Em arti­go pub­li­ca­do orig­i­nal­mente em A Ter­ra é PlanaFabio Kon­der Com­para­to, Acadêmi­co Eméri­to da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, Pro­fes­sor Tit­u­lar aposen­ta­do da Fac­ul­dade de Dire­ito da Uni­ver­si­dade de São Paulo, Doutor em Dire­ito da Uni­ver­si­dade de Paris e Doutor Hon­oris Causa da Uni­ver­si­dade de Coim­bra, anal­isan­do as con­se­quên­cias econômi­cas graves da oper­ação Lava Jato, fei­ta no inter­esse dos Esta­dos Unidos, apon­ta o para­doxo de punir empre­sas e per­mi­ir que seus con­tro­ladores saiam ile­sos, fazen­do uma sug­estão de alter­ação leg­isla­ti­va.

Para Fabio Com­para­to, autor do clás­si­co “O Poder de Con­t­role na Sociedade Anôn­i­ma”, a oper­ação Lava Jato “foi pos­ta sob o coman­do de Deltan Dal­lagnol, mem­bro do Min­istério Públi­co Fed­er­al muito lig­a­do aos norte-amer­i­canos; e os proces­sos crim­i­nais dela resul­tantes foram, des­de o iní­cio, canal­iza­dos para uma Vara da Justiça Fed­er­al de Curiti­ba onde, por curiosa coin­cidên­cia, atu­a­va o Juiz Sér­gio Moro; muito emb­o­ra nen­hu­ma das grandes empre­sas neles envolvi­das, a começar pela Petro­bras, ten­ha sede na Cap­i­tal do Esta­do do Paraná.

Leia o arti­go a seguir.

 

Algu­mas Con­se­quên­cias da Oper­ação Lava Jato

Fabio Kon­der Com­para­to

 

Até hoje, prati­ca­mente em todos os país­es, o con­tro­lador de uma empre­sa pri­va­da é con­sid­er­a­do como seu dono ou pro­pri­etário. Nes­sa condição, ele pode usá-la ou dela dis­por como um bem inte­grante de seu patrimônio, inde­pen­den­te­mente da dimen­são da empre­sa, seja ela unipes­soal ou multi­na­cional. E de acor­do com o dog­ma bási­co do sis­tema cap­i­tal­ista, a supressão dessa pro­priedade é inad­mis­sív­el.

Mas em que con­siste real­mente uma empre­sa? Entra ela na clas­si­fi­cação das difer­entes espé­cies de bens, con­stante do Livro II da Parte Ger­al do Códi­go Civ­il Brasileiro? Cer­ta­mente não, pois toda empre­sa é integra­da tam­bém pelos tra­bal­hadores, seus empre­ga­dos; pelo menos enquan­to os avanços da robóti­ca não os fiz­erem total­mente dis­pen­sáveis…

Pois bem, o Livro II da Parte Espe­cial do novo Códi­go Civ­il, que entrou em vig­or em 11 de janeiro de 2003, tem por obje­to o Dire­ito de Empre­sa. Em nen­hum de seus arti­gos, porém, con­s­ta a definição jurídi­ca dessa insti­tu­ição; reg­u­la-se, tão somente, a figu­ra do empresário e o insti­tu­to do esta­b­elec­i­men­to.

Acon­tece que toda orga­ni­za­ção empre­sar­i­al, seja ela grande ou peque­na, pode ser uti­liza­da como instru­men­to para a práti­ca de crimes. Os exem­p­los são múlti­p­los, bas­tan­do citar os mais comuns, como a cor­rupção ati­va (Códi­go Penal, art. 333), inclu­sive em transação com­er­cial inter­na­cional (Códi­go Penal, art. 337‑B); a fraude em con­cor­rên­cia públi­ca (Códi­go Penal, art. 335), inclu­sive em transação com­er­cial inter­na­cional (Códi­go Penal, art. 337‑C); ou os crimes con­tra o con­sum­i­dor.

Sucedeu que, com o lança­men­to da chama­da oper­ação Lava Jato – a qual, segun­do todas as evidên­cias, foi con­ce­bi­da e orquestra­da pelos norte-amer­i­canos – entraram em foco out­ras modal­i­dades crim­i­nosas, cun­hadas nos Esta­dos Unidos, como a orga­ni­za­ção crim­i­nosa (Lei nº 12.850, de 2 de agos­to de 2013), além de novos meios proces­suais de pro­va, como a colab­o­ração pre­mi­a­da (plea bar­gain), reg­u­la­da nos arti­gos 4º e seguintes da mes­ma lei, e ampla­mente uti­liza­da na oper­ação Lava Jato. Graças a ess­es “amer­i­can­is­mos”, mul­ti­plicaram-se proces­sos crim­i­nais inten­ta­dos con­tra empresários – sejam eles con­tro­ladores ou mem­bros da dire­to­ria de grandes empre­sas – além de colab­o­radores de toda sorte, tais como inter­mediários e cor­re­tores.

A oper­ação Lava Jato foi pos­ta sob o coman­do de Deltan Dal­lagnol, mem­bro do Min­istério Públi­co Fed­er­al muito lig­a­do aos norte-amer­i­canos; e os proces­sos crim­i­nais dela resul­tantes foram, des­de o iní­cio, canal­iza­dos para uma Vara da Justiça Fed­er­al de Curiti­ba onde, por curiosa coin­cidên­cia, atu­a­va o Juiz Sér­gio Moro; muito emb­o­ra nen­hu­ma das grandes empre­sas neles envolvi­das, a começar pela Petro­bras, ten­ha sede na Cap­i­tal do Esta­do do Paraná.

Sér­gio Moro foi con­sid­er­a­do pela revista For­tune, em março de 2016 – exata­mente no mês em que ocor­reram os famosos protestos con­tra o gov­er­no de Dil­ma Roussef –, uma das cinquen­ta per­son­al­i­dades, tidas como líderes mundi­ais; foi, aliás, o úni­co brasileiro incluí­do nes­sa lista. No mês seguinte, Moro foi des­ig­na­do pela revista Time uma das cem pes­soas mais influ­entes do mun­do, sendo mais uma vez o úni­co brasileiro assim con­sid­er­a­do.

As con­se­quên­cias da oper­ação Lava Jato foram serís­si­mas para as empre­sas nela envolvi­das e prej­u­dicaram, indi­re­ta­mente, a econo­mia brasileira como um todo. Mas os empresários con­tro­ladores de tais empre­sas, graças às delações que fiz­er­am no esque­ma de colab­o­ração pre­mi­a­da, con­seguiram safar-se em grande parte das penas pri­v­a­ti­vas de liber­dade e pecu­niárias, com­i­nadas para os crimes de que foram denun­ci­a­dos. Ou seja, como sem­pre neste país, os empresários são mais impor­tantes, sob todos os aspec­tos, que as empre­sas sob o seu coman­do.

Como resolver a chara­da? A solução me parece sim­ples, mas difi­cil­mente será lev­a­da em con­sid­er­ação no ambi­ente cap­i­tal­ista-oligárquico, em que sem­pre vive­mos. Se os réus con­de­na­dos nos proces­sos crim­i­nais são os empresários e não as empre­sas, por que ape­nar dura­mente estas últi­mas e abran­dar a punição daque­les? Seria muito mais racional e con­forme ao bem comum deter­mi­nar em lei que o cumpri­men­to das penas pecu­niárias seja feito medi­ante a pen­ho­ra da par­tic­i­pação dos con­tro­ladores no cap­i­tal social, par­tic­i­pação essa que seria, fin­do o proces­so penal, ven­di­da em leilão públi­co.

Afi­nal, se o con­t­role empre­sar­i­al não é uma espé­cie de pro­priedade, mas sim um instru­men­to de poder, den­tro e fora da empre­sa, quem abusa desse poder deve perdê-lo, a fim de não con­tin­uar a prej­u­dicar o bem comum da sociedade.