O artigo a seguir, de autoria de Marcello Antonio Fiore — Advogado, Vice-Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/SP, Especialista em Direito Econômico e Financeiro pela PUC-SP, pós-graduado em Business Administration pela Harvard Business School, e em Filosofia do Direito pela Harvard University, Mestrando em Direito Econômico e Social pelo CEDES. Professor de Direito Constitucional Econômico – ABDConst, Verbo Jurídico, Damásio Educacional, e Professor Convidado da Unigoiás — fala sobre as consequências econômicas do Direito Ambiental e busca apontar como o Poder Judiciário tem buscado novos paradigmas intelectuais para a verificação das consequências práticas de suas decisões
AS CONSEQUÊNCIAS ECONÔMICAS DO DIREITO AMBIENTAL
Marcello Antonio Fiore
A Análise Econômica do Direito tem sido objeto de crescente interesse no meio acadêmico brasileiro, porém, o movimento tem chegado ao Poder Judiciário, que tem buscado novos paradigmas intelectuais para a verificação das consequências práticas de suas decisões.
Mais recentemente, as modificações na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) trazidas pela Lei 13.655/2018, em especial nos artigos 20 e 21, introduziram o dever social de o juiz levar em consideração as consequências práticas da decisão judicial, o que fez crescer o interesse na Análise Econômica do Direito como uma forma de se dar concretude ao novo comando normativo.
Cabe, portanto, ao judiciário, considerando as consequências econômicas da análise da situação levada a apreço, distribuir a justiça e reestabelecer o equilíbrio de forma a beneficiar a maior quantidade de pessoas possível.
A inauguração desta teoria pode ser encontrada na obra de Ronald H. Coase (Nobel de economia em 1991) The Problem of Social Cost e The Firm, The Market and The Law, (traduzido para a língua portuguesa em 2016 e publicada pela Forense Universitária, na Coleção Paulo Bonavides, dirigida pelo Ministro Dias Toffoli e pelo professor Otavio Luiz Rodrigues Junior), mas, foi aprofundada por Richard Posner em Economic Analysis of Law (Posner tem, inclusive, sido citado com frequência pelo E. Supremo Tribunal Federal quando as questões analisadas podem gerar fortes impactos econômicos — Rext 574.706 15/03/2017 Paraná — ADPF 449 08/05/2019 Distrito Federal).
Após estes economistas, o primeiro Professor na Universidade de Direito de Chicago, e o segundo integrante da Suprema Corte Americana, intensificou-se o diálogo entre a Economia e o Direito.
Portanto, é inegável, ser possível e essencial, identificar a Análise Econômica do Direito tanto como uma metodologia de investigação jurídica quanto como uma escola de pensamento de distribuição de justiça baseada, originariamente, no utilitarismo de Jeremy Bentham e John Stuart Mill extremamente bem explicadas pelo Professor Michael J. Sandel em seu livro Justiça — O que é fazer a coisa certa.
O princípio do bem-estar máximo – agir sempre de forma a produzir a maior quantidade de bem-estar – defendido por estes filósofos foi incorporado pela economia como um princípio ético no qual o que determina se uma decisão ou ação é correta considerando as consequências diretas do ato no que se refere ao benefício intrínseco exercido à coletividade, ou seja, quanto maior o benefício, tanto melhor a decisão ou ação será.
Lembremos, ainda, que a economia não guarda nenhuma relação com matemática, posto que é uma ciência social, ou uma teoria de comportamento social humano, que visa, primordialmente, a gestão de recursos escassos.
Para Adam Smith – pai da economia moderna – economia é a “promoção do bem-estar da sociedade, a equidade, a eficiência, a estabilidade e a sustentabilidade” e, de forma superficial, pode ser definida como a ciência que estuda os fenômenos relacionados à obtenção e à utilização dos recursos materiais necessários ao contentamento.
Trata-se, portanto, do estudo da eficiência na melhor alocação de um recurso escasso visto que o mal uso de um recurso (ineficiência) é o caminho mais rápido para a injustiça. Explica se. Ineficiência é desperdício e desperdício é injusto com todos aqueles que precisam do recurso escasso.
Nesse ponto, a convergência entre economia e meio ambiente fica mais evidente e de fácil compreensão. Embora pareçam infinitas a olhos nus, reservas de elementos essenciais como água, carvão, areia e madeira, entre tantos outros, estão ameaçadas pelo uso excessivo, exploração descontrolada e má gestão, obviamente além dos fatores climáticos, e se tornam recursos naturais cada vez mais valiosos por escassez.
Objetivando controlar e regulamentar as ações humanas incidentes sobre todos esses recursos escassos aparecem, conjuntamente, o direito econômico e o direito ambiental. O Direito Econômico é o conjunto de normas que regulamenta a política econômica como forma de gestão de recursos limitados, a fim de que sejam utilizados de forma eficiente, para beneficiar a maior quantidade de pessoas possível.
Por sua vez, o Direito Constitucional Econômico – regulado ao longo de toda a Constituição, mas, especialmente, no artigo 170 e seguintes – não é uma disciplina autônoma do Direito, mas, é um conjunto de normas constitucionais que tratam da política econômica do Estado, elaborada a partir da ideologia de gestão adotada por aquele governo (capitalismo, comunismo, socialismo etc.).
Visando proteger e gerir os bens escassos, preservando-os para uso e fruição da maior quantidade de pessoas possível, funde-se com o direito ambiental no sentido de proporcionar o maior bem para a maior quantidade de pessoas possível.
Nesse diapasão, não se pode analisar uma questão ambiental sem considerar as nefastas consequências econômicas da aplicação da norma, ou as consequências sociais e impactos para a maioria das pessoas que pode ser atingida por aquela ação.
A análise das normas Constitucionais Econômicas e Ambientais deve respeitar a teleologia – ciência que se pauta no conceito de finalidade (causas finais) como essencial na sistematização de cada realidade em particular – na aplicação das escrituras legais e na realidade encontrada em determinada situação coletiva.
A teleologia jurídica como ciência que conduz a interpretação da lei objetivando seus fins sociais, estampada na lei (artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – “Na aplicação da Lei, o juiz atenderá aos fins sociais a ela se destina e às exigências do bem comum”) deve ser o parametrizador de comportamento e da análise jurídica econômica do caso apresentado.
A evolução dos sistemas jurídicos não pode ser entendida, tão somente, por meio da análise estrutural do direito positivo devendo a aplicação da norma considerar as consequências de cada decisão.
Materializa-se, assim, com certa facilidade, a compreensão de que, tanto o direito que examina a economia quanto o que estuda o meio ambiente possuem o mesmo objetivo final de desenvolvimento sustentável, visto que ambos almejam garantir o bem-estar individual e coletivo da população, e sujeitam-se à análise consequencialista utilitária, quando, por origem, procuram proporcionar o maior bem para a maior quantidade de pessoas possível.
O direito Ambiental, portanto, é, primordialmente, econômico quando regulamenta a gestão de recursos escassos, e administra o uso do bem comum sem gerar desperdício, de forma justa, em uma ação moralmente correta que tende a promover a felicidade não só do agente da ação, mas, também, a de todos aqueles afetados por ela.
BREVE HISTÓRICO SOBRE A NORMATIZAÇÃO AMBIENTAL BRASILEIRA
Via de regra, os princípios que dão direcionamento às normas ambientais, em sua robusta maioria, intentam, numa análise bastante superficial, frear a degradação ambiental, instalando medidas preventivas para inibir o desmatamento e punitivas para ações potencialmente poluidoras. Esta é uma preocupação, contudo, que não se pode considerar moderna, especialmente, inserindo o Brasil no quadro mundial.
É certo que, até a década de 1950, não havia no Brasil nenhuma preocupação formal com criação de normas ambientais, e aquelas existentes limitavam-se a tratar aspectos relacionados com o saneamento, a conservação e a preservação do patrimônio natural, histórico e artístico, além, da solução de problemas provocados por secas e enchentes.
Entre 1930 e 1950, com a crescente industrialização nacional o país criou instrumentos legais e de órgãos públicos que refletiam as preocupações da época e, de alguma forma, estavam relacionados à área do meio ambiente.
Em 10 de julho de 1934 foi editado o Código de Águas, e na mesma época foram criados o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) e o Departamento Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS).
Durante o período também foram criados Parques Nacionais e instituídas Florestas Protegidas nas regiões Nordeste, Sul e Sudeste além da criação de normas de proteção dos animais; a promulgação dos códigos de floresta, de águas e de minas; a disposição sobre a proteção de depósitos fossilíferos e, em 1948, a Fundação Brasileira para a Conservação da Natureza.
A linha do tempo inexoravelmente correu, mas, foi no final da década de 1960 que o Governo brasileiro se comprometeu, mais firmemente, com a conservação e a preservação do meio ambiente, participando da Conferência Internacional promovida pela UNESCO, em 1968, sobre a Utilização Racional e a Conservação dos Recursos da Biosfera.
Passos à frente, a década de 1970, talvez a mais rica em providências pontuais relativas ao meio ambiente, especialmente, pelo agravamento dos problemas ambientais mundiais e, consequentemente, pela maior conscientização desses problemas ao redor do mundo, originou uma série de ações organizacionais no governo.
No período de 21 a 27 de agosto de 1971, foi realizado em Brasília, o I Simpósio sobre Poluição Ambiental, por iniciativa da Comissão Especial sobre Poluição Ambiental da Câmara dos Deputados do qual participaram pesquisadores e técnicos do País e do exterior, com o objetivo de colher subsídios para um estudo global do problema da poluição ambiental no Brasil.
Em momento histórico ímpar o Brasil, como outros 113 países, em julho de 1972, participou da convenção de Estocolmo, primeiro evento organizado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para discutir questões ambientais de maneira global, e um marco na história da preservação do meio ambiente, pois, pela primeira vez, dirigentes do mundo inteiro se reuniram para falar sobre o tema.
A convenção indiretamente obrigou, em 1973, a criação da SEMA — Secretaria de Meio Ambiente, por meio do Decreto nº 73.030, de 30 de Outubro, que, naquele momento, vinculava-se ao Ministério do Interior, e entre idas e vindas, de diversos governos, transformar-se-ia em Ministério do Meio Ambiente, retornaria ao status de Secretaria, para somente em 1992 assumir definitivamente a figura ministerial na esplanada.
Pressionado por órgãos internacionais e pela exigência popular, o Governo Federal, por intermédio da SEMA, instituiu em 1981 a Política Nacional do Meio Ambiente, e criou pela Lei Federal nº 6.938/81 o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA), órgão colegiado responsável pela adoção de medidas de natureza consultiva e deliberativa acerca do Sistema Nacional do Meio Ambiente e hoje competente para o estabelecimento de normas e critérios para o licenciamento ambiental, como, também, para o estabelecimento de padrões de controle da poluição ambiental.
Em 1985, com apenas 1,49% da área total do País ocupada por unidades de conservação, foi ciada a Lei 7347, de 24 de julho, que regula a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio-ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.
Não se podia mais ignorar o envolvimento da questão ambiental em nosso dia a dia, e em alinhamento ao apelo popular e internacional a Constituição, de 5 de outubro de 1988, foi um passo decisivo para a formulação da nossa política ambiental. Pela primeira vez na história de uma nação, uma Constituição dedicou um capítulo inteiro ao meio ambiente, dividindo entre o governo e a sociedade a responsabilidade pela sua preservação e conservação, originando inclusive a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA pela Lei nº 7.735, de 22 de fevereiro de 1989, formado pela fusão de quatro entidades brasileiras que trabalhavam na área ambiental: Secretaria do Meio Ambiente — SEMA; Superintendência da Borracha — SUDHEVEA; Superintendência da Pesca – SUDEPE, e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal — IBDF.
Talvez, um dos últimos passos de alta importância sobre o tema ocorreu em 1992, com a realização da Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecida como Rio 92, da qual participaram 170 nações e teve como principais objetivos, identificar estratégias regionais e globais para ações referentes às principais questões ambientais; examinar a situação ambiental do mundo e as mudanças ocorridas depois da Conferência de Estocolmo; e examinar estratégias de promoção de desenvolvimento sustentado e de eliminação da pobreza nos países em desenvolvimento.
PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
O Princípio do Desenvolvimento Sustentável foi inserido na Carta Magna de 1988, e pode ser considerado como um instituto de vanguarda, que visa harmonizar o uso dos recursos naturais de forma equilibrada, colocando no centro da proteção os seres humanos e dos recursos naturais.
Os recursos naturais são escassos e finitos, e não pertencem à geração contemporânea, que tem a responsabilidade de protegê-lo para as próximas, com a intenção de ser gerido e fruído como fonte de recursos e insumos e, para isso, há de se ter a interferência do Poder Público a fim de equalizar os interesses dos diversos setores da sociedade minimizando os riscos ao meio ambiente.
É inegável a dependência que tem o ser humano do meio ambiente e, nesse caminho, é absolutamente racional que se utilize dele de forma sustentável, que não o degrade, visto que os
recursos naturais são finitos, e deles dependem não só o ciclo de vida, mas, também, a economia como elemento político e social e controle dos elementos que são caros para a sociedade. Diante da preocupação das sociedades modernas com a busca pelo meio ambiente ecologicamente equilibrado, e manifestado, principalmente, pela grande repercussão que o assunto causa, é importante o debate e a pesquisa acerca da problemática envolvendo o ambiente saudável e o desenvolvimento.
A degradação ambiental certamente é tão antiga quanto a história do Homem, mas, passou a ser objeto de normatização apenas na Era Moderna e recente da história do mundo, e o Brasil não está apartado desse momento.
A preocupação de preservação em contraponto ao desenvolvimento é recente, porém, é fato que enquanto a natureza mantiver capacidade de absorver e compensar os agravos predatórios ocorridos ao longo dos séculos, não se despertará o senso de urgência do ser humano.
A economia, porém, é tema premente em qualquer sítio do planeta, em especial nas nações emergentes, sendo assunto de estudo aflitivo a todos em tempos de crise severa. Com esse quadro desenhado materializa-se a discussão acerca da relação conflituosa entre o Direito Ambiental (preservação ambiental) e a Desenvolvimento Econômico. Para que haja acréscimo econômico as atividades industriais são indispensáveis, ainda, que infelizmente, estas tenham que utilizar recursos naturais, e a busca do equilíbrio é a grande chave mágica para desvendar esse quebra-cabeça.
Além da incessante utilização dos bens da natureza para a fabricação de produtos na indústria e a sensação de “fonte inesgotável” materializada em localidades de menor engajamento, o meio ambiente, também, serve como depósito de detritos e restos inutilizados pela indústria, hoje, despojos de difícil, quiçá impossível administração, por peculiares características físicas e químicas que vão desde o plástico até o lodo de usinas nucleares, geradores de custos indiretos para a economia de cada localidade (o que economistas chamam de externalidades negativas).
Fica evidente, portanto, que a pesquisa e o estudo, acerca da ciência jurídica ambiental, devem estar intimamente ligados com a teoria econômica e a análise de consequências, com o fito de se conseguir localizar com a maior proximidade de precisão possível o princípio do desenvolvimento sustentável.
Ao se examinar a tutela do meio ambiente sadio é de suma importância fazer a relação com o princípio fundamental do desenvolvimento econômico e da eliminação da pobreza, já que a conexão nitidamente se baseia nos princípios do desenvolvimento sustentável e do poluidor pagador geradores de reflexos financeiros.
A finalidade do desenvolvimento sustentável está em assegurar e equilibrar estes dois ramos do direito, o ambiental e a economia, especialmente, porque o ecodesenvolvimento,
(posteriormente chamado de desenvolvimento sustentável) também, é fruto da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo e mostra-se atual até os dias de hoje.
Aquele momento foi a base para o surgimento do desenvolvimento sustentável defendido atualmente, em especial, porque ao tempo da Conferência, grande parte dos ambientalistas, defensores ferrenhos da natureza, eram contra o avanço econômico, o que fica evidente na famosa e desconexa teoria do Crescimento Zero.
Nesta teoria a destruição do meio ambiente e o crescimento andam de mãos dadas e, por esse motivo, defende-se um movimento que propõe um crescimento zero ou até um decrescimento nas economias do planeta como uma forma de travar a deterioração do meio ambiente.
É óbvio que não se pode considerar factível o decréscimo da economia com o fito de preservação do meio ambiente, basta verificar as nefastas consequências geradas por crises que reduzem o PIB mundial, mas, também, não se pode encarar o meio ambiente como infindável, sob pena de se extinguir inclusive boa parte da matéria prima utilizada pela indústria global, gerando um custo de gestão de resíduos insuportável para qualquer sociedade.
Nota-se que são diametralmente opostas e estranhamente complementares as duas características primordiais do que se convencionou chamar desenvolvimento sustentável. A primeira, voltada à preocupação com a boa condição de vida das futuras gerações e com a integridade do planeta, e a segunda refere-se às inúmeras proibições impostas à exploração da natureza como elemento essencial da economia, geradora de capital necessário para sustentar a primeira.
Inevitável lembrarmos aqui a teoria dos jogos onde cada um dos participantes tenta por seu lado obter vantagens independente do resultado obtido pelo adversário, ficando claro que o desenvolvimento sustentável e a sadia qualidade de vida enfrentam inúmeros problemas dicotômicos, que precisam ser tratados de maneira conjunta e não isolada.
O desenvolvimento sustentável, portanto, como única forma de evolução aceita na Constituição Brasileira, pode parecer, por vezes contrário, ao desenvolvimento capitalista neoliberal que ganha espaço dia após dia na sociedade atual, contudo, o desenvolvimento “não” sustentável, visto com uma afronta ao futuro é absolutamente inaceitável como alternativa ao primeiro,
o que nos obriga a lograr alternativas de equilíbrio, sendo a análise econômica do direito ferramenta poderosa para esse objetivo.
DAS EXTERNALIDADES ECONÔMICAS NEGATIVAS E POSITIVAS
Externalidades são os efeitos sociais, econômicos e ambientais direta e indiretamente causados pela venda de um produto ou serviço, ou seja, são caracterizadas como a diferença entre custos privados e custos sociais de qualquer ação ou operação.
Delimitando um pouco as definições temos que externalidade negativa é o termo utilizado para descrever os efeitos colaterais prejudiciais que podem derivar da criação de um produto ou da execução de um serviço, partindo consciente e intencionalmente, ou não, dos seus agentes responsáveis.
Por outro lado, a externalidade positiva compõe o grupo de fenômenos comumente discutidos nos estudos ligados à gestão de um negócio, ficando-se especialmente no resultado econômico e no potencial de geração de recursos de um produto ou serviço.
Quando tratamos de itens como a responsabilidade social e a responsabilidade ambiental, por exemplo, engloba-se no estudo das externalidades desde as perturbações na ordem coletiva, ou no seu pleno desenvolvimento, até o impacto no bem-estar geral e biológico.
Modernamente, pensamos em uma atividade empresarial, por mais tecnológica que seja, sempre contando com seres humanos responsáveis pela elaboração, gestão e/ou execução dos seus projetos, e da destinação final do processo a outros seres humanos, objetivando a geração de lucro, e controlando as adversidades que podem ser ocasionadas, além dos custos de reparação caso necessários.
Lembremos o famoso caso do Ford Pinto contado pelo Prof. Michael J. Sandel no curso de filosofia do direito na Universidade de Harvard para ilustrar a situação. Nos anos 1970 um dos veículos de maior comercialização nos Estados Unidos era o famoso Ford Pinto, com design moderno e apelos extremamente atrativos aos consumidores. Infelizmente, este carro apresentava um sério problema de projeto já que seu tanque de combustível, mal localizado no chassi, tinha predisposição de explodir caso ocorresse um abalroamento pela traseira.
Após um desses fatídicos acontecimentos, uma das vítimas processou a Ford Motor Company e, o desastroso erro de projeto, veio a público evidenciando que os engenheiros da companhia já sabiam deste perigo, contudo, os executivos da empresa, após longa análise financeira de custo-benefício considerando a previsão de unidades vendidas, o custo de prováveis indenizações e o custo de um recall para reparação de todas as unidades do Ford Pinto, decidiram por lançar o carro daquela maneira assumindo as externalidades positivas e negativas, e acreditando no lucro da operação.
Por mais terrível que possa parecer a decisão tomada nos anos 1970, esse pensamento revela um princípio: toda empresa se estende, através dos seus produtos e de seus funcionários por toda a sociedade e aceitar isso é condição sine qua non para entender os seus efeitos e o surgimento das externalidades.
Corroborando essa teoria Milton Friedman sustentou em seu controverso artigo na The New York Times Magazine em 1970 que “A Responsabilidade Social das Empresas é Aumentar Seus Lucros”. Mas, até onde vai o equilíbrio entre o lucro a qualquer custo e a responsabilidade social?
De modo geral, essa extensão pode apresentar dois resultados: uma mudança positiva, que entrega alguma vantagem ao público-alvo e gera desejo de outros públicos em benefício da economia sustentável, ou a mudança negativa, que lhe extrai vantagem, levando ao dano no seu direito, ao detrimento de sua imagem e ao prejuízo da sociedade.
Agora, vamos visualizar esse fenômeno usando um novo exemplo voltado à responsabilidade ambiental. Ela é um dos objetos de maior estudo no Direito e na Administração, quando o assunto é externalidade.
Para exemplificar, considere as atividades de uma empresa metalúrgica. Durante a produção industrial, faz parte do processo o surgimento de excedentes tóxicos que demandam um tratamento adequado no despejo dos resíduos. Nesse momento, a companhia está diante de uma escolha: contratar o serviço profissional para lidar com os dejetos ou despejá-lo no afluente mais próximo de um rio que corta a região.
Seja qual for a sua escolha, ela reverberará na sociedade e nos indivíduos, mesmo que alheios e desconectados da produção diretamente. Na primeira hipótese as externalidades podem ser consideradas positivas (visto que providencia que a natureza siga protegida) e no segundo, de forma negativa (por gerar poluição). Mas, e o custo da gestão de resíduos? Sua administração ao longo do tempo, a necessidade de controle durante anos para que não cause impactos ambientais descontrolados?
Em qualquer uma das situações, os efeitos serão sentidos por pessoas que em nada estão envolvidas com a companhia ou com seu produto, e de alguma forma afetarão a economia já que o custo de produção e manuseio do resíduo (mesmo de maneira negativa) influenciarão o preço do produto final, e a cadeia produtiva da qual ele faz parte.
Despejar os restos de produção no rio faz com que o custo de produção seja reduzido, proporcionando um produto final da cadeia ao consumidor mais barato, mas isso realmente interessa à sociedade?
O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ECONÔMICA E O MEIO AMBIENTE
Eficiência, considerando a análise do verbete significa a capacidade do indivíduo em realizar tarefas ou trabalhos de modo eficaz e com o mínimo de desperdício e, na essência, não difere da economia que abordamos no início destes estudos.
A eficiência econômica simplista, grosso modo, consiste naquela escolha que, entre dois ou mais processos de produção, permite-se produzir uma mesma quantidade de produto com o menor custo.
De maneira mais moderna e consistente, a eficiência econômica é obtida ou verificada pela aplicação do critério de Pareto (também chamada óptimo de Pareto). Segundo este critério, uma distribuição de recursos é eficiente se for impossível aumentar a utilidade a uma pessoa sem reduzir a utilidade a qualquer outra e nessa assertiva pode-se tomar a expressão “utilidade” sentido de bem estar.
De maneira oposta à teoria dos jogos, a teoria de Pareto define um estado de alocação de recursos de forma que a situação de qualquer participante seja melhorada sem piorar a situação individual de outro participante.
Mais claramente, uma conjuntura econômica é ótima no sentido de Pareto se não for possível melhorar a situação, sem degradar a situação ou utilidade de qualquer outro agente econômico.
Tal princípio serve de fundamento do Direito Ambiental Econômico, tratando de equilibrar a relação entre desenvolvimento econômico e exploração ambiental, utilizando‑o como mediador dessa relação dicotômica.
O ótimo de Pareto, portanto, como ferramenta matemática traz uma visão de otimização dessa relação ambiente-economia, entre princípios constitucionais ambientais e econômicos, servindo para maximizar o desenvolvimento diminuindo a destruição ambiental, tudo sob o enfoque de um modelo neocapitalista preocupado com o bem-estar social.
Esse é o sentido que se espera da aplicação econômica do direito como objetivo social. Melhorar a utilidade de uma ação econômica e a eficiência de produção de forma a não degradar ou prejudicar os agentes sociais.
CONCLUSÃO
A preocupação com as questões ambientais surgiu quando a humanidade descobriu que os recursos naturais são escassos, e a forma de desenvolvimento econômico que desconsiderava a preservação, adotada pela sociedade naquele momento, não estava correta.
A crise do modelo de desenvolvimento econômico neoliberal levou as nações a buscarem alternativas frente à questão ambiental, e os estudos sobre o desenvolvimento sustentável nasceram em um contexto de histórico de crises, gerando uma visão holística sobre o meio ambiente e a economia.
O sistema de governo neoliberal puro significa, em termos de desenvolvimento, um declínio incompatível com a proteção da natureza e partindo-se da certeza de que a base do capitalismo é auferir renda há necessidade premente de equilibrar os interesses sociais de forma a que preservem, também, o meio ambiente como fonte de matéria-prima esgotável e como bem público de interesse coletivo.
O debate lançado na Conferência de Estocolmo no ano de 1972 merece relevância, pois, foi a partir de então que se lançaram os pilares do direito ambiental e do princípio do desenvolvimento sustentável abrangendo esses dois ramos importantíssimos do Direito Social fazendo com que convirjam para um único ponto, o maior bem, para a maior quantidade de pessoas possível.
O padrão de desenvolvimento deve ser sustentável, propiciando uma sadia qualidade de vida às gerações, sem deixar de lado o crescimento econômico das nações e suas economias, e a análise econômica do direito, amplamente avaliada com servirá de mecanismos de estruturação do Estado Brasileiro.
As normas e regras constitucionais basicamente elencados no artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil no que se referem ao Meio Ambiente, e também os princípios econômicos, dispostos no artigo 170 da Carta Magna de 1988 servirão como balizadores das ações futuras, cabendo à análise econômica do direito ser o fiel dessa balança.
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