No arti­go a seguir, os autores esta­b­ele­cem uma relação entre as metá­foras das per­son­agens de histórias em quadrin­hos e do cin­e­ma Bat­man e Coringa, conectan­do-as às pre­ten­sões do fas­cis­mo e de rein­stau­ração de um regime autocráti­co, por meio dos mecan­is­mos da ditadu­ra civ­il-mil­i­tar instau­ra­da em 1964 e de uma justiça de exceção.

 

CORINGA-Moro: entre o AI‑5 e o AI‑6, a expressão políti­ca e jurídi­ca do cap­i­tal dis­rup­ti­vo(1)

Viní­cio Car­ril­ho Mar­tinez, Júnior César Luna, Manoel Rival­do de Araújo, Maria de Fáti­ma da Sil­va Araújo Mendes, Rachel Lopes Queiroz Chacur, San­dra Maria Guer­reiro, Sueli Cristi­na Fran­co dos San­tos, Tal­itha Camar­go da Fon­se­ca, Waldileia Car­doso, e Wal­ter Gus­ta­vo Lemos (2)

 

O Coringa-Moro rev­ela como o excep­tio (des­or­dem do cap­i­tal finan­ceiro) der­ro­ta o dis­crí­men: Poder Políti­co. No lugar das políti­cas públi­cas e das ações afir­ma­ti­vas de inclusão, de manutenção e de reparação social, garan­ti­dores do mín­i­mo exis­ten­cial, a pri­va­ti­za­ção do espaço públi­co instau­ra o fas­cis­mo, notada­mente, como “efeito Coringa-Moro”.

O fas­cis­mo ora bar­bariza as relações de orga­ni­za­ção e de rep­re­sen­tação políti­ca, destru­in­do-se a inter­ação social, ora reprime com a máx­i­ma coerção que adquire sob o Esta­do Poli­cial – é o caso do excep­tio anti­jurídi­co do Bat­man, empre­gan­do-se todas as for­mas pos­síveis de exceção. O resul­ta­do, de todo modo, é o tri­un­fo do poder (social ou políti­co) antir­re­pub­li­cano, antipop­u­lar e anti­democráti­co.

Neste sen­ti­do, o fas­cis­mo criou a demên­cia social e a per­ver­são (Coringa-Moro), o lumpem (os revoltosos, os agres­sores do próprio Coringa) e o abu­sador do sis­tema finan­ceiro (os três “home­ns de bem”, assas­si­na­dos no metrô), o vin­gador social (manchete do jor­nal “morte aos ricos”) e o anti-herói: o próprio Bat­man – o meni­no que seria irmão do Coringa, por parte de pai. Como Bat­man se apre­sen­ta na mitolo­gia do “salve-se a Razão de Esta­do”, o povo per­doa as calami­dades do Moro. Proces­sar, sec­re­tar, con­denar, apri­sion­ar (ou exe­cu­tar) seri­am tare­fas de um só agente públi­co no” anti-Esta­do”.

Tal como em Bat­man, o povo per­doa Moro por acred­i­tar que se pode “faz­er o ‘bem, por lin­has tor­tas”, empre­gan­do-se no excep­tio a pior lóg­i­ca pos­sív­el: “os fins jus­ti­fi­cam os meios”. O que não cabe no Dire­ito, no direc­tum, na necessária e legí­ti­ma “ade­quação de meios e fins”. Pois, não se vai ao Jus­to, através da injustiça.

Por­tan­to, se o Dire­ito como “lin­ha reta”, “hon­este vivere” (o princí­pio ger­al do dire­ito e da Repúbli­ca), não inter­es­sa se há vigên­cia do Esta­do de Exceção. Aliás, além de não se saber o que é o excep­tio do Esta­do de Exceção, bas­ta a suposição de que há Esta­do de Dire­ito para se con­cluir que não vig­o­ra a exceção. Con­clui-se ain­da que, se a CF88 está con­tra o Bat­man, é porque o Bat­man está cer­to.

Para os icôni­cos seguidores de Bat­man, o AI‑5 – Ato Insti­tu­cional no 5/1968 (pior fase da ditadu­ra mil­i­tar pós-64) é o remé­dio anti­jurídi­co preferi­do porque abole a democ­ra­cia e os crimes cometi­dos con­tra o povo, as class­es sub­ju­gadas. Por sua vez, o apel­i­da­do “AI‑6” seria aplicar-se toda a Força de Lei exis­tente no orde­na­men­to jurídi­co, exata­mente, con­tra os que aten­tem ou preguem aten­ta­dos con­tra a democ­ra­cia e a sobera­nia pop­u­lar.

Para os irôni­cos defen­sores do “AI‑6” deve-se recor­dar que a impe­r­i­al Lei de Segu­rança Nacional ain­da está em vig­or. Data­da de 1983, a Lei de Segu­rança Nacional reflete o pen­sa­men­to mil­i­ta­riza­do da políti­ca, enquadra-se como “resquí­cio da ditadu­ra mil­i­tar” e, por óbvio, não é um dos “defeitos da democ­ra­cia” ou da Con­sti­tu­ição Fed­er­al de 1988.

De vol­ta ao filme, o Pai Fascista do Coringa (bozo, Trump) facil­mente pode­ria ter manip­u­la­do os pron­tuários da mãe do Coringa, para pro­duzir o diag­nós­ti­co de sua lou­cu­ra. Neste caso, seria O Pai Fascista do caos e da anomia (Coringa-Moro) e da repressão do Esta­do Poli­cial (Bat­man), exata­mente sem se impor­tar com regras: o anti-herói (Moro).

Bat­man-Moro, como anti-herói, arvo­ra-se das mes­mas condições do Esta­do, ain­da que aja con­tra o próprio Esta­do de Dire­ito. Cer­ta­mente que é abor­da­do pela Ciên­cia políti­ca, tip­i­fi­ca­do sob a for­ma do Esta­do de Exceção, próprio dos regimes autocráti­cos e fascis­tas. É curioso notar que o emprego do Bat­man-Moro cor­re­sponde à detur­pação da Con­sti­tu­ição de Weimar (1919). Porém, o anti-herói Bat­man-Moro é um com­po­nente adap­ta­do do Esta­do Mod­er­no, ao menos, des­de a Con­sti­tu­ição France­sa de 1791.

Enfim, o Coringa-Moro é indifer­ente ao Esta­do, não age em defe­sa de nen­hu­ma causa políti­ca, não tem iden­ti­fi­cação ide­ológ­i­ca com nen­hum seg­men­to políti­co-social – ao con­trário de Bat­man-Moro que dá emprego a toda for­ma de exceção, espe­cial­mente con­tra as regras democráti­cas, a fim de defend­er a manutenção do cap­i­tal espec­u­la­ti­vo (dis­rup­ti­vo). Ironi­ca­mente, no auge da psi­co­pa­tia e da anomia social, o Coringa-Moro seria o caos a anun­ciar uma “nova” ordem social.

E seria Ordem e Pro­gres­so?

O caos ger­ador do Coringa-Moro não é fascista?

E pode­ria ger­ar out­ra con­strução antifascista?

 

(1) o texto é uma interpretação do filme Coringa
(2) respectivamente, Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar, Departamento de Educação- Ded/CECH, Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS, realizou estudos pós-doutorais em Ciência Política e em Direito,;  Filósofo,  Mestre em Filosofia, e doutorando em Educação/PPGE na Universidade Federal de São Carlos; Advogado; Bacharel em Administração de Empresas, Licenciada em Língua Portuguesa, inglês e Literatura, com pós-graduação em Língua Portuguesa, Professora na Rede Pública de Ensino/MG; Advogada e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais da UFSCar (PPGCAm/UFSCar); Advogada; Advogada; jornalista e advogada com Pós-Graduação em Direito Público, Conselheira Jurídica do Mandato da Deputada Estadual por São Paulo Leci Brandão; Docente da FSDB e SEMED/Manaus, doutoranda em Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar (PPGE/UFSCar); Advogado.