Um dos mais sérios prob­le­mas vivi­dos na Améri­ca Lati­na é o dos crimes cometi­dos con­tra defen­sores e defen­so­ras do Meio Ambi­ente e dos Dire­itos Humanos.

Os números são assus­ta­dores, porque super­am, em muito, os de out­ros País­es, em que, lamen­tavel­mente, tam­bém há perseguição, ameaça e assas­si­natos de mil­i­tantes da pro­teção de dire­itos.

O Human Rights Watch e a Glob­al Wit­ness têm con­stan­te­mente chama­do a atenção para tais fatos e para a impunidade, que demon­stra não ape­nas pouco caso, mas fal­ta de cumpri­men­to de deveres fun­da­men­tais pelo Esta­do. A impunidade incen­ti­va a per­manên­cia de um esta­do de coisas con­trário ao que deter­mi­nam a Con­sti­tu­ição Fed­er­al, no Brasil, mas igual­mente Trata­dos Inter­na­cionais e Region­ais, que com­pro­m­e­tem País­es de todas as Améri­c­as.

Para o Brasil, a situ­ação se tor­na mais agu­da, ten­do em vista a pos­tu­ra da atu­al Admin­is­tração fed­er­al.

 

Nas fotos, víti­mas de dois casos emblemáti­cos: Chico Mendes, Dorothy Stang.

 

 

 

Veja em duas reporta­gens do El País, de 2018 e 2019.

Leia, tam­bém, a seguir, o Comu­ni­ca­do 168/2018, da Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos,  con­de­nan­do o Brasil, em decor­rên­cia dess­es fatos:

“Wash­ing­ton D. C. — A Comis­são Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos (CIDH) expres­sa sua pro­fun­da pre­ocu­pação com os assas­si­natos de pes­soas defen­so­ras de dire­itos humanos, espe­cial­mente socioam­bi­en­tais, da ter­ra e rurais no Brasil. A CIDH ins­ta o Esta­do brasileiro a abor­dar as causas estru­tu­rais dess­es atos de vio­lên­cia vin­cu­la­dos à luta dessas pes­soas pelo dire­ito ao meio ambi­ente, à ter­ra e ao ter­ritório.

De acor­do com um relatório recen­te­mente pub­li­ca­do pela Comis­são Pas­toral da Ter­ra (CPT), em 2017 ocor­reram 71 homicí­dios rela­ciona­dos a con­fli­tos fundiários em áreas rurais, o que rep­re­sen­ta um aumen­to de aprox­i­mada­mente 15% em relação aos 61 assas­si­natos reg­istra­dos em 2016. Nesse sen­ti­do, hou­ve um aumen­to sig­ni­fica­ti­vo do número de con­fli­tos por ter­ra e água.

Além dis­so, segun­do o relatório anu­al da Glob­al Wit­ness, o Brasil é o país que con­tabi­li­zou o maior número de assas­si­natos de pes­soas defen­so­ras de dire­itos humanos, soci­ais e ambi­en­tais em 2017, reg­is­tran­do, em média, um assas­si­na­to de pes­soa defen­so­ra a cada seis dias, um total de 57 assas­si­natos até o momen­to este ano. Esse seria o maior número de ataques fatais con­tra pes­soas defen­so­ras de dire­itos humanos reg­istra­do des­de 2002. Segun­do esse mes­mo estu­do, 90% dos assas­si­natos de pes­soas defen­so­ras ocorre na Amazô­nia brasileira.

Nesse sen­ti­do, a Comis­são adverte para os efeitos difer­en­ci­a­dos da vio­lên­cia no cam­po sobre as comu­nidades em situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade, como os tra­bal­hadores rurais sem ter­ra, as comu­nidades tradi­cionais afrode­scen­dentes — quilom­bo­las — e os povos indí­ge­nas. Entre as víti­mas de homicí­dios de tra­bal­hadores rurais, o relatório da CPT reg­istrou que, em 2017, as prin­ci­pais víti­mas foram 21 tra­bal­hadores rurais sem ter­ra; 11 cor­re­spon­di­am a mem­bros de comu­nidades quilom­bo­las; e 6 cor­re­spon­di­am a pes­soas indí­ge­nas. Além dis­so, o CPT obser­vou que ape­nas 8% dessas mortes foram inves­ti­gadas até o momen­to.

“São alar­mantes os números cres­centes de mortes de defen­sores do meio ambi­ente, afrode­scen­dentes e indí­ge­nas no con­tex­to da vio­lên­cia rur­al no Brasil, assim como as defi­ciên­cias estatais para com­bat­er as ações dos agentes económi­cos e do crime orga­ni­za­do que afe­tam essas comu­nidades”, disse a Comis­sária Mar­garette Macaulay, Rela­to­ra sobre os Dire­itos das Pes­soas Afrode­scen­dentes e con­tra a Dis­crim­i­nação Racial, e sobre os Dire­itos das Mul­heres.

A CIDH tem acom­pan­hado de per­to a situ­ação de vio­lên­cia no cam­po no Brasil. Em 2017, a Comis­são, em con­jun­to com o Escritório do Alto Comis­sari­a­do das Nações Unidas para os Dire­itos Humanos, expres­sou sua pre­ocu­pação sobre a pro­teção dos defen­sores dos dire­itos humanos no Brasil, em par­tic­u­lar, com os líderes dos tra­bal­hadores sem-ter­ra. A esse respeito, a Comis­são expres­sou sua pre­ocu­pação com o aumen­to da vio­lên­cia no cam­po no Brasil. A Comis­são tam­bém solic­i­tou ao Esta­do que reme­di­asse a incerteza judi­cial ger­a­da pela fal­ta de recon­hec­i­men­to ter­ri­to­r­i­al das comu­nidades quilom­bo­las e obser­vou que essa incerteza exac­er­bou os con­fli­tos e a vul­ner­a­bil­i­dade dessas comu­nidades.

A Comis­são reit­era que a ausên­cia, os atra­sos exces­sivos no proces­so de demar­cação e/ou tit­u­lação de ter­ras, assim como a inter­rupção dess­es proces­sos, podem cri­ar um ambi­ente propí­cio para o surg­i­men­to de con­fli­tos, per­mitin­do a entra­da de lat­i­fundiários ou cam­pone­ses em ter­ras tradi­cionais ou ances­trais. Da mes­ma for­ma, con­tribuem para a per­da de ter­ritórios e ter­ras tradi­cionais; o despe­jo, o deslo­ca­men­to inter­no e, final­mente, o reassen­ta­men­to das pes­soas afe­tadas; a destru­ição e con­t­a­m­i­nação do ambi­ente tradi­cional; o esgo­ta­men­to de recur­sos necessários para a sobre­vivên­cia físi­ca e cul­tur­al das comu­nidades afe­tadas; e sua des­or­ga­ni­za­ção social e comu­nitária.

A Comis­são reit­era que os Esta­dos da região são obri­ga­dos a tomar medi­das ime­di­atas e abrangentes para respeitar e garan­tir os dire­itos das comu­nidades quilom­bo­las e indí­ge­nas ao gozo e con­t­role de seus ter­ritórios e comu­nidades para viv­er livre de todas as for­mas de vio­lên­cia e dis­crim­i­nação. Este dev­er de pro­teção é mais rel­e­vante em ter­ras demar­cadas por meios admin­is­tra­tivos. Por sua vez, a Comis­são lem­bra que os Esta­dos devem ado­tar medi­das de ação ime­di­a­ta e de maneira artic­u­la­da para pro­te­ger e garan­tir a repro­dução cul­tur­al, econômi­ca e social dessas comu­nidades.

“A situ­ação de vul­ner­a­bil­i­dade dos defen­sores do meio ambi­ente, povos indí­ge­nas e quilom­bo­las é grave no Brasil, prin­ci­pal­mente pela redução da estru­tu­ra e orça­men­tos estatais para garan­tir o gozo e con­t­role de seus ter­ritórios e de viv­er livre de todas as for­mas de vio­lên­cia e dis­crim­i­nação”, disse a Comis­sária Anto­nia Urre­jo­la, Rela­to­ra sobre os Dire­itos dos Povos Indí­ge­nas.

Os e as defen­so­ras da ter­ra e do meio ambi­ente devem exercer o seu tra­bal­ho de defe­sa em um ambi­ente propí­cio e livre de obstácu­los para a defe­sa do meio ambi­ente e dos dire­itos humanos, e isso não é pos­sív­el em um con­tex­to de con­stante ameaça a suas vidas ou inte­gri­dade físi­ca. Os Esta­dos devem desen­volver políti­cas abrangentes para pro­te­ger os e as defen­so­ras de dire­itos humanos, com espe­cial enfoque na pre­venção, pro­teção e inves­ti­gação de ataques con­tra os e as defen­so­ras da ter­ra, do meio ambi­ente e dos povos indí­ge­nas, de modo que eles pos­sam con­tin­uar a realizar seu tra­bal­ho sem medo.

Em par­tic­u­lar, a Comis­são obser­va que o Esta­do brasileiro tem a obri­gação de ado­tar políti­cas espe­ci­ais e ações afir­ma­ti­vas necessárias para garan­tir o gozo e exer­cí­cio dos dire­itos dessas comu­nidades trib­ais e indí­ge­nas, ten­do em con­ta o racis­mo, a dis­crim­i­nação racial estru­tur­al e os riscos de intol­erân­cia a que foram sub­meti­das a essas comu­nidades. Essas medi­das devem vis­ar a pro­moção de condições equi­tati­vas para garan­tir a igual­dade de opor­tu­nidades, inclusão e pro­gres­so dessas comu­nidades, respei­tan­do sua iden­ti­dade social e cul­tur­al, seus cos­tumes, tradições e insti­tu­ições.

Por sua parte, o Rela­tor para os Defen­sores e Defen­so­ras de Dire­itos Humanos, Comis­sário Fran­cis­co Eguig­uren, disse que “é necessário garan­tir a apli­cação efe­ti­va do Pro­gra­ma de Defen­sores dos Dire­itos Humanos em âmbito nacional no Brasil. É urgente prop­i­ciar uma dotação orça­men­tária necessária para garan­tir a defe­sa do dire­ito à vida “.

A Comis­são ins­ta o Esta­do a con­tin­uar inves­ti­gan­do ess­es atos e out­ros atos de vio­lên­cia cometi­dos con­tra tra­bal­hadores rurais e a punir os autores mate­ri­ais e int­elec­tu­ais dess­es crimes com a dev­i­da diligên­cia, de maneira com­ple­ta, séria e impar­cial. Isto inclui o desen­volvi­men­to de lin­has de inves­ti­gação que lev­em em con­ta a existên­cia de inter­ess­es dire­ciona­dos a obter van­ta­gens a par­tir do esta­do de vul­ner­a­bil­i­dade e exclusão das víti­mas, de sua origem étni­ca e racial, ou de seu tra­bal­ho como defen­sores e defen­so­ras de dire­itos humanos. A Comis­são tam­bém ins­ta o Esta­do a inten­si­ficar seus esforços para enfrentar a situ­ação de impunidade em torno dos crimes cometi­dos con­tra tra­bal­hadores rurais.

A CIDH é um órgão prin­ci­pal e autônomo da Orga­ni­za­ção dos Esta­dos Amer­i­canos (OEA), cujo manda­to surge a par­tir da Car­ta da OEA e da Con­venção Amer­i­cana sobre Dire­itos Humanos. A Comis­são Inter­amer­i­cana tem como manda­to pro­mover a observân­cia e defe­sa dos dire­itos humanos na região e atua como órgão con­sul­ti­vo da OEA na temáti­ca. A CIDH é com­pos­ta por sete mem­bros inde­pen­dentes, que são eleitos pela Assem­bleia Ger­al da OEA a títu­lo pes­soal, sem rep­re­sentarem seus país­es de origem ou de residên­cia.” (© 2011 OEA, link)