No último fim de semana, dois manifestos foram apresentados por meio de anúncios pagos, em grandes jornais, a exemplo do que haviam feito, na semana anterior, importantes Organizações Não Governamentais nacionais e internacionais, que criticaram o atual ministro do Meio Ambiente, pedindo sua saída, em página inteira de grandes jornais brasileiros, .
As ONGs referiam a antipolítica ambiental levada a cabo pelo atual governo, que causa a devastação de florestas e a invasão e destruição de áreas indígenas, a par da proliferação, em seus territórios, da pandemia, por ação criminosa de invasores, sem que sejam tomadas medidas eficazes de defesa pelas autoridades. Na verdade, a omissão é sempre antecedida por atos de desregulamentação, desmantelamento de equipes de fiscalização e abandono de equipamentos públicos, mesmo por incentivo, por meio de discursos e atos governamentais.
Já o manifesto “Estamos Juntos” reuniu pessoas de várias filiações políticas e matizes teóricas, que, a exemplo do que ocorreu no final da ditadura militar, com o movimento pelas eleições diretas e pela assembleia constituinte, uniram-se para reivindicar o respeito à Constituição, pedindo ação coordenada, afirmando: “temos ideias e opiniões diferentes, mas comungamos dos mesmos princípios éticos e democráticos. Queremos combater o ódio e a apatia com afeto, informação, união e esperança.”
O manifesto “Basta!“reuniu profissionais do direito, de juristas reconhecidos a estudantes de graduação, firmando também adesão à Constituição, e exortando ao combate jurídico para cessarem os crimes que a infringem, e para que sejam responsabilizadas autoridades, empresas e instituições que apóiam tal estado de coisas ou se omitem em seu dever de agir: “cobraremos a responsabilidade de todos os que pactuam com essa situação, na forma da lei e do direito, sejam meios de comunicação, financiadores, provedores de redes sociais. Ideias contrárias ao Estado e ao Direito não podem mais ser aceitas. Sejamos intolerantes com os intolerantes!”
Esses importantes movimentos da sociedade civil retomam as iniciativas de Ministros de Governos anteriores, que se reuniram, pondo de lado divergências de opinião e de concepção de políticas públicas, e, em artigos publicados na grande imprensa, fizeram duras críticas à conduta do atual governo, em suas respectivas áreas de especialização: Direitos Humanos, Cultura, Educação, Meio Ambiente, e, mais recentemente, Relações Exteriores.
A Academia Paulista de Direito, desde ainda antes do processo eleitoral que culminou com a eleição do atual governo, tem-se manifestado de modo pioneiro, contundente, afirmativo, crítico e construtivo, contra o projeto do grupo que assumiu o poder político, grupo que desde logo lançou-se ao cometimento de vários ilícitos graves contra o Estado Democrático de Direito.
A APD Apoia tais iniciativas, que correspondem a sequências lógicas de discursos e documentos produzidos no interior da própria Academia, bem como manifestações de seu Presidente, Titular da Cadeira San Tiago Dantas, de seus Acadêmicos e Acadêmicas, em prol da Constituição e de seus valores.
Em seis de maio de 2019, Alfredo Attié, por exemplo, em artigo publicado na Folha/UOL, exortava à união entre sociedade civil e juristas: “A solução está na política, em primeiro lugar. Um encontro entre os partidários da democracia, da esquerda à direita, travando as iniciativas de um governo, de ponta a ponta, antidemocrático e anticonstitucional. Iniciativas que têm buscado a supressão de direitos, da educação, da saúde, do trabalho, e têm desprezado meio ambiente e desenvolvimento econômico sustentável. Mas apenas a política será fraca para resistir a atos de força e covardia. O direito e os juristas têm de se alinhar à política democrática. Reafirmando direitos e garantias perante tribunais, propondo ações de controle constitucional e de tratados internacionais, cujo teor não pode ser alterado nem revogado de uma hora para outra, mesmo que por um governo antiinternacionalista. E, é claro, a sociedade civil e seus movimentos sociais, culturais, em sua pluralidade e diversidade, não se pode amedrontar e deve continuar a vereda da afirmação e da expressão, de seu empoderamento crescente. Quando falo no direito e dos juristas, refiro também aqueles que exercem sua função nas polícias e têm compromisso com o estado de direito e a democracia. Não se trata de ganhar eleição, mas de vencer a batalha pela democracia e pela Constituição, pelas conquistas de direitos e pela preservação das suas garantias. Não há como abrir mão de um Estado civilizacional conquistado com muito esforço. Não é, evidentemente simples, nem será factível enquanto a sociedade se mantiver fragmentada e separada pelo ódio e tiver medo. Mas é superável esse estado de coisas. Acho que a maioria já enxerga problemas e antevê consequências nefastas para todos. E unir ‑se, reconhecer laços e interesses comuns naquilo que a Constituição define como sociedade livre e solidária, que busca a superação das desigualdades, isso já será passo imenso, salto definitivo em direção da civilização. Não acho isso sonho nem utopia. Acho que está logo aqui, podemos tocar essa sociedade desenhada por nossos antepassados e desejada por nós para o presente e o futuro de nossos descendentes. Está na Constituição, na definição de ambiente, por exemplo. Façamos isso agora, para as gerações futuras, que se lembrarão com orgulho do fato de nos termos erguido juntos, respondendo “presente” ao chamado dos que mais sofrem. Não defenderemos, penso, nada além do essencial, nosso destino comum.”
Já em texto anterior, denominado “Desaparecem os Frágeis Laços de Confiança”, de 6 de janeiro de 2018, escrito a convite do jornalista Frederico Vasconcelos, o Presidente da Academia apontava os liames entre o momento presente e o das reivindicações por liberdades públicas, no final do regime ditatorial: “Eram sinais de esperança e de firme convicção no papel que o direito poderia desempenhar, após tantos anos de exercício de um poder despido de qualidades jurídicas e revestido de uma aparência legalista, que negava a essência da legitimidade e a existência da sociedade livre e igual.”
Estarmos juntos significa nosso interesse, nosso direito e nosso dever de construir um País à altura dos ideias de seu povo, expressos em sua Carta Política, e da legitimidade de nosso desejo de afirmar a liberdade, a igualdade e a solidariedade, a República, o Estado de Direito, a Democracia e os Direitos Humanos, exigindo a cessação do cometimento de crimes contra a Constituição e o titular do poder.