Nota Públi­ca da Presidên­cia da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito

 

Il y a deux sortes de tyran­nie : une réelle, qui con­siste dans la vio­lence du gou­verne­ment ; et une d’opinion, qui se fait sen­tir lorsque ceux qui gou­ver­nent étab­lis­sent des choses qui choquent la manière de penser d’ une nation.

 

A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, por seu Pres­i­dente e Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas,

toman­do con­hec­i­men­to da “Nota públi­ca con­tra a perseguição politi­co-ide­o­log­i­ca no Brasil”, redigi­da e pub­li­ca­da pelo Núcleo de Estu­dos da Vio­lên­cia da Uni­ver­si­dade de São Paulo, uma das insti­tu­ições mais sérias e e rel­e­vantes de pesquisa da sociedade civ­il brasileira, cujo tra­bal­ho tem servi­do de fun­da­men­to para a elab­o­ração de políti­cas públi­cas rel­a­ti­vas ao com­bate à vio­lên­cia em nos­so País, e para a con­strução da paz, por meio da super­ação das graves con­se­quên­cias para o exer­cí­cio da segu­rança públi­ca da desigual­dade sócio-econômi­ca e políti­ca,

vem a públi­co declarar

seu apoio ao protesto vee­mente  con­tra a ilíci­ta elab­o­ração de dos­siê con­tra as liber­dades públi­cas e os dire­itos con­sti­tu­cional­mente asse­gu­ra­dos, que incluem aque­les esta­b­ele­ci­dos em doc­u­men­tos inter­na­cionais fir­ma­dos pelo Brasil,

e

jun­tar-se a todos os cidadãos, cidadãs e enti­dades da sociedade civ­il, cole­tivos e movi­men­tos soci­ais em sua pre­ocu­pação e com­bate à escal­a­da de implan­tação de Regime Anti­con­sti­tu­cional, em nos­so País.

O Regime Anti­con­sti­tu­cional é uma for­ma de tira­nia real e de opinião, e deve rece­ber da cidada­nia brasileira a respos­ta  cora­josa e efi­caz, de resistên­cia e afir­mação da sobera­nia pop­u­lar, das leis e dos dire­itos.

A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, fun­dação que tem pri­ma­do, des­de sua cri­ação, pela luta pela democ­ra­cia e pelos dire­itos humanos, reit­era e exige do Esta­do brasileiro o cumpri­men­to das cláusu­las con­sti­tu­cionais, que con­stituem o pacto legí­ti­mo do povo brasileiro, em sua bus­ca de con­stru­ir e hon­rar os val­ores da liber­dade, da igual­dade e da sol­i­dariedade.

Esta­do Democráti­co de Dire­ito, já! 

Alfre­do Attié

Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas

Pres­i­dente

Acad­e­mia Paulista de Dire­ito

 

Tex­to inte­gral da Nota Públi­ca do NEV-USP:

É com extrema indig­nação que o Núcleo de Estu­dos da Vio­lên­cia da Uni­ver­si­dade de São Paulo (NEV-USP) recebe a notí­cia de que o Min­istério da Justiça e da Segu­rança Públi­ca, por meio da “Dire­to­ria de Inteligên­cia da Sec­re­taria de Oper­ações Integradas” (Decre­to n. 9662/19), elaborou lista com nomes, fotos e doc­u­men­tos de servi­dores públi­cos da segu­rança e pro­fes­sores uni­ver­sitários por suposta­mente man­i­festarem opiniões con­trárias ao fas­cis­mo, o que con­figu­ra clara perseguição políti­co-ide­ológ­i­ca, expres­sa­mente proibi­da pela Con­sti­tu­ição Fed­er­al de 1988 (art. 5o, VIII). Um dos lis­ta­dos é o Pro­fes­sor Paulo Sér­gio Pin­heiro, um dos fun­dadores do NEV. Paulo Sér­gio Pin­heiro é con­sid­er­a­do e recon­heci­do por autori­dades e orga­ni­za­ções nacionais e inter­na­cionais como um dos grandes nomes da história dos Dire­itos Humanos no Brasil e no mun­do, tan­to por sua atu­ação acadêmi­ca, quan­to por sua tra­jetória de atu­ação políti­ca. Atual­mente é Rela­tor da Orga­ni­za­ção das Nações Unidas (ONU) para a situ­ação de Dire­itos Humanos na Síria. Foi Secretário Nacional de Dire­itos Humanos, mem­bro da Comis­são Nacional da Ver­dade e pro­fes­sor tit­u­lar da Uni­ver­si­dade de São Paulo, além de ter leciona­do na Brown Uni­ver­si­ty, Colum­bia Uni­ver­si­ty, Notre Dame Uni­ver­si­ty, Oxford Uni­ver­si­ty e École des Hautes Études en Sci­ences Sociales. Paulo Sér­gio coor­de­nou, jun­ta­mente com o Pro­fes­sor Sér­gio Adorno e Nan­cy Car­dia, um dos primeiros estu­dos do NEV-USP, cujo tema ain­da reper­cute em nos­sa sociedade. O tra­bal­ho “Con­tinuidade Autoritária e Con­sol­i­dação da Democ­ra­cia” (1994 a 2000) anal­isou a con­tinuidade de vio­lações dos Dire­itos Humanos no proces­so de democ­ra­ti­za­ção brasileiro, de con­strução da cidada­nia pós-Con­sti­tu­ição de 1988 e de recon­quista do Esta­do de Dire­ito. O momen­to atu­al que esta­mos viven­do expõe e evi­den­cia aqui­lo que os estu­dos do Núcleo já apon­tavam e con­tin­u­am a apon­tar, que um autori­taris­mo pre­sente em nos­sa sociedade e no Esta­do con­tin­ua vigente e que, por isso, não con­seguimos avançar no respeito e garan­tia dos dire­itos fun­da­men­tais para toda a sociedade. Elab­o­rar dos­siês a respeito de quais­quer pes­soas por terem ou man­i­festarem suas opiniões é uma afronta à liber­dades de opinião e expressão, pilares da Declar­ação Uni­ver­sal dos Dire­itos Humanos, da Con­sti­tu­ição Fed­er­al e do Esta­do Democráti­co de Dire­ito brasileiro, e con­figu­ra Crime de Respon­s­abil­i­dade quan­do feito aos aus­pí­cios de um Min­istro de Esta­do (art. 4o, II, da Lei 1.079/50). Out­ra ile­gal­i­dade pre­sente neste ato é a clas­si­fi­cação do doc­u­men­to como de “aces­so restri­to”, uma vez que a Lei de Aces­so à Infor­mação impede a restrição de doc­u­men­tos sobre con­du­tas que impliquem vio­lação dos Dire­itos Humanos prat­i­ca­da por agentes públi­cos a man­do de autori­dades públi­cas (art. 21, p. úni­co da Lei 12.572/11). Ou seja, a Lei não per­mite a restrição de aces­so a um ato que é ele mes­mo uma vio­lação de dire­itos fun­da­men­tais. Tra­ta-se de mais um exem­p­lo do retorno aos tem­pos de ditadu­ra pro­movi­do pela atu­al admin­is­tração, em que a repressão e o autori­taris­mo con­sti­tuíam-se como for­ma de gov­er­no. É ina­ceitáv­el, e passív­el de imped­i­men­to, que o pos­to de Min­istro da Justiça seja uti­liza­do para perseguir politi­ca­mente pes­soas que não coad­unam com as opiniões do gov­er­no. Causa-nos grande pre­ocu­pação que em um momen­to extrema­mente desafi­ador da história brasileira – somos o segun­do país do mun­do com maior número de víti­mas fatais do novo coro­n­avírus -, ten­hamos que teste­munhar órgãos do Esta­do operan­do com con­du­tas ile­gais e sem acom­pan­hamen­to judi­cial, clara­mente ao arrepio da Con­sti­tu­ição da Repúbli­ca Fed­er­a­ti­va do Brasil de 1988. O Núcleo de Estu­dos da Vio­lên­cia da USP tem demon­stra­do ao lon­go de mais de trin­ta anos de atu­ação, com a lid­er­ança exem­plar do Pro­fes­sor Paulo Sér­gio Pin­heiro, que segu­rança públi­ca só atinge seus obje­tivos de pro­te­ger as pes­soas, o patrimônio e as insti­tu­ições quan­do atua com base em evidên­cias cien­tí­fi­cas, com transparên­cia e com respeito aos dire­itos e garan­tias fun­da­men­tais. Assim, é urgente que a Polí­cia Fed­er­al, a Procu­rado­ria-Ger­al da Repúbli­ca e o Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al, investi­dos nos poderes que lhe foram con­feri­dos pelo leg­is­lador con­sti­tu­inte democ­ra­ta, tomem todas as providên­cias cabíveis para inves­ti­gar o tra­bal­ho efe­t­u­a­do nos porões do Min­istério da Justiça, real­izan­do as dev­i­das respon­s­abi­liza­ções. São Paulo, 25 de jul­ho de 2020.