“A Biblioteca é ilimitada e periódica. Se um eterno viajante a atravessasse em qualquer direção, comprovaria ao fim dos séculos que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que, reiterada, seria uma ordem: a Ordem). Minha solidão alegra-se com essa elegante esperança.” (Jorge Luis Borges. “La biblioteca de Babel” in Ficciones, 1944.
Jorge Luis Borges nos ofereceu a ficção da biblioteca universal, em seu livro de 1944, quando se encaminhava para o fim a Segunda Guerra Mundial, que havia oferecido ao mundo o horror do fascismo, do totalitarismo, do holocausto, enfim, da destruição do humano e do projeto do Iluminismo.
As tecnologias contemporâneas apontam para o fim de práticas milenares, nas quais aprendemos a reconhecer nossa humanidade.
Por outro lado, no instigante texto escrito originalmente para seu blog, a seguir, o jurista Arnobio Rocha vincula, nos passos de Friedrich Engels, a escrita à origem da humanidade, e indaga se o fim de uma levará ao fim da outra.
Vale a leitura.
2170: O Fim da Escrita será o fim da Humanidade?
Arnobio Rocha
“Vemos, pois, que a mão não é apenas o órgão do trabalho; é também produto dele. Unicamente pelo trabalho, pela adaptação […] foi que a mão do homem atingiu esse grau de perfeição que pôde dar vida, como por artes de magia, aos quadros de Rafael, as estátuas de Thorwaldsen e à música de Paganini”. Friedrich Engels. O papel do trabalho na transformação do macaco em homem. 1876.
Engels escreveu esses importante livro, quase um ensaio científico, muito inspirado em duas fontes: Charles Darwin e seus extraordinário trabalho científico sobre a origem das espécie e em sua parceria com Marx sobre a questão do desenvolvimento social da humanidade, através do trabalho e da luta de classes, A humanidade em sua evolução dentro das espécies e a fundamental importância do trabalho, especialmente o papel das mãos.
Dessa cadeia de desenvolvimento humano, o aperfeiçoamento do uso das mãos e a intensa atividade cerebral decorrente e impulsionada por elas, foi tornando o ser humano cada vez mais sofisticado. Da arte Rupestre à pintura da Capela Sistina foi um longo perídio de milhares de anos e evolução da atividade inteligente/consciente da humanidade.
O desenvolvimento da escrita/leitura, a representação do pensamento em registros históricos, comerciais, em cada época por formas simbólicas e codificadas de suas línguas. A escrita é a forma mais inteligente de comunicação que serviu para interrelação de povos, para o desenvolvimento do comércio, anotações comerciais, da apropriação de técnicas produtivas e, especialmente, de conhecimentos, sensibilidades, ideias, artes e vida mais elaborada.
A escrita em suas várias formas, representada por diversos alfabetos, ideogramas, tradução perfeita ou codificada da língua falada, expressão das ideias e pensamentos complexos, poesia e prosa, para que as tradições orais não se perdessem, foram se aprimorando por vários milênios, criando uma ideia de educação e acesso mais amplo do povo em geral, como também usada para o controle e imposição de normas, comportamentos e coesão/coerção social e política.
Essa imensa evolução da escrita/leitura/comunicação, uma forma de arte e expressão superior da humanidade, teve enorme impulso com o surgimento das gráficas, da produção de livros, enciclopédias, bibliotecas, criação de universidades e as formas mais avançadas de educação que ultrapassaram os pequenos ciclos dos donos do poder e chegou ao povo, claro, usada para um fim bem específico de dominação e controle, preparação para produção e lucro.
Todas as conquistas humanas da escrita foram transportadas dos livros para os computadores, a própria linguagem deles, uma forma de codificação de leitura/escrita, é uma representação da inteligência humana, em sua forma cada vez mais elaborada e de inteligência, que transformou definitivamente o trabalho manual em intelectual como predominante na produção de valor.
O avanço tecnológico e científico, alteraram o comportamento social e de interação humana, uma profusão de escritas/escritos, textos e representações próprias de linguagens, tanto da academia, como fora dela, tiveram impulso com a Internet, a rede de conexão de computadores e que rapidamente transformou de forma violenta toda a vida humana.
A virada dos anos 2000, o novo milênio, trouxe uma radicalização do uso de computadores e de celulares, não como comunicação de voz, mas de textos e imagens, com a chegado das telas por toques, houve um avanço para supressão da escrita, da forma como se conhecia.
A forma de contato de crianças, ainda muito cedo, com 1, 2 anos, com essas telas, trazem um aprendizado e um desenvolvimento cerebral cada vez maior, em detrimento da escrita formal, sem que se possa prever qual o futuro da escrita, ou de diversas línguas, pois, sob a égide de império global, pouca diversidade idiomática e de culturas, irá sobreviver,
As telas de celulares, smartphone, tablets, smart tvs, não apenas o toque na tela, mas os assistentes virtuais (Alexa e outros) vão moldando uma comunicação, quase sem escrita, preditiva e indutiva, que prescinde de letras, raciocínios completos e complexos. Mais ainda, sob o domínio de algoritmos produzido por algoritmos, haverá uma prevalência de máquinas sob os humanos, uma relação de dependência nunca vista na história.
Uma das promessas da 5G (Quinta Geração de Celulares e devices) é uma conexão total, talvez só completada na 6ª ou 7ª gerações, em que carros, aparelhos de tvs, máquina de lavar roupas, ou aparelhos de ressonância magnética de hospitais, equipamentos médicos, impressoras 3Ds, todos se comunicam e criam autonomia própria,
As gerações nascidas nos anos 70/80, no máximo até meados dos anos de 90, podem ser as últimas a terem familiaridade com a Escrita/Leitura, que ainda sabe usar uma caneta, um lápis, quais serão as consequências para a humanidade em 20, 30 ou 40 anos quando elas se forem?
O controle político e ideológico, uma geração criada sob o domínio fascistóide, sem democracia, sem escolhas, como sobreviverá? Por que se tem dificuldades de entender fenômenos como Trump, Bolsonaro e de uma geração sem sensibilidade humana, social e cultural? Tudo parece tão óbvio, tão Blade Runner e destrutivo.
É esse o dilema do fim da Escrita, a morte da Humanidade?