Mais de cem povos indígenas brasileiros reúnem-se em torno do Manifesto que pode ser lido a seguir.
Uma demonstração de coragem e de engajamento político, que aponta o caminho da defesa dos direitos da Terra e dos deveres dos seres humanos em relação à natureza e o exemplo de uma relação duradoura e sutentável.
A Academia Paulista de Direito vem acompanhando esse levante democrático e apoia a iniciativa, condizente com a proposta do novo Governo democrático, recém-eleito, que trará o importante Ministério dos Povos Originários, em demonstração de sintonia com “os povos indígenas, verdadeiros donos da terra brasileira,” como afirma Alfredo Attié, Presidente da Academia paulista de Direito. Para Sassá Tupinambá, líder indígena profundamente conectado com as tradições e engajado na defesa dos povos originários, é um momento importante de avançar em conquistas e “reparar uma dívida de mais de quinhentos anos de perseguição e invisibilização.”
Leia a seguir o documento — que é complementado pela Nota relativa à participação e à experiiência plural e interseccional, no movimento de construção e de afirmação dos Povos originários:
“Pindomaraí (Brasil), 25 de novembro de 2022.
Carta-Manifesto dos Povos Indígenas
em Contexto Urbano, Aldeias,
Comunidades e territórios afins,
ao Governo Federal Democrático Eleito em 2022.
1- Quem somos?
Diante da conjuntura em que nos encontramos, tanto aqui no país colonial no qual vivemos assim como em grande parte do mundo, surgem ondas de ascensão fascista no contexto da grande crise ambiental do capitalismo, que a cada período se agrava de forma exponencial. Considerando a nossa luta recente e ainda atual para debelar o governo fascista que se apossou do estado colono-capitalista brasileiro, num esforço cada vez mais necessário e cada vez mais amplamente coletivo pela libertação de Pindoramaí (Brasil).
Dito isso, diante da emergência do novo governo de transição de frente ampla que venceu as últimas eleições, como parte do sistema de forças políticas que se apresentaram e se articularam para o enfrentamento ao nazifascismo, através do processo eleitoral de outubro passado, neste ano de 2022, eis pois que surge essa Carta-Manifesto para conhecimento de todos.
Diante das demandas seculares por emancipação das nações indígenas, agredidas e violentadas em sua integridade, devastadas pelo modelo civilizatório de morte e destruição ambiental, subjugadas pelo processo necropolítico colonial, capitalista, tendo em vista, ademais, as singularidades econômicas, culturais, históricas, ecológicas, espirituais e políticas vividas pelas populações indígenas, obrigadas a viver sob o malfadado Contexto Urbano, corolário perverso e criminoso da invasão européia ocidental iniciada entre 1492 e 1500 – populações essas das quais fazemos parte.
Perante as nossas condições de existência, ao apagamento, ao silenciamento, invisibilidade, racismo e geno-etnocídio a que fomos e ainda somos permanentemente submetidos, inclusive em face da divisão artificiosamente criada e perpetuada pelos colonizadores entre nós indígenas, semeando preconceitos racistas que não se sustentam face às nossas Cosmogonias e Cosmopercepções de mundo, mas que permeiam e alcançam, tais divisões, ao interior das aldeias, em comunidades, nas florestas restantes, nós, em Contexto Urbano, resistimos cercados e sitiados pelo asfalto e o concreto das grandes e pequenas cidades erguidas sobre o solo de nossas aldeias invadidas e devastadas.
É em face a tudo isso, sensíveis à força e à luz dos nossos Encantados, que nos dizem: “Avancem! Avancem!”.
Ante à nossa ancestralidade e a história de nossas lutas e resistências a este cruel e brutal processo de colonização, surge, então, a necessidade imperativa de nos juntarmos e nos organizarmos ainda mais, todos nós indígenas, para analisarmos o conjunto político e histórico de nossa realidade vivida, compreendermos quem somos, definindo claramente o que queremos e nos organizarmos para a luta de libertação de nossos corpos indígenas, nossas espiritualidades e ancestralidades, e ainda pela expulsão do colono-capitalista de nossas terras, de nosso território sagrado ancestral.
Por tudo isso, precisamos nos posicionar diante da história e da atual conjuntura em que nos encontramos, dizendo aos nossos povos, à sociedade colonial de ocupação, ao estado colonial brasileiro e ao novo governo que se inicia, quais são as nossas demandas, propostas, reivindicações, necessidades, e, em resumo, o que buscamos, o que queremos.
Esta carta visa apresentar, sobretudo aos nossos povos indígenas, assim como, ao novo governo que se constitui como força antifascista e se declara favorável aos Povos Originários, as nossas posições políticas e planos de luta, para reconhecimento e validação, por nós mesmos e pelo conjunto da sociedade envolvente, de nossa existência nas cidades, a libertação de PINDORAMA, e de todo o continente.
2- Nhande ‘Anga nhe’eng
Ao longo dos últimos quatro anos sofremos ataques de todas as partes, violando sistematicamente os nossos direitos garantidos pela Constituição de 1988 e ratificados pela Convenção 169 da OIT.
Por inércia dos governos anteriores vimos nosso direito imprescritível aos territórios ancestrais sendo devastado e arrasado por grandes conglomerados, pecuaristas, latifundiários/agronegocistas, mineradoras, garimpeiros e madeireiros, entre outros grupos saqueadores, desde o pau brasil até o nióbio, desde 1500 até os dias de hoje, sob o olhar conivente e condescendente de grande parte da bancada congressista.
Tivemos nossas florestas queimadas numa velocidade impressionante, dados que podem ser verificados pelos satélites do INPE. E tivemos mais: a FUNAI, órgão que deveria garantir nossos direitos, passando a emitir pareceres tecnicistas fraudulentos para cercear o direito fundamental ao reconhecimento étnico e omissos em proteger os territórios já demarcados e homologados, prevaricando e paralisando todos os processos de demarcação em curso.
Se não respeitam ou distorcem as legislações, garantiremos nosso direito inalienável e inconteste através da luta pela preservação e manutenção dos territórios.
Mais ainda, acreditamos que podemos alcançar a paz dos direitos reconhecidos e atendidos por meio do diálogo com o novo governo que se inicia.
Até agora, o que temos visto é o estado se negando a proteger a saúde dos indígenas em contexto urbano, além de tentativas de aprovar o Marco Temporal, a PL 490 e a flexibilização dos critérios de licenciamento ambiental no âmbito e no entorno das cidades e unidades de conservação.
Assistimos nossos povos morrerem pela COVID-19 (doença do coronavírus) por omissão de estruturas ligadas à saúde pública, e à sonegação de vacinas; tivemos o direito à água potável negado assim como de outras políticas públicas essenciais à garantia da vida. Ações orquestradas com a finalidade secular de nos exterminar como povos originários e tomar nossas matas e territórios, de modo a eternizar o saqueio das riquezas de nossas terras, de nosso continente Pindoramasu/Abya Yala (Américas).
Tudo isso é parte dessa escalada de violência e de graves atropelos aos direitos humanos contemplados, inclusive, em legislações internacionais das quais o estado brasileiro é signatário.
Uma guerra que nunca terminou e que nos dizima física, cultural e espiritualmente há 522 anos.
Nossa ancestralidade nos chama para luta e, em todas as cidades, indígenas das mais diversas raízes originárias de Pindoramaí se levantam e se reconhecem como parte desses povos que lutam para defender outras possibilidades de mundos, de sociedades, de outras economias, outras formas de ser, de estar e de coexistir no mundo.
Acordados e vigilantes trazemos nossos corpos, nossa ‘anga, nossa nhe’eng, nossas vozes e ancestralidades para reivindicar políticas públicas que nos contemplem em todos os contextos e especificamente nos visibilizem no contexto das cidades, onde fomos obrigados a viver, como resultado direto da invasão e da colonização descritas anteriormente.
Os atuais levantamentos do Censo 2022, ainda com resultados parciais, já apontam para um aumento das populações indígenas no geral e para a sua predominância e concentração nas zonas urbanas.
Se o Estado e as organizações da sociedade colonial nos desconhecem, nós nos erguemos e erguemos as nossas vozes para nos apresentar como Movimento Livre e Popular dos Indígenas em Contexto Urbano, que pensa propostas para políticas públicas e auto-afirmativas para nossos povos.
Nós, indígenas que vivemos no famigerado contexto urbano, terra desflorestada e envenenada, ambientalmente desorganizada pela ganância do homem euro colonizador, expressamos com veemência nosso anseio de que as cidades se tornem, outra vez, comunidades e territórios acolhedores às nossas biodiversidade naturais, às nossas diversidades culturais, espirituais e ancestrais, realizando a partir de políticas públicas sérias e verdadeiramente comprometidas com os Povos Originários de Pindoramaí; políticas essas traçadas a partir do diálogo amplo e coletivo, envolvendo as bases das populações indígenas, nas aldeias, nos campos e nas cidades.
Bem como as personalidades indígenas que irão nos representar em Brasília a partir da fundação do Ministério dos Povos Originários, assim como, de maneira geral, congressistas e legisladores.
As transformações ambientais (no social e no natural) necessárias à reconstituição de nossas teias da vida, nossas florestas, nossos rios, nossos territórios e nossas comunidades e aldeias.
3- Apresentação de propostas e reivindicações
Nhandereko
Desde a invasão, vimos nossa soberania e direitos de povos Originários serem violentados um a um.
A cada avanço dos invasores por nosso território adentro, ano a ano, década a década, século a século, pela criminosa e perversa ação de bandeirantes e outros exploradores fomos sendo feitos escravos, catequizados pelos jesuítas e outros religiosos, tendo as nossas aldeias, territórios e culturas devastados pela ganância do lucro trazida pelo homem branco, que veio da Europa.
Nhandereko (nhande katu rekó)
Um outro exemplo de ataque aos povos indígenas: A partir dos Diretórios Índios de 1755, imposto pelo Marquês de Pombal, como parte do processo in continuum iniciado em 1500, vimos nossa soberania e direitos de Povos Originários serem violentados um a um, perdemos nosso direito às línguas nativas, nossa tradicional e coletiva forma de nos organizarmos, nossos nomes originários, nossas espiritualidades e pertencimentos étnicos proibidos. E sempre enfrentamos esse massacre por meio da nossa desobediência e resistência significava à morte.
Colocados no não-lugar do pardo ou assimilados na cultura do invasor como brancos ou pretos, fomos invisibilizados nas multidões das cidades e suas periferias, e, ao perder a identidade de povos indígenas, também nos roubaram nossos direitos.
Nhandereko (nhande katu rekó). Bem viver. Eis o que buscamos recuperar para todos os nossos
povos!
E durante todos estes séculos temos existido, resistido e lutado pela retomada de nosso território de Pindoramasu, também denominado Abya Yala, e por nossos direitos originários.
Por todas essas nossas lutas, conquistamos algumas vitórias parciais. Uma delas foi inserir na Constituição de 1988 algumas garantias para os nossos povos.
Agora, a atual Constituição do Estado Colonial Brasileiro nos garante algumas das nossas reivindicações. Mas muitas delas, apesar de constar na constituição e nas leis, não são cumpridas pelos governos e órgãos, como a Funai e a Sesai. Não nos adianta promessas de que irão, agora, nos atender. Queremos ver as atitudes do novo governo e da sociedade colonial brasileira daqui para a frente. Por isso estamos novamente nos levantando e reconhecendo, e resgatando nossa identidade etnico-racial. Exigimos a reparação de nossos direitos ao nhandereko, ao bem viver ancestral que resiste e ainda existe em nós.
🌱 A) Bem-viver e Autodeclaração
Devolução, reparação histórica, recomposição e restauração de nossos territórios.
- Respeito à autodeterminação e à autodeclaração como princípio fundamental do direito indígena.
- Cadastramento de reconhecimento étnico obrigatório em todos os municípios.
- Inclusão obrigatória nos registros cartoriais oficiais de nossos nomes e etnias.
🌱 B) Bem-Viver e Saúde
- Sistema de saúde indígena nas áreas urbanas assim como nas aldeias, com verbas próprias e suficientes, desde a saúde preventiva e a atenção básica até a média e alta complexidade, com a construção de hospitais e centros de saúde adequados para assegurar a demanda de toda a população indígena, nas cidades, regiões de florestas, aldeias e zonas rurais.
- Garantia de inclusão neste sistema de indígenas como gestores, profissionais de saúde dos níveis técnico e superior, com investimentos em formação.
- Garantia de que as medicinas originárias e tradicionais dos povos indígenas e seus especialistas tenham livre acesso aos hospitais, postos e centros de saúde para exercerem as suas curas em pé de igualdade com médicos, terapeutas e tratamentos não indígenas.
- Políticas e verbas próprias para os indígenas com deficiência e os portadores de necessidades específicas.
🌱 C) Bem-viver e Educação Decolonial/Contracolonial
- Instituição de escolas de línguas nativas originárias, bilíngues e multilíngues nas cidades, áreas urbanas, rurais e aldeias, em todos os níveis e modalidades de ensino: da pré-escola até a pós graduação, com verbas próprias inseridas no orçamento da União, estados e municípios.
- Resgate de nossa história, habeas data de nossas documentações, artefatos e línguas por meio de investimento direto do estado em escolas, nos centros urbanos, com ensino de línguas nativas ministradas por professores indígenas.*
🌱 D) Bem-viver, Cultura e Espiritualidade
- Reparação de nossas espiritualidades com a construção de centros de pesquisa e documentação, cultura e espiritualidade indígenas em todos os municípios, com determinação de verbas para fomento e divulgação de nossas culturas.
🌱 E) Bem-viver, Estado Plurinacional/Pluriétnico e Território
- Poder Popular Indígena: Organização de estruturas de autogestão oficial baseadas nas tecnologias políticas originárias de Pindoramaí. Reconhecer nossas práticas ancestrais das assembleias dentro das aldeias, em conjunto com aldeias, das etnias e nações, replicando isso para as cidades, territórios estaduais e para todo o território nacional, onde as populações estudem, debatam e decidam, por meio de plebiscitos, referendos e consultas populares, não apenas sobre aplicação de parcelas do orçamento, mas sobre todo o orçamento, sobre leis e políticas públicas de estado, nas diversas áreas: economia, cultura, educação, saúde, meio ambiente (que perpassa todas as áreas), etc.
- Instituição do Congresso Nacional Indígena Pluriétnico Permanente (CONIPP), como fórum permanente de repercussão e amplificação nacional, por todo o território de Pindorama, das demandas, propostas, reivindicações e necessidades das populações indígenas das cidades, das aldeias e das zonas rurais, em articulação com o Sistema de Poder Popular Indígena (SIPOPI).
- Instituição, por emenda constitucional, criando e oficializando as Forças Regulares de Autodefesa dos Povos Indígenas (FORAPI).
- Garantir e promover o debate e o encaminhamento sobre Estado e Sociedade Plurinacionais e Pluriétnicos.
- Reconhecimento territorial de todas as unidades de conservação do território nacional como Territórios Indígenas (T.Is), tornando obrigatória a consulta aos povos originários aos quais os territórios pertencem ancestralmente e imprescritivelmente, sobre seu manejo e utilização.
4 — Restituir, recompor e reparar
Acreditamos que o conceito de Território formulado constitucionalmente como porções de terras sem autonomia e/ou autodeterminação soberana dos povos originários, deva ser submetido a uma análise exaustiva para exigir de parte do Estado Brasileiro o reconhecimento destes diferentes territórios como territórios indígenas, resgatando inclusive, suas nomenclaturas originárias.
Na Resolução 1/2 da ONU de 29 de junho de 2006, aprovada na 107ª Sessão Plenária em 13 de setembro de 2007 diz-se:
“parágrafo VI: Preocupada (a Plenária) com o fato de os povos indígenas terem sofrido injustiças históricas como resultado, entre outras coisas, da colonização e da subtração de suas terras, territórios e recursos, o que lhes tem impedido de exercer, em especial, seu direito ao desenvolvimento, em conformidade com suas próprias necessidades e interesses.”
A partir desse pressuposto é provável a compreensão de que a restituição territorial promove rediscutir as categorias de terra, território e territorialidade, historicamente nomenclaturas usurpadas mediante mecanismos legais que subjazem aos fundamentos teológico-políticos fundantes na cristandade ocidental, principalmente de Roma e logo, mais tarde, sistematizados pela ética protestante. Com isso, acabaram por desterritorializar os povos originários que já moravam em Pindorama, criando mecanismos baseados no direito positivo para consolidar o patrimonialismo e o
proprietarismo existente até os dias atuais.
O parágrafo 10 da Resolução da ONU sobre a Declaração das Nações Unidas sobre Direito dos Povos Originários estabelece que:
“Convencida de que o controle, pelos povos indígenas, dos acontecimentos que os afetam e as suas terras, territórios e recursos lhes permitirá manter e reforçar suas instituições, culturas e tradições e promover seu desenvolvimento de acordo com suas aspirações e necessidades.”
É a partir desse postulado que podemos pensar em recomposição das comunidades como o espírito de justiça-justa para que os diferentes povos e nações originárias possam viver segundo as diretrizes que sejam conformadas “de” e “para” os povos originários em matéria de hábitos culturais, medicinais e tribunais, de pertencimento e de legitimidade do Estado Brasileiro em face a uma abertura de diálogo acerca do Estado Plurinacional e Pluriétnico mediante protocolo de consulta dos povos originários para emenda constitucional. Fato é que, com os seus territórios devolvidos, é possível avançar no leque da reparação histórica que se inicia com a devoluta de terras e territórios nos quais as diferentes etnias e nações, possam estabelecer seu poder de mando dentro da circunscrição.
Exemplo de restituição territorial (aqui apenas como exemplo gráfico) é a designação do território atualmente dominado pelo Estado Chileno onde os povos Mapuches de Wallmapu habitam e redefinem seus territórios mediante e com o aval da jurisprudência daquele Estado-Nação, como “rewe” (território ancestral) e “lof” (comunidade originária).
Dá-se início ao processo de reivindicação e devoluta de terras usurpadas pelo colonizador e cristalizada mediante decreto no final do Século XIX, algo similar com a denominada “Lei de Repartição de Terras” no Brasil de 1850, igualmente, ao ressarcimento de parte do Estado (a exemplo do Canadá) ou ao direito de obter parte dos tributos nacionais (a exemplo da Austrália) para que as diferentes comunidades possam se desenvolver de forma autônoma e emancipatória.
O Art 1º da citada Declaração da ONU deixa a olho nu a importância de que a restituição territorial venha acompanhada com a recomposição das comunidades embora, em contextos diversificados (urbano, rural, floresta e outros) a fim de se constituírem legitimamente como povos com direito a estarem dentro de suas terras e territórios, afirmando nos artigos posteriores, a obrigação do Estado (neste caso) Brasileiro de promover, proteger e amparar os povos indígenas segundo suas próprias leis e da qual o Estado Nacional não deve intervir ou ter algum tipo de ingerência. Isto apenas remontando os Direitos dos Povos Originários do qual o Brasil é signatário.
Se considerarmos os Artigos 231 e 232 da Constituição Federal do Estado Brasileiro, vê-se na mesma a premissa fundante dos direitos indígenas sobre as nossas terras tradicionais.
Em particular, para os indígenas situados em zonas urbanas, face aos massacres e as desterritorializações, tornar-se-ia mais gritante a urgente necessidade de devolução e restauração de nossas terras, aldeias, comunidades e territórios originários, usurpados pelo processo colonizatório ou a reconhecer dentro das zonas urbanas, territórios nos quais estejam povos originários de diversas nações e etnias vivendo e coexistindo sem detrimento de suas línguas, hábitos culturais e espirituais.
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Dispositivos Normativos
Constituição Federal Capítulo VIII — DOS ÍNDIOS (ARTS. 231 E 232)
Texto do Capítulo Art. 231: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.”
· Decreto nº 1141, de 19.5.1994, que dispõe sobre as ações de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas.
· Lei nº 6001, de 19.12.1973, que dispõe sobre o Estatuto do Índio.
· Decreto nº 564, de 8.6.1992, que aprova o Estatuto da Fundação Nacional do Índio (Funai) e dá outras providências.
· Decreto nº 3156, de 27.8.1999, que dispõe sobre as condições para a prestação de assistência saúde dos povos indígenas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Ministério da Saúde, altera dispositivos dos Decretos nºs 564, de 8 de junho de 1992 e 1141, de 19 de maio de 1994, e dá outras providências.
§ 1º — São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
§ 2º — As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.
§ 3º — O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
§ 4º — As terras de que trata este artigo são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.
§ 5º — É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.
§ 6º — São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.
§ 7º — Não se aplica às terras indígenas o disposto no art. 174, §§ 3º e 4º.
Do texto do Capítulo Art. 232 extrai-se que os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo.”