Em arti­go pub­li­ca­do na Fol­ha de S.Paulo, em 16 de jul­ho de 2019, o Pro­fes­sor Rena­to Janine Ribeiro, Tit­u­lar de Éti­ca e Filosofia Políti­ca da Uni­ver­si­dade de São Paulo e Pro­fes­sor Vis­i­tante da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Paulo, aler­ta­va para a destru­ição do teci­do social e políti­co prat­i­ca­da pelo atu­al regime de gov­er­no, mostran­do porque clas­si­fi­ca-lo de “fas­cis­mo” e não como mero exem­p­lo de autori­taris­mo. A par­tir de uma expressão de Anto­nio Can­di­do, ref­ere o desmonte das estru­turas políti­cas e soci­ais brasileiras, pro­movi­do por mais uma “medioc­ridade irre­qui­eta”.

O arti­go foi pub­li­ca­do sob o títu­lo A Flip e o Fas­cis­mo, na pági­na de Opinião:

Vários ami­gos, emb­o­ra ten­ham hor­ror ao atu­al gov­er­no, não se pre­ocu­pam muito: pen­sam que em qua­tro anos as eleições o sub­sti­tuirão. Alguns acres­cen­tam que o Brasil assim apren­derá mel­hor o val­or da democ­ra­cia. De min­ha parte, enten­do que eles subes­ti­mam a destru­ição do teci­do social e políti­co, a liq­uidação da  vida inteligente e da vida mes­ma, que está sendo efe­t­u­a­da pri­or­i­tari­a­mente nas áreas da edu­cação e do meio ambi­ente. 

Debate-se muito o que é fas­cis­mo. Porém alguns pon­tos são fun­da­men­tais nesse regime, talvez o mais anti­democráti­co de todos, que não é ape­nas um exem­p­lo de autori­taris­mo. 

Primeiro, o fas­cis­mo con­ta com ati­vo apoio pop­u­lar. Tive­mos uma lon­ga ditadu­ra mil­i­tar, mas com sus­ten­tação pop­u­lar provavel­mente minoritária e segu­ra­mente pas­si­va. Mes­mo no auge de sua pop­u­lar­i­dade —o perío­do do “mila­gre”, soman­do gen­er­al Médi­ci, tor­tu­ra e cen­sura, tri­cam­pe­ona­to de fute­bol e cresci­men­to econômi­co— não hou­ve movi­men­tos para­mil­itares ou mas­sas pop­u­lares sain­do às ruas para atacar fisi­ca­mente os adver­sários do regime. Hoje, há. 

Daí, segun­do, a banal­iza­ção da vio­lên­cia. Elas deix­am de ser, na frase de Max Weber, monopólio do Esta­do, por meio da polí­cia e das Forças Armadas: os próprios cidadãos, des­de que favoráveis ao gov­er­no, sen­tem-se autor­iza­dos a par­tir para a por­ra­da.  O ataque à bar­ca em que esta­va Glenn Green­wald em Paraty é exem­p­lo vivo dis­so. O que dis­tingue o fas­cis­mo das out­ras for­mas de dire­i­ta é ter uma mil­itân­cia rad­i­cal­iza­da, ou seja, mas­sas que banal­izam o recur­so à vio­lên­cia. O fas­cis­mo já esta­va no ar uns anos atrás quan­do um pai, andan­do abraça­do com o fil­ho ado­les­cente, foi agre­di­do na rua por canal­has que pen­savam tratar-se de um casal homos­sex­u­al. 

Ter­ceiro: essa vio­lên­cia é usa­da não só con­tra adver­sários do regime —a oposição políti­ca— mas tam­bém con­tra quem o regime odeia. Não foca ape­nas quem não gos­ta do gov­er­no. Mira aque­les de quem o gov­er­no não gos­ta. No nazis­mo, eram judeus, homos­sex­u­ais, ciganos, eslavos, autis­tas. No Brasil, hoje, são sobre­tu­do os LGBTs e a esquer­da, porém é fácil jun­tar, a eles, out­ros gru­pos que des­pertem o ódio dos que se gabam de sua ignorân­cia (“fritar ham­búr­guer” é um bom exem­p­lo, até porque ham­búr­guer não se fri­ta, se faz na cha­pa). 

Quar­to: o ódio a tudo o que seja inteligên­cia, ciên­cia, cul­tura, arte. Em suma, o ódio à cri­ação. Não é for­tu­ito que Hitler, que quis ser pin­tor, tivesse um gos­to estéti­co tosco, e que o nazis­mo perseguisse, como “degen­er­a­da”, a mel­hor arte da época. É ver­dade que os semi­fascis­tas Ezra Pound e Céline bril­ham no fir­ma­men­to da cul­tura do sécu­lo 20 —mas são agul­ha no pal­heiro.

Anto­nio Can­di­do uma vez escreveu um man­i­festo dos docentes da USP crit­i­can­do a “medioc­ridade irre­qui­eta” que coman­da­va a uni­ver­si­dade. Um cole­ga dis­cor­dou: a medioc­ridade nun­ca é irre­qui­eta! Mas Can­di­do tin­ha razão. A medioc­ridade pro­cede hoje, sem pudor, ao desmonte de nos­sas con­quis­tas não só políti­cas e soci­ais, mas cul­tur­ais e ambi­en­tais. A irra­cional­i­dade vai a pon­to de algu­mas dezenas de para­tiens­es tentarem sab­o­tar a Flip, que dá pro­jeção e din­heiro para a cidade. Essa é uma metá­fo­ra de um país que namo­ra o suicí­dio. 

Salve­mos a vida, salve­mos a vida inteligente! Con­stru­amos alter­na­ti­vas e alianças para enfrentar essas ameaças. Não temos tem­po de sobra.

Leia o arti­go, na Folha/UOL, aqui.