No arti­go a seguir, Alfre­do Attié dis­cute a reação às ameaças ao Esta­do Democráti­co de Dire­ito, chaman­do a atenção das insti­tu­ições para a neces­si­dade de respos­ta efe­ti­va a ameaças incon­sti­tu­cionais e à con­strução de um regime anti­con­sti­tu­cional.

 

O Regime Anti­con­sti­tu­cional:  Ameaças e Omis­sões

Alfre­do Attié

(Doutor em Filosofia da USP, Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito e Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas, exerce a função de desem­bar­gador, em São Paulo)

 

Às vésperas do jul­ga­men­to de recur­so, em segun­do grau, de sen­tença con­de­natória con­tra ex-Pres­i­dente da Repúbli­ca, os jor­nais estam­param a notí­cia da visi­ta do Pres­i­dente do Tri­bunal que iria jul­gar o proces­so, à então Pres­i­dente do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al. Eram tem­pos de ação indig­na­da dos juris­tas, que se man­i­fes­tavam com desen­voltura con­tra a cor­rupção e apoiavam essa ou aque­la figu­ra, con­sid­er­a­da herói­ca  Pouco tem­po depois, a prisão do ex-Pres­i­dente da Repúbli­ca foi comem­o­ra­da em fes­ta real­iza­da por casa notur­na, na qual foram expos­tos os retratos da Pres­i­dente do STF e do Juiz que pro­latara a sen­tença recor­ri­da e con­fir­ma­da, e que se tornar­ia min­istro do atu­al gov­er­no.

Con­tu­do, o ex-Pres­i­dente foi solto, por decisão do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al, que con­sider­ou incon­sti­tu­cional sua prisão. Um pouco mais à frente, a sen­tença e a decisão do recur­so, foram con­sid­er­adas nulas pelo mes­mo Supre­mo, em duas decisões, a primeira con­sider­ou o juiz sus­peito: a segun­da, recon­heceu sua incom­petên­cia assim como a do Tri­bunal que jul­gou o recur­so..

Essa anu­lação, porém, não veio a tem­po de evi­tar a chega­da do Regime Anti­con­sti­tu­cional que viven­ci­amos, isto é, o gov­er­no fed­er­al eleito em 2018 – como decor­rên­cia, em larga medi­da, daque­las decisões anu­ladas – tem aber­ta­mente mil­i­ta­do por palavras, omis­sões e atos, con­tra o Esta­do Democráti­co de Dire­ito, sendo respon­sáv­el pelo agrava­men­to da crise san­itária, ambi­en­tal, energéti­ca, políti­ca, social e jurídi­ca que se esta­b­elece em nos­so País.

Na sem­ana pas­sa­da, ocor­reu mais um fato grave, do pon­to de vista políti­co, e ilíc­i­to, do jurídi­co, pro­tag­on­i­za­do por impor­tantes autori­dades da Repúbli­ca.

Reportagem das jor­nal­is­tas Andreza Matias e Vera Rosa, noti­ciou que o Min­istro da Defe­sa teria envi­a­do avi­so, à guisa de ameaça, ao Pres­i­dente da Câmara dos Dep­uta­dos, havia alguns dias, condi­cio­nan­do a real­iza­ção de eleições em 2022 à aprovação pelo Con­gres­so do voto impres­so. Quan­do emi­tiu o avi­so, o Min­istro estaria acom­pan­hado dos Chefes das três Forças Armadas. O Dep­uta­do Fed­er­al teria rece­bido o avi­so e ido con­ver­sar com o Pres­i­dente da Repúbli­ca, afir­man­do que “não con­tasse com ele para qual­quer rup­tura con­sti­tu­cional.”

Trata­va-se, porém, de um crime de respon­s­abil­i­dade, cometi­do pelo Min­istro da Defe­sa: arti­gos 1º, 2º e 7º da Lei 1079/1950. Se prat­i­ca­do ape­nas pelo Min­istro de Esta­do, o proces­so dev­e­ria ser instruí­do e deci­di­do, sem neces­si­dade de autor­iza­ção da Câmara dos Dep­uta­dos, pelo Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al.

No mes­mo dia da pub­li­cação da reportagem, o Pres­i­dente do Tri­bunal Supe­ri­or Eleitoral pub­li­ca­va, no Twit­ter: “con­ver­sei com o Min­istro da Defe­sa e com o Pres­i­dente da Câmara e ambos des­men­ti­ram, enfati­ca­mente, qual­quer episó­dio de ameaça às eleições.…” Ocorre, porém, que as jor­nal­is­tas sus­ten­taram a veraci­dade da reportagem, assim des­men­ti­da, de modo inusi­ta­do.

O Pres­i­dente da Câmara lim­i­tou-se a con­ver­sar com o Pres­i­dente da Repúbli­ca, e o Pres­i­dente do TSE, com Pres­i­dente da Câmara e Min­istro da Defe­sa. De ambos, con­tu­do, não se esper­a­va senão a con­du­ta (um dev­er con­sti­tu­cional, aliás) de ime­di­ata­mente req­ui­si­tar a instau­ração de inquéri­to para apu­ração e iní­cio de proces­so por crime de respon­s­abil­i­dade con­tra o Min­istro da Defe­sa, ao qual não cabia diri­gir-se a Chefe de out­ro Poder, man­i­fes­tar opinião sobre sis­tema de votação, ameaçar a supressão do dire­ito fun­da­men­tal de voto, muito menos, como fez em nota de respos­ta à reportagem, man­i­fes­tar-se como por­ta-voz das Forças Ara­madas. Afi­nal, o Min­istro é ape­nas aux­il­iar na exe­cução de políti­cas públi­cas deter­mi­nadas pela Con­sti­tu­ição.

Pela mes­ma época em que o aviso/ameaça teria sido envi­a­do ao Pres­i­dente da Câmara, o Pres­i­dente da Repúbli­ca insin­uara  risco de não haver eleição em 2022, ten­do sido lev­a­do a con­ver­sar com o Pres­i­dente do STF, a propósi­to dessa e de out­ras man­i­fes­tações.

Quan­do uma autori­dade recebe uma ameaça, não há pos­si­bil­i­dade de ter­giver­sar sobre a toma­da de providên­cias para apu­ração e proces­so con­tra quem aten­ta con­tra o dire­ito e a democ­ra­cia. Não se tra­ta de opção, pois a víti­ma da ameaça não é ape­nas a autori­dade, mas toda a sociedade. Igual­mente, quan­do a autori­dade toma con­hec­i­men­to do come­ti­men­to de um crime de respon­s­abil­i­dade.

Em sín­tese, um fato anti­con­sti­tu­cional com­plexo, con­sti­tuí­do de muitas man­i­fes­tações e con­ver­sas, mas, espan­tosa­mente, de nen­hu­ma ordem de apu­ração de crime. As insti­tu­ições fun­cionam quan­do cumprem seus deveres, o que não pode ser sub­sti­tuí­do pela exibição em redes soci­ais e chats pala­cianos.