No pre­sente arti­go, mais uma de suas impor­tantes con­tribuições a Breves Arti­gos do site da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, o Acadêmi­co José Raimun­do Gomes da Cruz, a par de acen­tu­ar o fato de edições mod­i­fi­cadas e sim­pli­fi­cadas de obras orig­i­nais con­fig­u­rarem ile­gal­i­dade, tece críti­cas ao sis­tema de ensi­no que, ao bus­car facil­i­tar o cam­in­ho para estu­dantes, prej­u­di­ca a sua for­mação e tol­he o tra­bal­ho de pro­fes­sores que pre­ten­dem levar a alunos o mel­hor de sua exper­iên­cia e de seu con­hec­i­men­to, desafian­do-os a, medi­ante esforço para super­ar defi­ciên­cias de ensi­no, tornarem-se seres humanos inte­grais.

Vale a pena a leitu­ra e acom­pan­har o rela­to da exper­iên­cia docente de Gomez da Cruz.

 

ILICITUDE DA REDAÇÃO SIMPLIFICADA DE OBRAS LITERÁRIAS

José Raimun­do Gomes da Cruz *

 

“Queri­dos pelos pro­fes­sores, Macha­do de Assis e José de Alen­car não são autores de cabe­ceira para a maio­r­ia dos alunos. A difi­cul­dade de enten­der obras clás­si­cas, seja pela lin­guagem ou com­plex­i­dade das tra­mas, rea­v­i­va o debate sobre o uso de adap­tações literárias nas esco­las.” (Vic­tor Vieira. “Lit­er­atu­ra sim­pli­fi­ca­da é polêmi­ca nas esco­las”. O Esta­do de S. Paulo, 12/5/2014)

 

Eu acaba­va de ler duas crôni­cas no jor­nalO Esta­do de São Paulo, de 1º/6/2014: 1) Ree­screven­do a História, de João Ubal­do Ribeiro; 2) Sim­ples assim, de Hum­ber­to Wer­neck. Destaque edi­to­r­i­al da primeira: “Só quem tem vocab­ulário e fez esforços é que pode des­fru­tar de Macha­do?” Da segun­da: “Tem gente que em vez de ele­var o leitor pref­ere rebaixar o Macha­do de Assis”.

Cer­ta vez, come­cei a lecionar matéria jurídi­ca em cer­ta Fac­ul­dade de Dire­ito par­tic­u­lar. Obser­vo que, ape­sar das difi­cul­dades com alunos, con­segui com­ple­tar 30 anos de mag­istério e obter aposen­ta­do­ria do INSS por tem­po de serviço, no teto do bene­fí­cio. Con­tra­to de exper­iên­cia, tur­mas de 180 alunos. Os alunos insi­s­ti­ram em tra­bal­hos de pesquisa, em lugar de provas escritas. Dis­cordei. No segun­do mês já have­ria pro­va escri­ta. Não seria a úni­ca esco­la com recla­mações con­tra min­has exposições — dig­amos, numa palavra, a maio­r­ia que­ria que eu baix­as­se um pouco o nív­el das min­has aulas.

No 1º mês do tal con­tra­to de exper­iên­cia, final de março, vários alunos inter­romper­am a aula, dis­cor­dan­do da pro­va escri­ta que se aprox­i­ma­va. Um deles exibiu uma fol­ha com ano­tações: na exposição daque­le dia, eu usara 20 palavras que ele descon­hecia. Algu­mas delas, por aca­so, eram usadas no for­mulário des­ti­na­do à declar­ação rel­a­ti­va ao impos­to de ren­da. Retirei um for­mulário da min­ha pas­ta e local­izei, facil­mente, algu­mas de tais palavras. Esclare­ci: o for­mulário do IR não exi­gia nív­el supe­ri­or, des­ti­nan­do-se tam­bém a operários e buro­cratas de qual­quer nív­el de for­mação int­elec­tu­al. Pouco adiantou. Só parte da tur­ma fez a pro­va, em abril. Hou­ve, de resto, con­sen­so em não voltarem às aulas. Esta­va em vig­or o pra­zo de 90 dias de exper­iên­cia.  Não tive dúvi­da: comu­niquei por escrito, sob pro­to­co­lo, que eu me valia de tal pre­rrog­a­ti­va para não con­tin­uar a lecionar naque­la fac­ul­dade.

Ago­ra vou par­tic­i­par do debate sobre o cabi­men­to de edições sim­pli­fi­cadas de obras dos grandes escritores. Será, prin­ci­pal­mente, a pro­teção da inte­gral­i­dade da obra artís­ti­ca como dire­ito moral do autor. A Revista da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, v. 3, jan/jun de 2012, pp. 49/53, pub­li­cou meu arti­go sob o títu­lo “Inal­ter­abil­i­dade da obra artís­ti­ca como Dire­ito Moral do Autor”.

Alguns fatos con­tribuem para a reflexão sobre o debate. A notí­cia da cidade de Québec, no jor­nal The Globe and Mail, de 17/2/2012, que podia ter seu títu­lo traduzi­do como “Pro­fes­sor de músi­ca atrai indig­nação por reti­rar ‘Deus’ de músi­ca de Piaf” (“Music teacher sparks out­rage by remov­ing ‘God’ from Piaf song”), é assi­na­da por Rhéal Séguin, cujo tex­to começa assim: “Pais, políti­cos e admi­radores da músi­ca em Québec estão indig­na­dos porque um pro­fes­sor de músi­ca de esco­la ele­men­tar escol­heu para cen­surar parte de canção da auto­ria do ído­lo Edith Piaf, por causa de refer­ên­cia a Deus, gesto que se tornou uma nova espo­le­ta no debate sobre aco­modação razoáv­el.” (grifei as duas últi­mas palavras, no orig­i­nal rea­son­able acco­mo­da­tion, por sua espe­cial importân­cia no tema, lá).

Preparan­do uma rep­re­sen­tação de alunos de 10 e 11 anos, tal pro­fes­sor decid­iu “elim­i­nar o últi­mo ver­so da canção de amor obra pri­ma de Edith Piaf Hino ao Amor. As palavras ‘Deus reúne aque­les que se amam’ foram reti­radas de uma das mais acla­madas canções de amor france­sas jamais escritas”. A indig­nação con­tra o absur­do cir­cu­lou inten­sa­mente na inter­net, com par­tic­i­pação das min­is­tras da Edu­cação e da Cul­tura. Para esta, trata­va-se de indis­cutív­el cen­sura: “Des­de quan­do é reli­gioso can­tar um hino ao amor?” Para aque­la, “ninguém muda as palavras de uma canção como essa. Na Provín­cia de Québec não há proibição do uso das palavras Deus ou Jesus. A canção é parte do repertório francó­fono. Inúmeras canções de Québec se ref­er­em a Deus.” Por­ta-voz da esco­la men­ciona­da defend­eu a decisão do pro­fes­sor: “a canção foi apre­sen­ta­da na ínte­gra. O pro­fes­sor disse às cri­anças que a refer­ên­cia a Deus seria removi­da da rep­re­sen­tação porque era prefer­ív­el dis­cu­tir o tema em casa ou durante cur­so de Cul­tura Éti­ca e Reli­giosa min­istra­do pela esco­la”. Alguém da dire­to­ria da esco­la obser­vou: “Para alguns a decisão pode­ria pare­cer chocante e até irra­cional”. Mas acres­cen­tou que os pro­fes­sores “estão pisan­do em ovos, quan­do se defrontam com temas como a aco­modação razoáv­el de crenças reli­giosas numa esco­la sec­u­lar”. O mes­mo dire­tor acres­cen­ta: “Não exis­tem man­u­ais, guias ou tex­tos legais para aju­dar o pro­fes­sor a tomar decisões em assun­to tão del­i­ca­do”. O Par­tido do Québec criti­cou o gov­er­no pela con­tro­vér­sia, diante da omis­são em fixar lin­has claras sobre “a razoáv­el aco­modação de religiões e cul­turas na sociedade do Québec”. Há quase qua­tro anos, o Relatório Bouchard-Tay­lor sobre Aco­modações Razoáveis ficou com­ple­to.

Até aqui, em essên­cia, a matéria do jor­nal canadense. Pas­so ago­ra a comen­tá-la e a sug­erir reflexões sobre o assun­to.

Ten­ho crit­i­ca­do ver­sos da belís­si­ma canção Imag­ine, de John Lennon, que sug­erem imag­i­nar o ser humano sem o Esta­do sober­a­no e sem religiões. Mas de modo algum admi­to que alguém cen­sure essas ou out­ras pas­sagens do com­pos­i­tor, no famoso con­jun­to musi­cal dos Beat­tles ou depois dele. Note-se que qual­quer razoáv­el aco­modação, para mostrar equi­líbrio, dev­e­ria trans­ferir os ver­sos de Lennon para dis­cussões em casa ou nas aulas de Éti­ca e Religião da esco­la. E como ficaria a canção de out­ro anti­go Beat­tle, George Har­ri­son: Oh Lord!My Sweet Lord!?

Mel­hor avançar racional­mente em out­ra direção. Não me ani­mei a entrar no difí­cil prob­le­ma dos dire­itos autorais no Canadá.

Emb­o­ra se trate de matéria reg­u­la­da por con­venções inter­na­cionais, cujas regras devem ser incluí­das nos país­es sig­natários dess­es acor­dos, sin­to maior firmeza ao tratar do assun­to em face do dire­ito pos­i­ti­vo brasileiro. Note-se que, mais do que em out­ros temas de natureza nacional pre­dom­i­nante, dire­itos autorais são pagos por obras literárias traduzi­das para out­ros país­es, assim como por gravações de músi­cas e vídeos de filmes além das fron­teiras de cada país.

Antes das nor­mas vigentes em nos­so país, pas­so ago­ra a out­ro fato de grande analo­gia com a sim­pli­fi­cação dos livros dos nos­sos escritores ilus­tres. Em jul­ho de 2009, apare­ceu nos Esta­dos Unidos, uma restored edi­tion– edição restau­ra­da − do livro pós­tu­mo de Hem­ing­way, fale­ci­do em 1961, The move­able feast(New York : Schrib­n­er, 2009). No Brasil, traduzi­do por Ênio Sil­veira, o livro se inti­t­u­la Paris é uma fes­ta(10. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009). Claro que se tra­ta de tradução de edição bem ante­ri­or, de 1964, provavel­mente. Até a edição dos EUA, de 2003, havia inteira con­cordân­cia com a ver­são brasileira cita­da. Espe­cial­mente no últi­mo capí­tu­lo, comum às duas: There is nev­er any end to Paris ou Paris con­tin­ua den­tro de nós, con­forme a tradução cita­da. O tre­cho deste capí­tu­lo, em que Hem­ing­way faz com­para­ção entre Hadley, sua primeira mul­her, e a segun­da, cujo nome nem é men­ciona­do (Pauline Pfeif­fer, mãe e avó de Patrick e Seán Hem­ing­way, par­tic­i­pantes da restored edi­tion), desa­pare­ceu. Sobre tal alter­ação pelos herdeiros, proibi­da pela nos­sa lei de dire­itos autorais de 1998 em vig­or, falarei adi­ante. A questão foi lev­an­ta­da no jor­nal The New York Timespelo ami­go e bió­grafo de Hem­ing­way, A. E. Hotch­n­er, matéria divul­ga­da pelo jor­nal O Esta­do de S. Paulode 2/8/09, que tam­bém pub­li­cou arti­go de Sér­gio Augus­to sobre o assun­to.

Se lá isso ocorre, seria pos­sív­el, no Brasil, a tradução da edição restau­ra­da ou alter­a­da de Paris é uma Fes­ta?

Cer­ta dis­tinção, já fei­ta pela dout­ri­na (por todos, Maria das Graças Ribeiro de Souza. O dire­ito moral do autor literário. – Dis­ser­tação de mestra­do. Belo Hor­i­zonte : Ed. da auto­ra, 1989), con­fir­ma-se na leg­is­lação: a dis­tinção entre os dire­itos morais e os dire­itos pat­ri­mo­ni­ais do autor (Lei n. 9.610, de 19/2/1998, arti­go 22). E mes­mo entre os da primeira espé­cie (arti­go 24 e seus incisos da referi­da lei), “por morte do autor” somente se trans­mitem “a seus suces­sores os dire­itos a que se ref­er­em os incisos I a IV”, quer diz­er: “I – o de reivin­dicar, a qual­quer tem­po, a auto­ria da obra; II – o de ter seu nome, pseudôn­i­mo ou sinal con­ven­cional indi­ca­do ou anun­ci­a­do, como sendo o autor, na uti­liza­ção de sua obra; III – o de con­ser­var a obra inédi­ta; IV – o de asse­gu­rar a inte­gri­dade da obra, opon­do-se a quais­quer mod­i­fi­cações ou à práti­ca de atos que, de qual­quer for­ma, pos­sam prej­u­dicá-la ou atin­gi-lo, como autor, em sua rep­utação ou hon­ra”. O § 1º do mes­mo arti­go 24 esta­b­elece: “Por morte do autor, trans­mitem-se a seus suces­sores os dire­itos a que se ref­er­em os incisos I a IV”, que acabam de ser tran­scritos. Logo, mes­mo tratan­do-se de dire­itos morais do autor, não se trans­fer­em: “V – o de mod­i­ficar a obra, antes ou depois de uti­liza­da; VI – o de reti­rar de cir­cu­lação a obra ou de sus­pender qual­quer for­ma de uti­liza­ção já autor­iza­da, quan­do a cir­cu­lação ou uti­liza­ção impli­carem afronta à sua rep­utação e imagem; VII – o de ter aces­so a exem­plar úni­co e raro da obra, quan­do se encon­tre legit­i­ma­mente em poder de out­rem, para o fim de, por meio de proces­so fotográ­fi­co ou assemel­ha­do, ou audio­vi­su­al, preser­var sua memória, de for­ma que cause o menor incon­ve­niente pos­sív­el a seu deten­tor, que, em todo caso, será ind­eniza­do de qual­quer dano ou pre­juí­zo que lhe seja cau­sa­do”. Não con­vém esque­cer que os “dire­itos morais do autor são inalienáveis e irre­nun­ciáveis” (arti­go 27).

Por out­ro lado, a Lei n. 7.347, de 24/7/1985 dis­ci­plina a ação civ­il públi­ca de respon­s­abil­i­dade por danos cau­sa­dos ao meio ambi­ente, ao con­sum­i­dor, a bens e dire­itos de val­or artís­ti­co, estéti­co, históri­co, turís­ti­co e pais­agís­ti­co. Em seu arti­go 1º, esta­b­elece que as dis­posições dessa lei, sem pre­juí­zo da ação pop­u­lar, reg­u­lam as ações de respon­s­abil­i­dade por danos morais e pat­ri­mo­ni­ais cau­sa­dos: “III – a bens e dire­itos de val­or artís­ti­co, estéti­co, históri­co, turís­ti­co e pais­agís­ti­co”. Tal ação, que inte­gra o chama­do Dire­ito Proces­su­al Con­sti­tu­cional, não visa ape­nas à con­de­nação pecu­niária, mas tam­bém ao “cumpri­men­to de obri­gação de faz­er ou não faz­er”. Para que se asse­gure o resul­ta­do práti­co do seu jul­ga­men­to, admite-se, nos casos de urgên­cia, o proces­so caute­lar, que evi­tará, pro­vi­so­ri­a­mente, o dano “aos bens e dire­itos de val­or artís­ti­co, estéti­co, históri­co” (arti­go 4º). A pri­or­itária legit­im­i­dade da atu­ação do Min­istério Públi­co se desta­ca ao lon­go do arti­go 5º: Con­sti­tui fac­ul­dade de qual­quer pes­soa e dev­er do servi­dor públi­co “provo­car a ini­cia­ti­va do Min­istério Públi­co, min­is­tran­do-lhe infor­mações sobre fatos que con­sti­tu­am obje­to da ação civ­il e indi­can­do-lhe os ele­men­tos de con­vicção” (art. 6º, acres­cen­tan­do, o art. 7º, a remes­sa de peças para proposi­tu­ra da ação civ­il públi­ca ao Min­istério Públi­co pelos órgãos juris­di­cionais que tiverem con­hec­i­men­to, no exer­cí­cio de suas funções, de fatos que pos­sam ense­jar tal deman­da judi­cial). Os dis­pos­i­tivos seguintes cuidam da doc­u­men­tação exigi­da para a ação civ­il públi­ca, seu even­tu­al arquiv­a­men­to e providên­cias do cur­so reg­u­lar do proces­so.

Em sín­tese, por­tan­to, ninguém pode mod­i­ficar a obra de qual­quer autor, por qual­quer moti­vo. Tra­ta-se de expressão da sua per­son­al­i­dade, algo como seu nome, sua imagem, sua própria vida. Quan­do cer­to com­pos­i­tor mostrou à Edith Piaf a músi­ca “Je ne regrette rien” (“Eu não lamen­to nada”), ela aceitou gravá-la na hora: “C’est ma vie!” (repetiu, no filme recente, a grande atriz Mar­i­on Cotil­lard). “É min­ha vida!” Mes­mo assim, nem a grande com­pos­i­to­ra de La Vie en Rosepode­ria mod­i­ficar, sem autor­iza­ção do autor, a músi­ca de sua vida. Muito menos poderá fazê-lo qual­quer mestre-esco­la, de qual­quer nív­el de for­mação.

Tudo isso faz lem­brar as ridícu­las fol­has de par­reira colo­cadas em museus sobre o sexo de fig­uras humanas ou mitológ­i­cas nuas. Mas sobre isso o grande Ana­tole France deixou a frase defin­i­ti­va: “É aos quadros de batal­has que se dev­e­ri­am aplicar par­ras, e não ao ven­tre de Vênus e dos Amores. Pro­screve­mos como crim­i­nosas as ima­gens suaves que nos insin­u­am nas veias o dese­jo cri­ador; e exal­ta­mos, em cada esquina, o bronze dos gen­erais que trans­for­maram a ter­ra em cemitério”.

Retorno ao começo, com out­ra pas­sagem do autor cita­do em epí­grafe: “Na sem­ana pas­sa­da foi alvo de críti­cas o pro­je­to da escrito­ra Patrí­cia Engel Sec­co, que teve apoio da Lei de Incen­ti­vo à Cul­tura para adap­tar obras de Macha­do de Assis para uma lin­guagem atu­al”.

Mes­mo no cam­po restri­to à ativi­dade pedagóg­i­ca, “Iuri Pereira, pro­fes­sor de Lit­er­atu­ra do Colé­gio Equipe… é con­trário às adap­tações: ‘Geral­mente a mudança reduz, sim­pli­fi­ca a obra’, diz” (cf. Vic­tor Vieira, ob. cit.). Note-se que não fal­ta até sug­estão de “ver­são em quadrin­hos”, como “estí­mu­lo para ler o clás­si­co”. O mes­mo Vic­tor Vieira pub­li­ca, no mes­mo local, arti­go com o títu­lo “Risco é subes­ti­mar a capaci­dade dos leitores”. E cita o pro­fes­sor de Lit­er­atu­ra da Une­sp, João Luís Cec­ca­n­ti­ni, “favoráv­el a adap­tar tex­tos anti­gos, como os da Idade Média ou de antes de Cristo”. Quan­to às obras mais recentes, como as do próprio Macha­do de Assis, “eu resis­to”, ele declara: “Esse tex­to está próx­i­mo de nós, do pon­to de vista literário e lin­guís­ti­co”. Não fal­ta, em Vic­tor Vieira, opinião de Vera Bas­tazin, coor­de­nado­ra do Pro­gra­ma de Pós-grad­u­ação em Lit­er­atu­ra e Críti­ca Literária da PUC-SP, cita­da pelo mes­mo Vieira, no sen­ti­do de que “o uso exces­si­vo de ver­sões rev­ela a fal­ta de intim­i­dade dos pro­fes­sores com os clás­si­cos”. Ela acres­cen­ta: “A adap­tação, muitas vezes, não é para o aluno, mas para quem dá aulas. A maio­r­ia dos pro­fes­sores não tem preparo e hábito de leitu­ra”. De resto, para ela, “há muitos pro­je­tos de gov­er­no que usam as adap­tações com visão sim­plista”. E ela final­iza: “Ao reduzir o taman­ho e facil­i­tar a obra, entende-se que todo mun­do vai gostar de ler. Isso é uma ilusão.”

Con­clusão: nem algo rela­ciona­do com a tal aco­modação razoáv­el do Canadá, nem a tol­erân­cia da edição restau­ra­da, dos EUA, nem as edições sim­pli­fi­cadas dos nos­sos autores clás­si­cos podem afas­tar o princí­pio jurídi­co do nos­so dire­ito con­sis­tente na inal­ter­abil­i­dade da obra literária como dire­ito moral do autor.

* Tit­u­lar da Cadeira Alfre­do de Araújo Lopes da Cos­ta  da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito Mestre e Doutor em Dire­ito (USP)