Fazen­do eco à máx­i­ma de Var­gas Llosa, o Acadêmi­co José Raimun­do Gomes da Cruz, em mais uma con­tribuição a Breves Arti­gos da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, con­clui, citan­do o escritor: “as fan­tasias ide­ológ­i­cas são, em nos­sos dias, tão men­tirosas na Améri­ca Lati­na quan­to na Europa, onde nasce­r­am e desa­pare­ce­r­am há muito tem­po,” ao faz­er algu­mas obser­vaçõies à ideia de con­sti­tu­ição, e dese­jar lon­ga vida à brasileira de 1988.

 

Os Trin­ta Anos da Con­sti­tu­ição de 1988

José Raimun­do Gomes da Cruz

“PREÂMBULO. Nós, rep­re­sen­tantes do povo brasileiro, reunidos em Assem­bléia Nacional Con­sti­tu­inte para insti­tuir um Esta­do Democráti­co, des­ti­na­do a asse­gu­rar o exer­cí­cio dos dire­itos soci­ais e indi­vid­u­ais, a liber­dade, a segu­rança, o bem-estar, o desen­volvi­men­to, a igual­dade e a justiça como val­ores supre­mos de uma sociedade fra­ter­na, plu­ral­ista e sem pre­con­ceitos fun­da­da na har­mo­nia social e com­pro­meti­da, na ordem inter­na e inter­na­cional, com a solução pací­fi­ca das con­tro­vér­sias, pro­mul­g­amos sob a pro­teção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL”

            Entre meu primeiro livro jurídi­co, com o tema da min­ha dis­ser­tação de mestra­do Plu­ral­i­dade de Partes e Inter­venção de Ter­ceiros(São Paulo : Ed. Revista dos Tri­bunais, 1991) e o ter­ceiro, com min­ha tese de doutora­do, O Con­t­role Juris­di­cional do Proces­so Dis­ci­pli­nar (São Paulo : Mal­heiros Ed., 1996), publiquei meu livro Estu­dos sobre o Proces­so e a Con­sti­tu­ição de 1988 (São Paulo : Ed. Revista dos Tri­bunais, 1993). Ain­da viria a públi­co meu vol­ume com o títu­lo de A arbi­tragem na Lei n. 9.307, de 23/9/96 (São Paulo : Oliveira Mendes, 1998).

Poucos anos depois, eu pub­li­caria o livro A Lei Orgâni­ca da Mag­i­s­tratu­ra Nacional Inter­pre­ta­da (São Paulo : Oliveira Mendes, 1998; Idem, 2. edição. São Paulo : Juarez de Oliveira, 2002).

Min­ha então recente aposen­ta­do­ria, com o obje­ti­vo pri­or­itário de obter os títu­los de mestre e doutor em Dire­ito Proces­su­al Civ­il pela USP, per­mi­tiu-me estu­dos basea­d­os na bem recente Con­sti­tu­ição de 1988. A lista inclui obras cole­ti­vas, espe­cial­mente o livro Man­da­dos de Segu­rança e de Injunção (São Paulo : Sarai­va, 1990).

Já se afir­mou que o primeiro capí­tu­lo dos insti­tu­tos de Dire­ito Proces­su­al se acha na própria Con­sti­tu­ição Fed­er­al. Aí, bas­tari­am alguns títu­los de arti­gos, sem inclusão de todas as fontes da divul­gação de cada qual: “Seg­re­do de justiça” (Enci­clopé­dia Sarai­va do Dire­ito, v. 67, pp. 178/189), “As nor­mas estad­u­ais de orga­ni­za­ção judi­ciária e as leis fed­erais” (Revista dos Tri­bunais, v. 517), “Questões penais e proces­suais penais do Códi­go Eleitoral” (Revista Forense, v. 233, pp. 360/367), “A prisão pre­ven­ti­va em face da Lei n. 5.349, de 3/11/67” (Revista JUSTITIA, v. 63, pp. 67 e ss.); “A propósi­to do júri de econo­mia pop­u­lar, sua extinção e con­se­quên­cias (Revista dos Tri­bunais, v. 380, pp. 17 e ss.); “Reflexões sobre o juiza­do espe­cial de peque­nas causas” (Revista de Jurisprudên­cia do Tri­bunal de Justiça de São Paulo, v. 86, pp. 15/28); “Relatório sobre o IX Con­gres­so Mundi­al de Dire­ito judi­ciário — Coim­bra e Lis­boa, 5 a 31/8/91 (Sci­en­tia Iurídi­ca, Por­tu­gal, v. XL, pp. 241/248); “10/12/98: 50 anos da Declar­ação Uni­ver­sal dos Dire­itos Humanos (APMP Revista, v. 27); “O dire­ito adquiri­do de todos nós” (Revista do Insti­tu­to dos Advo­ga­dos de São Paulo, v. 4, pp. 53/57); “A ante­ci­pação de tutela e o prossegui­men­to da refor­ma do Códi­go de Proces­so Civ­il” (Revista Forense, v. 368, pp. 91/118).

No livro de N. Abbag­nano o ver­bete con­sti­tu­ição remete ao ver­bete con­sti­tu­ti­vo, que se con­cen­tra em out­ros sig­nifi­ca­dos, alheios à Lei fun­da­men­tal do Esta­do sober­a­no (Dicionário de Filosofia. 2ed. São Paulo : Mestre Jou, 1982). Paulo Rónai inclui, no seu Dicionário Uni­ver­sal Nova Fron­teira de Citações, algu­mas fras­es irôni­cas, mas tam­bém aque­la de Thomas Paine: “Uma con­sti­tu­ição é uma coisa não ape­nas nom­i­nal, mas efe­ti­va. Tem uma existên­cia não ide­al, mas real, e lá onde não pode ser exibi­da de for­ma visív­el, não existe. Uma con­sti­tu­ição é ante­ri­or a um gov­er­no e o gov­er­no é ape­nas o pro­du­to de uma con­sti­tu­ição. A con­sti­tu­ição de um país não é um ato do seu gov­er­no, mas do povo que con­sti­tui um gov­er­no.” (Thomas Paine) (Rio de Janeiro : Nova Fron­teira, 1985, p. 206). Do mes­mo Paine, na pági­na seguinte: “Um gov­er­no sem con­sti­tu­ição é poder sem dire­ito”. O Dicionário de Soci­olo­gia de Allan G. John­son não inclui o ver­bete “con­sti­tu­ição” (Rio de Janeiro : Zahar, 1997).

Mas José Náufel reg­is­tra, em obra jurídi­ca: “Con­sti­tu­ição– (Dir. Púb.) – “Supre­ma lei inter­na de um Esta­do, em que se tra­ta da orga­ni­za­ção deste, se esta­b­ele­cem os princí­pios nor­ma­tivos da vida nacional, a con­sti­tu­ição dos poderes, a for­ma de gov­er­no da nação, as funções daque­les, os dire­itos e deveres dos cidadãos e todos os princí­pios nor­ma­tivos da orga­ni­za­ção políti­ca do Esta­do e do dire­ito que lhe cabe con­vert­er em nor­mas pos­i­ti­vas. ‘É a lei fun­da­men­tal ou estru­tur­al do Esta­do, o cor­po de nor­mas rel­a­ti­vas à supre­ma orga­ni­za­ção do Esta­do’ (Nél­son Hun­gria, ‘apud’ Léo Cal­das Renault). (Novo Dicionário Jurídi­co Brasileiro. Rio de Janeiro : Kon­fi­no, 1959. v.2, p. 76).

O pós-con­cil­iar Cate­cis­mo da Igre­ja Católi­ca, na ver­dade “com­pên­dio de toda a dout­ri­na católi­ca, tan­to em matéria de fé como de moral”, nas palavras do Papa João Paulo II, na Con­sti­tu­ição Apos­tóli­ca com que ele aprovou o oper­oso tra­bal­ho de Comis­são de doze Cardeais e Bis­pos, sob a presidên­cia do Cardeal Joseph Ratzinger, que seria depois o Papa Ben­to XVI, não podia deixar de incluir ver­betes sobre Dire­ito: ns. 360, 1738, 1740, 1778 e ss., 1807, 1882, 1886, 1889, 1901,1904 e ss., 1930 e ss., 1956, 2007, 2032, 2070, 2104 e ss.

Para reflexão, destaque-se, em 1º lugar o cita­do ver­bete 1886: “A sociedade é indis­pen­sáv­el à real­iza­ção da vocação humana. Para alcançar este obje­ti­vo é necessário que seja respeita­da a jus­ta hier­ar­quia de val­ores que ‘sub­or­di­na as neces­si­dades mate­ri­ais e instin­ti­vas  às inte­ri­ores e espir­i­tu­ais’.”

Em 2º lugar, o ver­bete 1904: “É prefer­ív­el que cada poder seja equi­li­bra­do por out­ros poderes e out­ras esferas de com­petên­cia que o man­ten­ham no seu jus­to lim­ite. Este é o princí­pio do ‘esta­do de dire­ito’, no qual é sober­ana a lei, e não a von­tade arbi­trária dos home­ns”.

Entre tais destaques, de modo algum pode­ria fal­tar o ver­bete 1930: “O respeito pela pes­soa humana impli­ca que se respeit­em os dire­itos que decor­rem da sua dig­nidade de criatu­ra. Ess­es dire­itos são ante­ri­ores à sociedade e se lhe impõem. São eles que fun­dam a legit­im­i­dade moral de toda autori­dade; con­cul­can­do-os ou recu­san­do recon­hecê-los em sua lei pos­i­ti­va, uma sociedade mina sua própria legit­im­i­dade moral. Sem este respeito, uma autori­dade só pode apoiar-se na força ou na vio­lên­cia para obter a obe­diên­cia de seus súdi­tos. Cabe à Igre­ja lem­brar ess­es dire­itos à memória dos home­ns de boa von­tade e dis­tin­gui-los das reivin­di­cações abu­si­vas ou fal­sas.”

No mais recente Dicionário do Con­cílio Vat­i­cano II (São Paulo : Pauli­nas e Paulus, 2015), alguns ver­betes, pelo menos, exi­giri­am algu­ma atenção: “Bem comum” (José J. Queiroz); tam­bém deste o ver­bete “Dire­itos humanos”; “Human­is­mo”, de Anto­nio Mar­chion­ni; “Igualdade/Desigualdade”, de Luiz Car­los Susin; “Liber­dade reli­giosa”, de Jesus Hor­tal; “Não vio­lên­cia”, de Paulo Agostin­ho; “Pacem in ter­ris”, de Rafael Rodrigues da Sil­va; “Políti­ca”, de Luiz Eduar­do W. Wan­derey; “Pro­gres­so”, de José J. Queiroz; “Reivin­di­cações”, de Bened­i­to Fer­rari; “Sinais dos tem­pos”, de Paulo Suess; “Sol­i­dariedade”, de Bened­i­to Fer­raro; “Tra­bal­ho”, de Bened­i­to Fer­raro; “Trans­for­mação social”, de Fran­cis­co de Aquino Jr. e “Ver­dade”, de Alex Vil­las Boas.

A remem­o­ração de tan­tos con­ceitos, asso­ci­a­da à lem­brança de tan­tos estu­dos sobre a Con­sti­tu­ição da Repúbli­ca Fed­er­a­ti­va do Brasil, con­tribui para a esper­ança de que esta prossi­ga por muito tem­po, man­ten­do sem­pre seu jus­to prestí­gio. A propósi­to, se a nos­sa atu­al Con­sti­tu­ição não chegou a impedir a cor­rupção, pelo menos tem con­segui­do con­tribuir muito para o seu com­bate.

Feliz coin­cidên­cia con­siste nas atu­ais eleições, com segun­do turno. Elas exprimem aqui­lo que Var­gas Llosa afir­mou em tex­to por mim cita­do, em epí­grafe, recen­te­mente: “As fan­tasias ide­ológ­i­cas são, em nos­sos dias, tão men­tirosas na Améri­ca Lati­na quan­to na Europa, onde nasce­r­am e desa­pare­ce­r­am há muito tem­po” (“Em bus­ca do Eldo­ra­do” – O Esta­do de S. Paulo, 30/9/18, p. A15). Em meu arti­go recente “Dire­i­ta e esquer­da – esqueçam isso”, tam­bém colo­quei epí­grafe do mes­mo autor (“Já não é impos­sív­el pen­sar que Cuba ou que a Coréia do Norte, aman­hã ou depois, pos­sam aban­donar o anacro­nis­mo ide­ológi­co que as está destru­in­do e se res­ignarem à medíocre democ­ra­cia” (Mario Var­gas Llosa. O Esta­do de S. Paulo, 28/7/2013. p. A14).

Tudo pode ser resum­i­do em dar­mos graças a Deus, por tan­tas bênçãos rece­bidas pela anti­ga San­ta Cruz, depois Vera Cruz e atual­mente Brasil!

Procu­rador de Justiça de São Paulo aposen­ta­do, Acadêmi­co Tit­u­lar da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, Cadeira Alfre­do de Araújo Lopes da Cos­ta, Mestre e Doutor em Dire­ito pela USP.