem como se verifica um sistema de integração de cadeias de produção global em que se exigem menor número de trabalhadores e mais especialização, chamado toyotismo.
Todavia as propostas dos economistas divididos entre monetaristas e desenvolvimentistas têm influenciado o debate da tributação, em especial do imposto de renda.
Como exposto, a tributação do imposto de renda pode ser efetuada na empresa, segundo os regimes do lucro presumido e lucro real. Aquele tem sua base de cálculo fixada na receita e esta baseada no lucro real, um conceito relacionado com o lucro líquido e apurado na demonstração do resultado do exercício, Ademais a distribuição do lucro regularmente apurado em balanços e balancetes que podem ser mensais é isenta.
Neste contexto defende-se que deva haver uma tributação na distribuição do lucro, a exemplo do que ocorre nos salários, a fim de se garantir a aplicação do princípio da progressividade de forma mais nítida.
Fabio Pugliesi é Doutor em Direito pela UFSC e Mestre em Direito pela USP