Mais de cem povos indí­ge­nas brasileiros reúnem-se em torno do Man­i­festo que pode ser lido a seguir.

Uma demon­stração de cor­agem e de enga­ja­men­to políti­co, que apon­ta o cam­in­ho da defe­sa dos dire­itos da Ter­ra e dos deveres dos seres humanos em relação à natureza e o exem­p­lo de uma relação duradoura e suten­táv­el.

A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito vem acom­pan­han­do esse lev­ante democráti­co e apoia a ini­cia­ti­va, con­dizente com a pro­pos­ta do novo Gov­er­no democráti­co, recém-eleito, que trará o impor­tante Min­istério dos Povos Orig­inários, em demon­stração de sin­to­nia com “os povos indí­ge­nas, ver­dadeiros donos da ter­ra brasileira,” como afir­ma Alfre­do Attié, Pres­i­dente da Acad­e­mia paulista de Dire­ito. Para Sassá Tupinam­bá, líder indí­ge­na pro­fun­da­mente conec­ta­do com as tradições e enga­ja­do na defe­sa dos povos orig­inários, é um momen­to impor­tante de avançar em con­quis­tas e “reparar uma dívi­da de mais de quin­hen­tos anos de perseguição e invis­i­bi­liza­ção.

 

Leia a seguir o doc­u­men­to —  que é com­ple­men­ta­do pela Nota rel­a­ti­va à par­tic­i­pação e à experi­iên­cia plur­al e inter­sec­cional, no movi­men­to de con­strução e de afir­mação dos Povos orig­inários:

 

“Pin­do­maraí (Brasil), 25 de novem­bro de 2022.

 

Carta-Manifesto dos Povos Indígenas

em Contexto Urbano, Aldeias,

Comunidades e territórios afins,

ao Governo Federal Democrático Eleito em 2022.

 

1- Quem somos?

Diante da con­jun­tu­ra em que nos encon­tramos, tan­to aqui no país colo­nial no qual vive­mos assim como em grande parte do mun­do, surgem ondas de ascen­são fascista no con­tex­to da grande crise ambi­en­tal do cap­i­tal­is­mo, que a cada perío­do se agra­va de for­ma expo­nen­cial. Con­sideran­do a nos­sa luta recente e ain­da atu­al para debe­lar o gov­er­no fascista que se apos­sou do esta­do colono-cap­i­tal­ista brasileiro, num esforço cada vez mais necessário e cada vez mais ampla­mente cole­ti­vo pela lib­er­tação de Pin­do­ra­maí (Brasil).

Dito isso, diante da emergên­cia do novo gov­er­no de tran­sição de frente ampla que venceu as últi­mas eleições, como parte do sis­tema de forças políti­cas que se apre­sen­taram e se artic­u­laram para o enfrenta­men­to ao naz­i­fas­cis­mo, através do proces­so eleitoral de out­ubro pas­sa­do, neste ano de 2022, eis pois que surge essa Car­ta-Man­i­festo para con­hec­i­men­to de todos.

Diante das deman­das sec­u­lares por eman­ci­pação das nações indí­ge­nas, agre­di­das e vio­len­tadas em sua inte­gri­dade, dev­as­tadas pelo mod­e­lo civ­i­liza­tório de morte e destru­ição ambi­en­tal, sub­ju­gadas pelo proces­so necrop­olíti­co colo­nial, cap­i­tal­ista, ten­do em vista, ade­mais, as sin­gu­lar­i­dades econômi­cas, cul­tur­ais, históri­c­as, ecológ­i­cas, espir­i­tu­ais e políti­cas vivi­das pelas pop­u­lações indí­ge­nas, obri­gadas a viv­er sob o mal­fada­do Con­tex­to Urbano, corolário per­ver­so e crim­i­noso da invasão européia oci­den­tal ini­ci­a­da entre 1492 e 1500 – pop­u­lações essas das quais faze­mos parte.

Per­ante as nos­sas condições de existên­cia, ao apaga­men­to, ao silen­ci­a­men­to, invis­i­bil­i­dade, racis­mo e geno-etnocí­dio a que fomos e ain­da somos per­ma­nen­te­mente sub­meti­dos, inclu­sive em face da divisão arti­fi­ciosa­mente cri­a­da e per­pet­u­a­da pelos col­o­nizadores entre nós indí­ge­nas, seme­an­do pre­con­ceitos racis­tas que não se sus­ten­tam face às nos­sas Cos­mogo­nias e Cos­mop­er­cepções de mun­do, mas que per­me­iam e alcançam, tais divisões, ao inte­ri­or das aldeias, em comu­nidades, nas flo­restas restantes, nós, em Con­tex­to Urbano, resis­ti­mos cer­ca­dos e siti­a­dos pelo asfal­to e o con­cre­to das grandes e peque­nas cidades erguidas sobre o solo de nos­sas aldeias inva­di­das e dev­as­tadas.

É em face a tudo isso, sen­síveis à força e à luz dos nos­sos Encan­ta­dos, que nos dizem: “Avancem! Avancem!”.

Ante à nos­sa ances­tral­i­dade e a história de nos­sas lutas e resistên­cias a este cru­el e bru­tal proces­so de col­o­niza­ção, surge, então, a neces­si­dade imper­a­ti­va de nos jun­tar­mos e nos orga­ni­zarmos ain­da mais, todos nós indí­ge­nas, para anal­is­ar­mos o con­jun­to políti­co e históri­co de nos­sa real­i­dade vivi­da, com­preen­der­mos quem somos, definin­do clara­mente o que quer­e­mos e nos orga­ni­zarmos para a luta de lib­er­tação de nos­sos cor­pos indí­ge­nas, nos­sas espir­i­tu­al­i­dades e ances­tral­i­dades, e ain­da pela expul­são do colono-cap­i­tal­ista de nos­sas ter­ras, de nos­so ter­ritório sagra­do ances­tral.

Por tudo isso, pre­cisamos nos posi­cionar diante da história e da atu­al con­jun­tu­ra em que nos encon­tramos, dizen­do aos nos­sos povos, à sociedade colo­nial de ocu­pação, ao esta­do colo­nial brasileiro e ao novo gov­er­no que se ini­cia, quais são as nos­sas deman­das, pro­postas, reivin­di­cações, neces­si­dades, e, em resumo, o que bus­camos, o que quer­e­mos.

Esta car­ta visa apre­sen­tar, sobre­tu­do aos nos­sos povos indí­ge­nas, assim como, ao novo gov­er­no que se con­sti­tui como força antifascista e se declara favoráv­el aos Povos Orig­inários, as nos­sas posições políti­cas e planos de luta, para recon­hec­i­men­to e val­i­dação, por nós mes­mos e pelo con­jun­to da sociedade envol­vente, de nos­sa existên­cia nas cidades, a lib­er­tação de PINDORAMA, e de todo o con­ti­nente.

 

2- Nhande ‘Anga nhe’eng

Ao lon­go dos últi­mos qua­tro anos sofre­mos ataques de todas as partes, violan­do sis­tem­ati­ca­mente os nos­sos dire­itos garan­ti­dos pela Con­sti­tu­ição de 1988 e rat­i­fi­ca­dos pela Con­venção 169 da OIT.

Por inér­cia dos gov­er­nos ante­ri­ores vimos nos­so dire­ito impre­scritív­el aos ter­ritórios ances­trais sendo dev­as­ta­do e arrasa­do por grandes con­glom­er­a­dos, pecuar­is­tas, latifundiários/agronegocistas, min­er­ado­ras, garimpeiros e madeireiros, entre out­ros gru­pos saque­adores, des­de o pau brasil até o nióbio, des­de 1500 até os dias de hoje, sob o olhar conivente e con­de­scen­dente de grande parte da ban­ca­da con­gres­sista.

Tive­mos nos­sas flo­restas queimadas numa veloci­dade impres­sio­n­ante, dados que podem ser ver­i­fi­ca­dos pelos satélites do INPE. E tive­mos mais: a FUNAI, órgão que dev­e­ria garan­tir nos­sos  dire­itos, pas­san­do a emi­tir pare­ceres tec­nicis­tas fraud­u­len­tos para cercear o dire­ito fun­da­men­tal ao recon­hec­i­men­to étni­co e omis­sos em pro­te­ger os ter­ritórios já demar­ca­dos e homolo­ga­dos, pre­var­i­can­do e par­al­isan­do todos os proces­sos de demar­cação em cur­so.

Se não respeitam ou dis­torcem as leg­is­lações, garan­ti­re­mos nos­so dire­ito inalienáv­el e incon­teste através da luta pela preser­vação e manutenção dos ter­ritórios.

Mais ain­da, acred­i­ta­mos que podemos alcançar a paz dos dire­itos recon­heci­dos e aten­di­dos por meio do diál­o­go com o novo gov­er­no que se ini­cia.

Até ago­ra, o que temos vis­to é o esta­do se negan­do a pro­te­ger a saúde dos indí­ge­nas em con­tex­to urbano, além de ten­ta­ti­vas de aprovar o Mar­co Tem­po­ral, a PL 490 e a flex­i­bi­liza­ção dos critérios de licen­ci­a­men­to ambi­en­tal no âmbito e no entorno das cidades e unidades de con­ser­vação.

Assis­ti­mos nos­sos povos mor­rerem pela COVID-19 (doença do coro­n­avírus) por omis­são de estru­turas lig­adas à saúde públi­ca, e à sone­gação de vaci­nas; tive­mos o dire­ito à água potáv­el nega­do assim como de out­ras políti­cas públi­cas essen­ci­ais à garan­tia da vida. Ações orquestradas com a final­i­dade sec­u­lar de nos exter­mi­nar como povos orig­inários e tomar nos­sas matas e ter­ritórios, de modo a eternizar o saque­io das riquezas de nos­sas ter­ras, de nos­so con­ti­nente Pindoramasu/Abya Yala (Améri­c­as).

Tudo isso é parte dessa escal­a­da de vio­lên­cia e de graves atro­pe­los aos dire­itos humanos con­tem­pla­dos, inclu­sive, em leg­is­lações inter­na­cionais das quais o esta­do brasileiro é sig­natário.

Uma guer­ra que nun­ca ter­mi­nou e que nos diz­ima físi­ca, cul­tur­al e espir­i­tual­mente há 522 anos.

Nos­sa ances­tral­i­dade nos chama para luta e, em todas as cidades, indí­ge­nas das mais diver­sas raízes orig­inárias de Pin­do­ra­maí se lev­an­tam e se recon­hecem como parte dess­es povos que lutam para defend­er out­ras pos­si­bil­i­dades de mun­dos, de sociedades, de out­ras econo­mias, out­ras for­mas de ser, de estar e de coex­i­s­tir no mun­do.

Acor­da­dos e vig­i­lantes traze­mos nos­sos cor­pos, nos­sa ‘anga, nos­sa nhe’eng, nos­sas vozes e ances­tral­i­dades para reivin­dicar políti­cas públi­cas que nos con­tem­plem em todos os con­tex­tos e especi­fi­ca­mente nos vis­i­bi­lizem no con­tex­to das cidades, onde fomos obri­ga­dos a viv­er, como resul­ta­do dire­to da invasão e da col­o­niza­ção descritas ante­ri­or­mente.

Os atu­ais lev­an­ta­men­tos do Cen­so 2022, ain­da com resul­ta­dos par­ci­ais, já apon­tam para um aumen­to das pop­u­lações indí­ge­nas no ger­al e para a sua pre­dom­inân­cia e con­cen­tração nas zonas urbanas.

Se o Esta­do e as orga­ni­za­ções da sociedade colo­nial nos descon­hecem, nós nos ergue­mos e ergue­mos as nos­sas vozes para nos apre­sen­tar como Movi­men­to Livre e Pop­u­lar dos Indí­ge­nas em Con­tex­to Urbano, que pen­sa pro­postas para políti­cas públi­cas e auto-afir­ma­ti­vas para nos­sos povos.

Nós, indí­ge­nas que vive­mos no famiger­a­do con­tex­to urbano, ter­ra des­flo­resta­da e enve­ne­na­da, ambi­en­tal­mente des­or­ga­ni­za­da pela ganân­cia do homem euro col­o­nizador, expres­samos com veemên­cia nos­so anseio de que as cidades se tornem, out­ra vez, comu­nidades e ter­ritórios acol­he­do­res às nos­sas bio­di­ver­si­dade nat­u­rais, às nos­sas diver­si­dades cul­tur­ais, espir­i­tu­ais e ances­trais, real­izan­do a par­tir de políti­cas públi­cas sérias e ver­dadeira­mente com­pro­meti­das com os Povos Orig­inários de Pin­do­ra­maí; políti­cas essas traçadas a par­tir do diál­o­go amp­lo e cole­ti­vo, envol­ven­do as bases das pop­u­lações indí­ge­nas, nas aldeias, nos cam­pos e nas cidades.

Bem como as per­son­al­i­dades indí­ge­nas que irão nos rep­re­sen­tar em Brasília a par­tir da fun­dação do Min­istério dos Povos Orig­inários, assim como, de maneira ger­al, con­gres­sis­tas e leg­is­ladores.

As trans­for­mações ambi­en­tais (no social e no nat­ur­al) necessárias à recon­sti­tu­ição de nos­sas teias da vida, nos­sas flo­restas, nos­sos rios, nos­sos ter­ritórios e nos­sas comu­nidades e aldeias.

3- Apre­sen­tação de pro­postas e reivin­di­cações

Nhan­dereko

Des­de a invasão, vimos nos­sa sobera­nia e dire­itos de povos Orig­inários serem vio­len­ta­dos um a um.

A cada avanço dos inva­sores por nos­so ter­ritório aden­tro, ano a ano, déca­da a déca­da, sécu­lo a sécu­lo, pela crim­i­nosa e per­ver­sa ação de ban­deirantes e out­ros explo­radores fomos sendo feitos escravos, cate­quiza­dos pelos jesuí­tas e out­ros reli­giosos, ten­do as nos­sas aldeias, ter­ritórios e cul­turas dev­as­ta­dos pela ganân­cia do lucro trazi­da pelo homem bran­co, que veio da Europa.

 

Nhan­dereko (nhande katu rekó)

Um out­ro exem­p­lo de ataque aos povos indí­ge­nas: A par­tir dos Diretórios Índios de 1755, impos­to pelo Mar­quês de Pom­bal, como parte do proces­so in con­tin­u­um ini­ci­a­do em 1500, vimos nos­sa sobera­nia e dire­itos de Povos Orig­inários serem vio­len­ta­dos um a um, perdemos nos­so dire­ito às lín­guas nati­vas, nos­sa tradi­cional e cole­ti­va for­ma de nos orga­ni­zarmos, nos­sos nomes orig­inários, nos­sas espir­i­tu­al­i­dades e per­tenci­men­tos étni­cos proibidos. E sem­pre enfrenta­mos esse mas­sacre por meio da nos­sa des­obe­diên­cia e resistên­cia sig­nifi­ca­va à morte.

Colo­ca­dos no não-lugar do par­do ou assim­i­la­dos na cul­tura do inva­sor como bran­cos ou pre­tos, fomos invis­i­bi­liza­dos nas mul­ti­dões das cidades e suas per­ife­rias, e, ao perder a iden­ti­dade de povos indí­ge­nas, tam­bém nos roubaram nos­sos dire­itos.

Nhan­dereko (nhande katu rekó). Bem viv­er. Eis o que bus­camos recu­per­ar para todos os nos­sos

povos!

E durante todos estes sécu­los temos exis­ti­do, resis­ti­do e luta­do pela retoma­da de nos­so ter­ritório de Pin­do­ra­ma­su, tam­bém denom­i­na­do Abya Yala, e por nos­sos dire­itos orig­inários.

Por todas essas nos­sas lutas, con­quis­ta­mos algu­mas vitórias par­ci­ais. Uma delas foi inserir na Con­sti­tu­ição de 1988 algu­mas garan­tias para os nos­sos povos.

Ago­ra, a atu­al Con­sti­tu­ição do Esta­do Colo­nial Brasileiro nos garante algu­mas das nos­sas reivin­di­cações. Mas muitas delas, ape­sar de con­star na con­sti­tu­ição e nas leis, não são cumpri­das pelos gov­er­nos e órgãos, como a Funai e a Sesai. Não nos adi­anta promes­sas de que irão, ago­ra, nos aten­der. Quer­e­mos ver as ati­tudes do novo gov­er­no e da sociedade colo­nial brasileira daqui para a frente. Por isso esta­mos nova­mente nos lev­an­tan­do e recon­hecen­do, e res­gatan­do nos­sa iden­ti­dade etni­co-racial. Exigi­mos a reparação de nos­sos dire­itos ao nhan­dereko, ao bem viv­er ances­tral que resiste e ain­da existe em nós.

 

🌱 A) Bem-viv­er e Autode­clar­ação

Devolução, reparação históri­ca, recom­posição e restau­ração de nos­sos ter­ritórios.

- Respeito à autode­ter­mi­nação e à autode­clar­ação como princí­pio fun­da­men­tal do dire­ito indí­ge­na.

- Cadas­tra­men­to de recon­hec­i­men­to étni­co obri­gatório em todos os municí­pios.

- Inclusão obri­gatória nos reg­istros car­to­ri­ais ofi­ci­ais de nos­sos nomes e etnias.

 

🌱 B) Bem-Viv­er e Saúde

- Sis­tema de saúde indí­ge­na nas áreas urbanas assim como nas aldeias, com ver­bas próprias e sufi­cientes, des­de a saúde pre­ven­ti­va e a atenção bási­ca até a média e alta com­plex­i­dade, com a con­strução de hos­pi­tais e cen­tros de saúde ade­qua­dos para asse­gu­rar a deman­da de toda a pop­u­lação indí­ge­na, nas cidades, regiões de flo­restas, aldeias e zonas rurais.

- Garan­tia de inclusão neste sis­tema de indí­ge­nas como gestores, profis­sion­ais de saúde dos níveis téc­ni­co e supe­ri­or, com inves­ti­men­tos em for­mação.

- Garan­tia de que as med­i­c­i­nas orig­inárias e tradi­cionais dos povos indí­ge­nas e seus espe­cial­is­tas ten­ham livre aces­so aos hos­pi­tais, pos­tos e cen­tros de saúde para exercerem as suas curas em pé de igual­dade com médi­cos, ter­apeu­tas e trata­men­tos não indí­ge­nas.

- Políti­cas e ver­bas próprias para os indí­ge­nas com defi­ciên­cia e os por­ta­dores de neces­si­dades especí­fi­cas.

 

🌱 C) Bem-viv­er e Edu­cação Decolonial/Contracolonial

- Insti­tu­ição de esco­las de lín­guas nati­vas orig­inárias, bilíngues e mul­ti­língues nas cidades, áreas urbanas, rurais e aldeias, em todos os níveis e modal­i­dades de ensi­no: da pré-esco­la até a pós grad­u­ação, com ver­bas próprias inseri­das no orça­men­to da União, esta­dos e municí­pios.

- Res­gate de nos­sa história, habeas data de nos­sas doc­u­men­tações, artefatos e lín­guas por meio de inves­ti­men­to dire­to do esta­do em esco­las, nos cen­tros urbanos, com ensi­no de lín­guas nati­vas min­istradas por pro­fes­sores indí­ge­nas.*

 

🌱 D) Bem-viv­er, Cul­tura e Espir­i­tu­al­i­dade

- Reparação de nos­sas espir­i­tu­al­i­dades com a con­strução de cen­tros de pesquisa e doc­u­men­tação, cul­tura e espir­i­tu­al­i­dade indí­ge­nas em todos os municí­pios, com deter­mi­nação de ver­bas para fomen­to e divul­gação de nos­sas cul­turas.

 

🌱 E) Bem-viv­er, Esta­do Plurinacional/Pluriétnico e Ter­ritório

- Poder Pop­u­lar Indí­ge­na: Orga­ni­za­ção de estru­turas de auto­gestão ofi­cial baseadas nas tec­nolo­gias políti­cas orig­inárias de Pin­do­ra­maí. Recon­hecer nos­sas práti­cas ances­trais das assem­bleias den­tro das aldeias, em con­jun­to com aldeias, das etnias e nações, repli­can­do isso para as cidades, ter­ritórios estad­u­ais e para todo o ter­ritório nacional, onde as pop­u­lações estu­dem, debatam e deci­dam, por meio de plebisc­i­tos, ref­er­en­dos e con­sul­tas pop­u­lares, não ape­nas sobre apli­cação de parce­las do orça­men­to, mas sobre todo o orça­men­to, sobre leis e políti­cas públi­cas de esta­do, nas diver­sas áreas: econo­mia, cul­tura, edu­cação, saúde, meio ambi­ente (que per­pas­sa todas as áreas), etc.

- Insti­tu­ição do Con­gres­so Nacional Indí­ge­na Pluriét­ni­co Per­ma­nente (CONIPP), como fórum per­ma­nente de reper­cussão e ampli­fi­cação nacional, por todo o ter­ritório de Pin­do­ra­ma, das deman­das, pro­postas, reivin­di­cações e neces­si­dades das pop­u­lações indí­ge­nas das cidades, das aldeias e das zonas rurais, em artic­u­lação com o Sis­tema de Poder Pop­u­lar Indí­ge­na (SIPOPI).

- Insti­tu­ição, por emen­da con­sti­tu­cional, crian­do e ofi­cial­izan­do as Forças Reg­u­lares de Autode­fe­sa dos Povos Indí­ge­nas (FORAPI).

- Garan­tir e pro­mover o debate e o encam­in­hamen­to sobre Esta­do e Sociedade Pluri­na­cionais e Pluriét­ni­cos.

- Recon­hec­i­men­to ter­ri­to­r­i­al de todas as unidades de con­ser­vação do ter­ritório nacional como Ter­ritórios Indí­ge­nas (T.Is), tor­nan­do obri­gatória a con­sul­ta aos povos orig­inários aos quais os ter­ritórios per­tencem ances­tral­mente e impre­s­critivel­mente, sobre seu mane­jo e uti­liza­ção.

 

4 — Resti­tuir, recom­por e reparar

Acred­i­ta­mos que o con­ceito de Ter­ritório for­mu­la­do con­sti­tu­cional­mente como porções de ter­ras sem autono­mia e/ou autode­ter­mi­nação sober­ana dos povos orig­inários, deva ser sub­meti­do a uma análise exaus­ti­va para exi­gir de parte do Esta­do Brasileiro o recon­hec­i­men­to destes difer­entes ter­ritórios como ter­ritórios indí­ge­nas, res­gatan­do inclu­sive, suas nomen­clat­uras orig­inárias.

Na Res­olução 1/2 da ONU de 29 de jun­ho de 2006, aprova­da na 107ª Sessão Plenária em 13 de setem­bro de 2007 diz-se:

“pará­grafo VI: Pre­ocu­pa­da (a Plenária) com o fato de os povos indí­ge­nas terem sofri­do injustiças históri­c­as como resul­ta­do, entre out­ras coisas, da col­o­niza­ção e da sub­tração de suas ter­ras, ter­ritórios e recur­sos, o que lhes tem impe­di­do de exercer, em espe­cial, seu dire­ito ao desen­volvi­men­to, em con­formi­dade com suas próprias neces­si­dades e inter­ess­es.

A par­tir desse pres­su­pos­to é prováv­el a com­preen­são de que a resti­tu­ição ter­ri­to­r­i­al pro­move redis­cu­tir as cat­e­go­rias de ter­ra, ter­ritório e ter­ri­to­ri­al­i­dade, his­tori­ca­mente nomen­clat­uras usurpadas medi­ante mecan­is­mos legais que sub­jazem aos fun­da­men­tos teológi­co-políti­cos fun­dantes na cri­stan­dade oci­den­tal, prin­ci­pal­mente de Roma e logo, mais tarde, sis­tem­ati­za­dos pela éti­ca protes­tante. Com isso, acabaram por dester­ri­to­ri­alizar os povos orig­inários que já moravam em Pin­do­ra­ma, crian­do mecan­is­mos basea­d­os no dire­ito pos­i­ti­vo para con­sol­i­dar o pat­ri­mo­ni­al­is­mo e o

pro­pri­etaris­mo exis­tente até os dias atu­ais.

O pará­grafo 10 da Res­olução  da ONU sobre a Declar­ação das Nações Unidas sobre Dire­ito dos Povos Orig­inários esta­b­elece que:

Con­ven­ci­da de que o con­t­role, pelos povos indí­ge­nas, dos acon­tec­i­men­tos que os afe­tam e as suas ter­ras, ter­ritórios e recur­sos lhes per­mi­tirá man­ter e reforçar suas insti­tu­ições, cul­turas e tradições e pro­mover seu desen­volvi­men­to de acor­do com suas aspi­rações e neces­si­dades.

É a par­tir desse pos­tu­la­do que podemos pen­sar em recom­posição das comu­nidades como o espíri­to de justiça-jus­ta para que os difer­entes povos e nações orig­inárias pos­sam viv­er segun­do as dire­trizes que sejam con­for­madas “de” e “para” os povos orig­inários em matéria de hábitos cul­tur­ais, med­i­c­i­nais e tri­bunais, de per­tenci­men­to e de legit­im­i­dade do Esta­do Brasileiro em face a uma aber­tu­ra de diál­o­go acer­ca do Esta­do Pluri­na­cional e Pluriét­ni­co medi­ante pro­to­co­lo de con­sul­ta dos povos orig­inários para emen­da con­sti­tu­cional. Fato é que, com os seus ter­ritórios devolvi­dos, é pos­sív­el avançar no leque da reparação históri­ca que se ini­cia com a devo­lu­ta de ter­ras e ter­ritórios nos quais as difer­entes etnias e nações, pos­sam esta­b­ele­cer seu poder de man­do den­tro da cir­cun­scrição.

Exem­p­lo de resti­tu­ição ter­ri­to­r­i­al (aqui ape­nas como exem­p­lo grá­fi­co) é a des­ig­nação do ter­ritório atual­mente dom­i­na­do pelo Esta­do Chileno onde os povos Mapuch­es de Wallma­pu habitam e rede­finem seus ter­ritórios medi­ante e com o aval da jurisprudên­cia daque­le Esta­do-Nação, como “rewe” (ter­ritório ances­tral) e “lof” (comu­nidade orig­inária).

Dá-se iní­cio ao proces­so de reivin­di­cação e devo­lu­ta de ter­ras usurpadas pelo col­o­nizador e cristal­iza­da medi­ante decre­to no final do Sécu­lo XIX, algo sim­i­lar com a denom­i­na­da “Lei de Repar­tição de Ter­ras” no Brasil de 1850, igual­mente, ao ressarci­men­to de parte do Esta­do (a exem­p­lo do Canadá) ou ao dire­ito de obter parte dos trib­u­tos nacionais (a exem­p­lo da Aus­trália) para que as difer­entes comu­nidades pos­sam se desen­volver de for­ma autôno­ma e eman­ci­patória.

O Art 1º da cita­da  Declar­ação da ONU deixa a olho nu a importân­cia de que a resti­tu­ição ter­ri­to­r­i­al ven­ha acom­pan­ha­da com a recom­posição das comu­nidades emb­o­ra, em con­tex­tos diver­si­fi­ca­dos (urbano, rur­al, flo­res­ta e out­ros) a fim de se con­sti­tuírem legit­i­ma­mente como povos com dire­ito a estarem den­tro de suas ter­ras e ter­ritórios, afir­man­do nos arti­gos pos­te­ri­ores, a obri­gação do Esta­do (neste caso) Brasileiro de pro­mover, pro­te­ger e amparar os povos indí­ge­nas segun­do suas próprias leis e da qual o Esta­do Nacional não deve inter­vir ou ter algum tipo de ingerên­cia. Isto ape­nas remon­tan­do os Dire­itos dos Povos Orig­inários do qual o Brasil é sig­natário.

Se con­sid­er­ar­mos os Arti­gos 231 e 232 da Con­sti­tu­ição Fed­er­al do Esta­do Brasileiro, vê-se na mes­ma a pre­mis­sa fun­dante dos dire­itos indí­ge­nas sobre as nos­sas ter­ras tradi­cionais.

Em par­tic­u­lar, para os indí­ge­nas situ­a­dos em zonas urbanas, face aos mas­sacres e as dester­ri­to­ri­al­iza­ções, tornar-se-ia mais gri­tante a urgente neces­si­dade de devolução e restau­ração de nos­sas ter­ras, aldeias, comu­nidades e ter­ritórios orig­inários, usurpa­dos pelo proces­so col­o­niza­tório ou a recon­hecer den­tro das zonas urbanas, ter­ritórios nos quais este­jam povos orig­inários de diver­sas nações e etnias viven­do e coex­istin­do sem detri­men­to de suas lín­guas, hábitos cul­tur­ais e espir­i­tu­ais.

 

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Dis­pos­i­tivos Nor­ma­tivos

Con­sti­tu­ição Fed­er­al Capí­tu­lo VIII — DOS ÍNDIOS (ARTS. 231 E 232)

Tex­to do Capí­tu­lo Art. 231: “São recon­heci­dos aos índios sua orga­ni­za­ção social, cos­tumes, lín­guas, crenças e tradições, e os dire­itos orig­inários sobre as ter­ras que tradi­cional­mente ocu­pam, com­petindo à União demar­cá-las, pro­te­ger e faz­er respeitar todos os seus bens.”

· Decre­to nº 1141, de 19.5.1994, que dis­põe sobre as ações de pro­teção ambi­en­tal, saúde e apoio às ativi­dades pro­du­ti­vas para as comu­nidades indí­ge­nas.

· Lei nº 6001, de 19.12.1973, que dis­põe sobre o Estatu­to do Índio.

· Decre­to nº 564, de 8.6.1992, que apro­va o Estatu­to da Fun­dação Nacional do Índio (Funai) e dá out­ras providên­cias.

· Decre­to nº 3156, de 27.8.1999, que dis­põe sobre as condições para a prestação de assistên­cia saúde dos povos indí­ge­nas no âmbito do Sis­tema Úni­co de Saúde (SUS), pelo Min­istério da Saúde, altera dis­pos­i­tivos dos Decre­tos nºs 564, de 8 de jun­ho de 1992 e 1141, de 19 de maio de 1994, e dá out­ras providên­cias.

§ 1º — São ter­ras tradi­cional­mente ocu­padas pelos índios as por eles habitadas em caráter per­ma­nente, as uti­lizadas para suas ativi­dades pro­du­ti­vas, as impre­scindíveis à preser­vação dos recur­sos ambi­en­tais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua repro­dução físi­ca e cul­tur­al, segun­do seus usos, cos­tumes e tradições.

§ 2º — As ter­ras tradi­cional­mente ocu­padas pelos índios des­ti­nam-se a sua posse per­ma­nente, caben­do-lhes o usufru­to exclu­si­vo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas exis­tentes.

§ 3º — O aproveita­men­to dos recur­sos hídri­cos, incluí­dos os poten­ci­ais energéti­cos, a pesquisa e a lavra das riquezas min­erais em ter­ras indí­ge­nas só podem ser efe­ti­va­dos com autor­iza­ção do Con­gres­so Nacional, ouvi­das as comu­nidades afe­tadas, fican­do-lhes asse­gu­ra­da par­tic­i­pação nos resul­ta­dos da lavra, na for­ma da lei.

§ 4º — As ter­ras de que tra­ta este arti­go são inalienáveis e indisponíveis, e os dire­itos sobre elas, impre­scritíveis.

§ 5º — É veda­da a remoção dos gru­pos indí­ge­nas de suas ter­ras, sal­vo, ad ref­er­en­dum do Con­gres­so Nacional, em caso de catástrofe ou epi­demia que pon­ha em risco sua pop­u­lação, ou no inter­esse da sobera­nia do País, após delib­er­ação do Con­gres­so Nacional, garan­ti­do, em qual­quer hipótese, o retorno ime­di­a­to logo que cesse o risco.

§ 6º — São nulos e extin­tos, não pro­duzin­do efeitos jurídi­cos, os atos que ten­ham por obje­to a ocu­pação, o domínio e a posse das ter­ras a que se ref­ere este arti­go, ou a explo­ração das riquezas nat­u­rais do solo, dos rios e dos lagos nelas exis­tentes, ressal­va­do rel­e­vante inter­esse públi­co da União, segun­do o que dis­puser lei com­ple­men­tar, não geran­do a nul­i­dade e a extinção dire­ito a  ind­eniza­ção ou a ações con­tra a União, sal­vo, na for­ma da lei, quan­to às ben­feito­rias derivadas da ocu­pação de boa-fé.

§ 7º — Não se apli­ca às ter­ras indí­ge­nas o dis­pos­to no art. 174, §§ 3º e 4º.

Do tex­to do Capí­tu­lo Art. 232 extrai-se que os índios, suas comu­nidades e orga­ni­za­ções são partes legí­ti­mas para ingres­sar em juí­zo em defe­sa de seus dire­itos e inter­ess­es, inter­vin­do o Min­istério Públi­co em todos os atos do proces­so.”