Em impor­tante con­tribuição ao debate sobre a revisão da refor­ma prev­i­den­ciária, o Pro­fes­sor Tit­u­lar de Dire­ito Prev­i­den­ciário e Dire­itos Humanos da Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca de São Paulo, Wag­n­er Balera, Acadêmi­co Tit­u­lar da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, da qual foi Pres­i­dente, apon­ta as razões pelas quais a revisão é necessária: a refor­ma do finan­cia­men­to da seguri­dade social a par­tir de ade­qua­do cál­cu­lo atu­ar­i­al, a fim de que se cumpra o obje­ti­vo con­sti­tu­cional do equi­líbrio finan­ceiro do sis­tema; o cumpri­men­to do obje­ti­vo con­sti­tu­cional da redução das desigual­dades dos regimes de aposen­ta­do­ria; a fix­ação critério apto a deter­mi­nar a fix­ação de cer­ta idade mín­i­ma para as aposen­ta­do­rias; esta­b­elec­i­men­to de critério defin­i­ti­vo e autônomo de rea­jus­ta­men­to dos bene­fí­cios. Tudo isso para faz­er imper­ar a visão de con­jun­to do fenô­meno da seguri­dade social, assim evi­tan­do que con­tin­ue a ser trata­do como o bode expi­atório dos dese­qui­líbrios econômi­cos.

Leia a seguir o arti­go, pub­li­ca­do na Fol­ha de S.Paulo, em 17 de fevereiro de 2023, pági­na 3, na seção Tendên­cia e Debates:

 

A reforma da Previdência deve ser revista? Sim.

 

Quan­do se cogi­ta tratar de refor­ma prev­i­den­ciária, o que já se fez diver­sas vezes des­de a Con­sti­tu­ição de 1988, o primeiro argu­men­to é, invari­avel­mente, o do déficit do sis­tema.

Ninguém se per­gun­ta sobre a veraci­dade ou fal­si­dade do argu­men­to. Os que querem a refor­ma afir­mam, cat­e­gori­ca­mente, que há déficit. E, os que não a querem, dirão o con­trário. O pior é que, sem­pre e sem­pre, sem nen­hu­ma pro­va.

Por­tan­to, o primeiro “sim” é o de que deve exi­s­tir, nec­es­sari­a­mente, a refor­ma do finan­cia­men­to da seguri­dade social a par­tir de ade­qua­do cál­cu­lo atu­ar­i­al, a fim de que se cumpra o obje­ti­vo con­sti­tu­cional do equi­líbrio finan­ceiro do sis­tema —vale diz­er, que as entradas sejam sufi­cientes para custear as saí­das.

O segun­do “sim” à refor­ma é, igual­mente, o cumpri­men­to do obje­ti­vo con­sti­tu­cional da redução das desigual­dades. Aliás, esse foi o mote da primeira refor­ma (1998), de algum modo obser­va­da nas demais.

É urgente a redução das assime­trias entre os ben­efi­ciários do regime ger­al e dos regimes próprios, isto é, os servi­dores públi­cos civis, mil­itares e inte­grantes dos Poderes do Esta­do. Entre­tan­to, cada refor­ma tra­tou de jog­ar esse cam­in­ho rumo à igual­dade para um porvir dis­tante.

Urge, pois, para que se implante o bem-estar —obje­ti­vo últi­mo da seguri­dade social— que a refor­ma seja, sim, a da rad­i­cal redução do abis­mo de desigual­dades que existe entre os regimes.

Out­ro prob­le­ma que este tema traz à baila é o do critério apto a deter­mi­nar a fix­ação de cer­ta idade mín­i­ma para as aposen­ta­do­rias.

Para que tal dis­cussão não se trans­forme num cabo de guer­ra, podemos pen­sar no ele­men­to cen­tral a ser con­sid­er­a­do: a idade em que se situa a sobre­v­i­da média dos brasileiros, com o incô­mo­do com­po­nente (incô­mo­do para este efeito, enten­da-se bem) de que as mul­heres detêm sobre­v­i­da maior que a dos home­ns.

Por­tan­to, se defen­do isono­mia na idade, estou, nat­u­ral­mente, ben­e­fi­cian­do as mul­heres. Exem­pli­fi­co: um homem se aposen­ta aos 65 anos e terá aprox­i­ma­dos oito anos de sobre­v­i­da, pois morre em média aos 73 anos. Por seu turno, uma mul­her que se aposente com a mes­ma idade de 65 anos terá aprox­i­ma­dos 15 anos de sobre­v­i­da, pos­to que a idade média da morte dela será aos 80.

É só não nos esque­cer­mos que cada ano a mais na fruição da aposen­ta­do­ria sig­nifi­ca maior dis­pên­dio para o caixa da seguri­dade social.

Um ter­ceiro prob­le­ma que nos impõe a respos­ta afir­ma­ti­va con­siste no critério de rea­jus­ta­men­to dos bene­fí­cios. Hoje esse critério atrela o rea­juste ao index­ador aplicáv­el ao salário mín­i­mo.

Ocorre que em lugar nen­hum está garan­ti­do que o aumen­to da arrecadação de con­tribuições será pro­por­cional ao incre­men­to do salário mín­i­mo. Essa var­iáv­el depende do con­jun­to da econo­mia que, no mais das vezes, oscila ao sabor de out­ras questões, sobre­tu­do do que se pref­ere denom­i­nar gener­i­ca­mente de mer­ca­do.

Por­tan­to, é necessário que se crie critério autônomo de rea­jus­ta­men­to dos bene­fí­cios e que, medi­ante tal critério, seja garan­ti­do, con­soante exigên­cia con­sti­tu­cional, o poder aquis­i­ti­vo que a prestação prev­i­den­ciária det­inha des­de o momen­to da respec­ti­va con­cessão.

A trág­i­ca ausên­cia de visão de con­jun­to do fenô­meno da seguri­dade social a trans­for­mou no bode expi­atório dos dese­qui­líbrios econômi­cos.

Refor­ma, sim, para que o debate pon­ha ver­dade onde hoje só existe enorme con­fusão.