A história diplomática brasileira, malgrado percalços, tem sido coroada de êxitos, sobretudo em, às vezes, pioneirismo, outras, participação, assim como adesão, pautas importantes, na construção de um direito internacional mais coerente com a ordem internacional dos direitos e, sucessivamente, com a “ordem” ou “era dos deveres e responsabilidades”, na forma grafada e definida por Alfredo Attié.[1]
Um dos grandes expoentes dessa diplomacia constituinte foi o recém falecido diplomata José Augusto Lindgren Alves, ao qual a Academia Paulista de Direito ora presta homenagem.
Como se ressaltou, em apresentação a entrevista por ele concedida,[2] sua trajetória de embaixador “ficou marcada pela longa atuação em organismos internacionais de controle dos direitos humanos. Durante os 35 anos de trabalhos realizados no Ministério das Relações Exteriores e na Organização das Nações Unidas (…) a imbricação dos direitos humanos com temas sociais contemporâneos destacou-se como núcleo de suas preocupações. Ele foi o diplomata que criou o Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty, experiência que o inspirou a participar a título pessoal do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU, órgãodecontrole da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Depois de coordenar a delegação brasileira em conferências da ONU decisivas para a consolidação democrática de diversos países, foi ao longo de tão extenso percurso que o embaixador pôde conhecer profundamente as políticas antirracistas implementadas pelos Estados nacionais participantes da ICERD, dando a sua contribuição para o sistema internacional dos direitos humanos.“
Em importantes livros,[3] ensinou, debateu e ajudou a conceber e difundir uma teoria e uma prática dos direitos humanos para além dos aspectos de influência nas relações internacionais, edificando seus aspectos normativos na configuração decisiva do direito internacional contemporâneo.
Lindgren Alves não deixou ainda de fazer implicar a proteção dos direitos humanos com o arsenal produzido pela década de ouro das Conferências e Declarações Internacionais voltadas à produção de uma ordem concatenada e integrada de deveres relativos aos povos e à natureza, assim como o fizeram, igualmente, dois outros brilhantes intelectuais brasileiros, reconhecidos igualmente na âmbito internacional, Celso Lafer e Antonio Augusto Cançado Trindade.
Além de seus livros, importante legado para a expresão de um direito mais consentâneo com as urgências de nosso tempo, teve importante participação na Conferência Mundial de Viena sobre Direitos Humanos, e atuou de forma decisiva perante a Delegação Permanente junto às Nações Unidas, em Genebra, tendo sido perito do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da mesma ONU.
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Notas
[1] ATTIÉ, Alfredo. “Liberdade, Dissensão, Sublevaçãio: movimentos, sentimentos e versões da política e do direito” in SOLON, Ari M. et al (coord.). Múltiplos Olhares sobre o Direito. São Paulo:: Quartier Latin, 2022, p. 547–575; ATTIÉ, Alfredo. “Introdução” in SILVA, Paulo C.N. da (coord.). Direito do Estado. Londrina: Thoth, 2021, p. 43–50; além de aulas e palestras proferidas presencialmente e transmitidas pela internet; ATTIÉ, Alfredo. “Prólogo” in GUILHERME, Luiz F. do V. de A. (org.). Covid-19 na Jurisprudência dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Superiores. São Paulo: CEDES, 2021, p. 13–23; ATTIÉ, Alfredo. “Regime di Stato e Regime di Mercato: Diritti e Doveri Nessa Costruzione della Democrazia” in CICCO, Maria Cristina de (coord.). I Doveri nell’Era dei Diritti: Tra Etica e Mercato. Napoli: Editoriale Scientifica, 2021, p. 74–93.
[2] MESQUITA, Gustavo. “Um diplomata em defesa do princípio universal dos direitos humanos” in Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 32, n. 2, p. 307–327.
[3] Entre os quais, ALVES, José Augusto Lindgrin. É Preciso Salvar os Direitos Humanos. São Paulo: Perspectiva, 2018; Direitos Humanos como Tema Global. São Paulo: Perspectiva, 2011.