No pre­sente arti­go, a médi­ca Meli­na Pec­o­ra fala sobre a importân­cia da Vaci­na e dos cuida­dos para que se pos­sa super­ar com segu­rança a pan­demia.

 

AS VACINAS CONTRA O NOVO CORONAVÍRUS: PRIORIDADES, E MECANISMOS DE IMUNIZAÇÃO

Meli­na Pec­o­ra (médi­ca for­ma­da pela Uni­ver­si­dade de São Paulo, títu­los de espe­cial­ista em Pedi­a­tria e UTI Neona­tal, advo­ga­da, pesquisado­ra)

 

Des­de janeiro de 2020, quan­do retornei de uma breve esta­da na Itália, mais pre­cisa­mente da região do Piemonte,  onde hou­ve o iní­cio da explosão da Covid 19, ven­ho me apro­fun­dan­do no tema, estu­dan­do e apren­den­do, sem­pre em conexão com cole­gas de fac­ul­dade, que estão ago­ra tra­bal­han­do em Oxford, em pesquisas voltadas para uma imu­niza­ção ráp­i­da e segu­ra.

Pri­or­itário se faz, para nós pesquisadores o exer­cí­cio de obser­var, sem­pre com a dev­i­da humil­dade do quão pouco ou nada sabe­mos, pois, sem isso, inca­pazes seríamos de evoluir em nos­sos con­hec­i­men­tos.

De pri­ma farei uma reflexão breve sobre a história da vaci­nação. Procu­ran­do ser téc­ni­ca aci­ma de tudo e sem paixões ou emoções, porém não pode­ria deixar de con­sid­er­ar as min­has exper­iên­cias pes­soais, quan­do estas estão eivadas de exper­iên­cia profis­sion­al, sem­pre pau­ta­da na ciên­cia ou seja, na med­i­c­i­na basea­da em evidên­cias.

Como pedi­atra e Inten­sivista Neona­tal, com exper­iên­cia de 20 anos, em Unidade de Ter­apia Inten­si­va (UTI) Neona­tal, pude con­statar tan­to através da práti­ca médi­ca, quan­to da pesquisa cien­tí­fi­ca a importân­cia da imu­niza­ção para um desen­volvi­men­to saudáv­el do ser humano.

A história das vaci­nas começou em mea­d­os do Sécu­lo XVIII, com a descober­ta da vaci­na anti-varío­la. Edward Jen­ner con­sta­tou que ao inoc­u­lar secreção de alguém com a doença, a pes­soa evoluiria com for­mas bran­das e, este ser se tornar­ia imune.

Cow­pox – a varío­la das vacas, obser­vou-se tam­bém, que as pes­soas que orden­havam as vacas apre­sen­tavam imu­nidade con­tra a patolo­gia.

A descober­ta das vaci­nas vem a ser um mar­co, sendo a maior con­quista da Saúde Públi­ca, o que vem a evi­tar mil­hões de mortes todos os anos.

Con­sideran­do difer­entes proces­sos, a chave para o suces­so é a pro­dução de antígenos no hos­pedeiro.

O antígeno (parte inte­grante do vírus/bactéria em questão)  irá induzir uma respos­ta do hos­pedeiro, recon­hecen­do aque­la porção como non self (não próprio)  e reagin­do.

A inoc­u­lação poderá ser de vírus vivo ou aten­u­a­do (enfraque­ci­do), o que irá estim­u­lar a pro­dução de anti­cor­pos.

As vaci­nas tam­bém podem advir de antígenos ina­ti­va­dos ou mor­tos. Neste caso os vírus são mor­tos por trata­men­to tér­mi­co ou pro­du­tos quími­cos, o que faz mod­i­ficar as pro­teí­nas e áci­dos nucle­icos do vírus ou bac­térias levan­do a sua ina­ti­vação.

As vaci­nas ain­da posem ser pro­duzi­das por pedaços de vírus ou bac­térias, como é o caso da vaci­na con­tra coqueluche ou tétano.

Há, inclu­sive, as vaci­nas pro­duzi­das através de DNA recom­bi­nante. O DNA é o mate­r­i­al genéti­co do antígeno. São as vaci­nas geneti­ca­mente desen­volvi­das, estas causam pouco ou nen­hum efeito no hos­pedeiro, com a máx­i­ma eficá­cia, ou seja, nív­el de imu­niza­ção e pro­dução de anti­cor­pos. A vaci­na con­tra hepatite B é um exem­p­lo deste tipo de imu­niza­ção, pro­duzi­da por engen­haria genéti­ca.

Por óbvio há out­ros ingre­di­entes a inte­grar as vaci­nas, são os esta­bi­lizadores.

Em 1902 hou­ve o movi­men­to chama­do “A Revol­ta das Vaci­nas”  no Rio de Janeiro, e, enquan­to a varío­la se espal­ha­va, parcela da pop­u­lação sim­ples­mente se recusa­va a vaci­nar seus fil­hos. Nes­ta época o médi­co Oswal­do Cruz, então dire­tor de Saúde Públi­ca pre­ceitu­a­va que se evi­tassem aglom­er­ações e pre­coni­zou a vaci­nação obri­gatória.

Em 26 de fevereiro de 1998, o medico Andrew Wake­field, real­i­zou pesquisa pre­lim­i­nar com 12 cri­anças que foi pub­li­ca­da na Revista Lancet. Seu espaço amostral era restri­to e o coe­fi­ciente da val­i­dade p, com sig­nificân­cia < 0,05.

A sua pesquisa deu origem a uma con­tro­vér­sia entre o autismo e a vaci­nação. E, hou­ve na Europa, uma diminuição maciça da imu­niza­ção, decor­rente da pub­li­cação deste Tra­bal­ho, o que cul­mi­nou com uma epi­demia de Saram­po.

Em 2004 o Insti­tu­to de Med­i­c­i­na dos Esta­dos Unidos da Améri­ca con­sta­tou não exi­s­tir provas que o Autismo tivesse qual­quer relação com o timerosol, sub­stân­cia inte­grante da vaci­na e que ger­ou a polêmi­ca, dan­do iní­cio ao anti-vacin­is­mo.

Ante tudo isso o Estu­do de Wake­field pas­sou a ser con­sid­er­a­do sem evidên­cias cien­tí­fi­cas.

Em 2010 O Con­sel­ho Ger­al de Med­i­c­i­na do Reino Unido qual­i­fi­cou o médi­co como inap­to para exercer a profis­são e a Lancet se retra­tou.

Em nos­so país, na últi­ma déca­da hou­ve um movi­men­to no sen­ti­do de pais que evi­tam vaci­nar seus fil­hos.

Dizem haver asso­ci­ação entre as vaci­nas e algu­mas condições, ape­sar de muitos estu­dos com­pro­varem o con­trário.

A Comu­nidade Cien­tí­fi­ca como um todo, bem como a Orga­ni­za­ção Mundi­al de Saúde (OMS) é unân­ime em diz­er que não há estu­dos que com­pro­vem estes enganos em relação às vaci­nas, entre­tan­to exis­tem diver­sos tra­bal­hos (esta­tis­ti­ca­mente sig­ni­fica­tivos) que com­pro­vam os bene­fí­cios das vaci­nas.

A diminuição da mor­tal­i­dade infan­til no Brasil se deve à vaci­nação e, não pro­ce­dem falas do tipo: “Meu fil­ho é saudáv­el e não pre­cisa vaci­nas.”

Ain­da temos no mun­do casos de pólio e saram­po, como mostra o sur­to na Europa.

A teo­ria defen­di­da pelo movi­men­to anti-vaci­na, que argu­men­ta que as vaci­nas lev­am a lucros exor­bi­tantes para as indús­trias far­ma­cêu­ti­cas tam­bém não se sus­ten­ta, uma vez que grande parcela das vaci­nas são feitas em lab­o­ratórios públi­cos, a exem­p­lo do Insti­tu­to Butan­tã.

O lucro da Indús­tria Far­ma­cêu­ti­ca com vaci­nas é infini­ta­mente menor do que com qual­quer out­ro medica­men­to.

Hoje, segun­do a OMS as vaci­nas sal­vam de dois à três mil­hões de vidas ao ano.

No que tange às per­spec­ti­vas da Imu­niza­ção con­tra o Novo Coro­n­avírus, ao redor do mun­do há várias vaci­nas em está­gios avança­dos.

Segun­do a OMS há em torno de 133 can­didatos à imu­niza­ção em todo o mun­do con­tra o Covid ‑19.

O Novo Coro­n­avírus é um vírus que sofre pro­gres­si­vas mutações em seu mate­r­i­al genéti­co, sendo assim, as pesquisas de imu­niza­ção neces­si­tarão estar em con­stante reval­i­dação.

É necessário, para se cri­ar uma vaci­na con­tra deter­mi­na­do antígeno que se respeit­em algu­mas fas­es da pesquisa.

A primeira fase requer a iden­ti­fi­cação das molécu­las antí­ge­nas, isto é, aque­las que serão iden­ti­fi­cadas como os estí­mu­lo exter­no a serem inje­ta­dos no hos­pedeiro e que irão causar a pro­dução de anti­cor­pos. É uma fase des­ti­na­da a se iso­lar os com­po­nentes respon­sáveis em um vírus ou bac­téria.

Num segun­do momen­to, ain­da pré-clíni­co, há a val­i­dação em organ­is­mos vivos, a exem­p­lo de camundon­gos.

Na ter­ceira fase há um ensaio em larga escala, respon­sáv­el por tes­tar eficá­cia e segu­rança.

Em nos­so país, as agên­cias reg­u­lado­ras serão as respon­sáveis por aprovar o pro­du­to e lib­er­ar a pro­dução e dis­tribuição.

A imu­niza­ção de reban­ho ou vaci­nação em mas­sa é uma eta­pa mais pos­te­ri­or, em que a eficá­cia e segu­rança pos­si­bil­i­tarão o con­t­role da doença.

E, emb­o­ra os estu­dos avancem, não vejo per­spec­ti­vas de vaci­nação em mas­sa antes de jul­ho de 2021.

Pesquisa Cien­tí­fi­ca, pub­li­ca­da no New Eng­land Jour­nal of Med­i­cine, em 12 de novem­bro de 2020, inti­t­u­la­da “Uma vaci­na de mRNA con­tra SARS-CoV­‑2 — Relatório Pre­lim­i­nar”[1], evi­den­ciou que: Após a primeira vaci­nação, as respostas de anti­cor­pos foram maiores com a dose mais alta (dia 29 de ensaio imu­noen­z­imáti­co anti-S-2P títu­lo médio geométri­co [GMT], 40.227 no grupo de 25 μg, 109.209 no grupo de 100 μg, e 213.526 no grupo de 250 μg). 

Após a segun­da vaci­nação, os títu­los aumen­taram (dia 57 GMT, 299.751, 782.719 e 1.192.154, respec­ti­va­mente). 

Após a segun­da vaci­nação, a ativi­dade séri­ca neu­tral­izante foi detec­ta­da por dois méto­dos em todos os par­tic­i­pantes avali­a­dos, com val­ores geral­mente semel­hantes aos da metade supe­ri­or da dis­tribuição de um painel de amostras de soro de con­va­lescença de con­t­role

Os even­tos adver­sos solic­i­ta­dos que ocor­reram em mais da metade dos par­tic­i­pantes incluíram fadi­ga, calafrios, dor de cabeça, mial­gia e dor no local da injeção. Os even­tos adver­sos sistêmi­cos foram mais comuns após a segun­da vaci­nação, con­cluin­do que A vaci­na mRNA-1273 induz­iu respostas imunes anti-SARS-CoV­‑2 em todos os par­tic­i­pantes, e nen­hu­ma pre­ocu­pação de segu­rança lim­i­tante do ensaio foi iden­ti­fi­ca­da. Ess­es acha­dos apói­am o desen­volvi­men­to des­ta vaci­na.”

Em suma, não podemos sus­pender out­ras medi­das de pre­venção con­tra o Novo Coro­n­avírus, a exem­p­lo do uso de más­cara e dis­tan­ci­a­men­to social.

Mes­mo diante dos estu­dos mais promis­sores de imu­niza­ção, uma vez que se tra­ta de um vírus alta­mente mutáv­el as demais medi­das de con­tin­gen­ci­a­men­to da trans­mis­si­bil­i­dade devem ser ado­tadas de maneira con­sciente e em prol de se poupar inúmeras vidas.

 

[1] N Engl J Med 2020; 383: 1920–1931 DOI: 10.1056 / NEJMoa2022483