No arti­go a seguir, impor­tante reflexão, pub­li­ca­da orig­i­nal­mente em Brasil de Fato, o Pro­fes­sor e Pesquisador Jorge Bran­co empreende uma críti­ca da ten­ta­ti­va de o dis­cur­so con­ser­vador, exem­pli­fi­ca­do em edi­to­r­i­al do jor­nal O Esta­do de S. Paulo, desvin­cu­lar-se da práti­ca e da retóri­ca da extrema-dire­i­ta brasileira, vin­cu­la­da ao bol­sonar­is­mo.

Para o cien­tista social e Dire­tor Exec­u­ti­vo da Revista Democ­ra­cia e Dire­itos Fun­da­men­tais, pub­li­cação do Insti­tu­to Novos Par­a­dig­mas, o con­ser­vadoris­mo sem­pre esteve conec­ta­do com lib­er­al­is­mo, que jamais hes­i­tou em pre­scindir da democ­ra­cia, em nome da defe­sa da pro­priedade.

 

“Não é tão fácil se separar da extrema-direita”

Jorge Branco

O jor­nal O Esta­do de São Paulo pub­li­cou, em 3 de jul­ho de 2023, um edi­to­r­i­al, cujo títu­lo é A rein­venção da dire­i­ta brasileira. Em tal edi­to­r­i­al, o jor­nal – que des­de a Repúbli­ca Vel­ha se man­tém per­sis­ten­te­mente vin­cu­la­do às oli­gar­quias e seus sucedâ­neos – defende a tese de que a recente dec­re­tação de ineleg­i­bil­i­dade de Jair Bol­sonaro seria uma aber­tu­ra de opor­tu­nidade políti­ca para que a dire­i­ta ver­dadeira­mente con­ser­vado­ra renasça.

Con­sid­era, o edi­to­r­i­al, que Jair Bol­sonaro não é uma expressão do que seria um con­ser­vadoris­mo ver­dadeiro. Deduz-se pelo tex­to que o con­ser­vadoris­mo estaria vin­cu­la­do ao lib­er­al­is­mo e este, por sua vez, aparta­do das ide­olo­gias. As ide­olo­gias, aliás, teri­am cau­sa­do o grave prob­le­ma da dis­torção do con­ceito de lib­er­al­is­mo.

Pugna por algum tipo de revisão autocríti­ca do con­ser­vadoris­mo brasileiro “recon­hecen­do sua com­placên­cia em relação às desigual­dades soci­ais”. Afir­ma que os pilares desse ver­dadeiro con­ser­vadoris­mo seri­am os val­ores do que seria a iden­ti­dade do lib­er­al­is­mo: plu­ral­i­dade da sociedade, pro­gres­so por meio de refor­mas, descon­fi­ança da con­cen­tração de poder e defe­sa dos dire­itos pes­soais, políti­cos e de pro­priedade.

O Estadão lança mão de um bati­do, mas nem por isso inefi­caz, estrat­a­ge­ma ide­ológi­co. Des­cre­den­ciar como ide­olo­gia todas as asserti­vas, inclu­sive cien­tí­fi­cas, que não foram de seu agra­do ou con­veniên­cia. A supe­ri­or­i­dade de seu sis­tema de con­ceitos viria, não da justiça social tão opor­tu­na­mente incluí­da no rol das pre­ocu­pações do con­ser­vadoris­mo defen­di­do no edi­to­r­i­al, mas da deside­olo­gia do lib­er­al­is­mo, de sua tec­ni­ci­dade.

Ess­es argu­men­tos não são nada novos[1], porém, con­tin­u­am impactan­do muito setores médios, base social do con­ser­vadoris­mo. O apoio ao que hoje podemos chamar de “lava­jatismo”, nos referindo a ele como uma cor­rente políti­ca, expres­sa o ape­lo que a ideia de higi­en­iza­ção da políti­ca tem nos setores médios e poten­cial­mente con­ser­vadores. Con­tu­do, essa higi­en­iza­ção da políti­ca é em ver­dade uma rejeição a qual­quer ideia de igual­dade, os seja de ascen­são econômi­ca e políti­ca dos setores mais empo­bre­ci­dos da sociedade.

Os argu­men­tos do Estadão são repet­i­tivos. A democ­ra­cia nec­es­sari­a­mente pre­cis­aria ser dirigi­da pelo con­ser­vadoris­mo para ser efi­ciente e garan­tir a plu­ral­i­dade e a pro­priedade e os dire­itos pessoais(sic). Con­tu­do, essa não é a real­i­dade nem a história. Em via de regra, quan­do a democ­ra­cia per­mite que “os de baixo” se movi­mentem e con­quis­tem ou con­soli­dem seus dire­itos pes­soais através dos dire­itos soci­ais, resul­tan­do por óbvio em uma divisão maior da acu­mu­lação de cap­i­tal, con­ser­vadores não hesi­tam em romper a democ­ra­cia para garan­tir o poder políti­co.

O esforço de se dis­tan­ciar do “ver­dadeiro con­ser­vadoris­mo” da extrema-dire­i­ta, feito pelo Estadão é irre­al. Não adi­anta car­ac­teri­zar Bol­sonaro como dem­a­gogo. Ao con­trário, ao eleger esse adje­ti­vo como o prin­ci­pal, demon­stra que o ina­ceitáv­el é a rup­tura da hier­ar­quia, e que o con­ser­vadoris­mo real­mente exis­tente não tem vín­cu­los tão fortes assim com a democ­ra­cia, pois não tol­era as pos­si­bil­i­dades dis­trib­u­tivis­tas que ela pode con­ter.

A extrema-dire­i­ta, assim, não pode ser con­sid­er­a­da um raio em céu azul. A extrema-dire­i­ta ao cre­den­ciar-se como o par­tido do rea­cionar­is­mo, da rejeição e com­bate ao mun­do pós-mod­er­no e a plêi­ade de des­or­dem e rup­tura que pode pro­duzir, tor­na-se a for­ma mel­hor acaba­da do con­ser­vadoris­mo.

A estraté­gia dos con­ser­vadores Franz von Papen e Kurt von Schle­ich­er (1932–1933) de entre­gar o gov­er­no a Adolf Hitler não se deu pela força do Par­tido Nazista — como fazem crer algu­mas nar­ra­ti­vas apres­sadas — mas para con­ter o cresci­men­to dos movi­men­tos de tra­bal­hadores e de esquer­da na Ale­man­ha. Os con­ser­vadores não titubear­am em abdicar da democ­ra­cia para man­ter a pro­priedade.

O que o Estadão propõe é irre­al. Um lib­er­al­is­mo com inclusão social é uma con­tradição em ter­mos. Não será com um ou out­ro edi­to­r­i­al que o con­ser­vadoris­mo e o lib­er­al­is­mo brasileiro apa­garão seu vín­cu­lo fun­cional com a extrema-dire­i­ta e, tam­pouco, há evidên­cias sól­i­das que o farão no futuro próx­i­mo. Nun­ca se sabe onde vai parar a democ­ra­cia.

_______________________________________________________________________

[1] Ficaram muito famosos a par­tir dos anos 1990 com a super­ex­posição de Fran­cis Fukuya­ma e se seus arti­gos “O fim da história?” e ‘O fim da história e o últi­mo homem”.