Com a aprox­i­mação do 7 de Setem­bro, nos 199 anos da Inde­pendên­cia brasileira, Enrique Ricar­do Lewandows­ki, Pro­fes­sor Tit­u­lar da Fac­ul­dade de Dire­ito da Uni­ver­si­dade de São Paulo — na Cát­e­dra de Teo­ria Ger­al do Esta­do que per­tenceu ao jurista e cora­joso defen­sor das Liber­dades Públi­cas Dal­mo de Abreu Dal­lari (Acadêmi­co Eméri­to da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito) — Min­istro do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al e Acadêmi­co Hon­orário da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito - na qual chegou a ocu­par a Cadeira antes per­ten­cente a Miguel Reale -, fez pub­licar, na Fol­ha de S.Paulo, impor­tante arti­go em que recor­da os vín­cu­los da Con­sti­tu­ição brasileira com a Democ­ra­cia, advertin­do, com veemên­cia, aque­les que cogi­tam e pregam faz­er reviv­er, no País do Esta­do Democráti­co de Dire­ito, conec­ta­do com a Ordem Inter­na­cional dos Dire­itos Humanos, a desven­tu­ra dita­to­r­i­al.

O Min­istro Lewandows­ki tem-se desta­ca­do no Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al,  na defe­sa da Con­sti­tu­ição e do Esta­do Democráti­co de Dire­ito.

Lei a seguir a ínte­gra do arti­go:

 

Inter­venção Arma­da: Crime Inafi­ançáv­el e Impre­scritív­el

Na Roma anti­ga exis­tia uma lei segun­do a qual nen­hum gen­er­al pode­ria atrav­es­sar, acom­pan­hado das respec­ti­vas tropas, o rio Rubicão, que demar­ca­va ao norte a fron­teira com a provín­cia da Gália, hoje cor­re­spon­dente aos ter­ritórios da França, Bél­gi­ca, Suíça e de partes da Ale­man­ha e da Itália.

Em 49 a.C., o gen­er­al romano Júlio César, após der­ro­tar uma encar­niça­da rebe­lião de tri­bos gaule­sas chefi­adas pelo lendário guer­reiro Vercingetórix, ao tér­mi­no de demor­a­da cam­pan­ha transpôs o referi­do cur­so d’água à frente das legiões que coman­da­va, pro­nun­cian­do a céle­bre frase: “A sorte está lança­da”.

A ousa­dia do gesto pegou seus con­ci­dadãos de sur­pre­sa, per­mitin­do que Júlio César empal­masse o poder políti­co, instau­ran­do uma ditadu­ra. Cer­ca de cin­co anos depois, foi assas­si­na­do a pun­hal­adas por adver­sários políti­cos, den­tre os quais seu fil­ho ado­ti­vo Mar­co Júnio Bru­to, numa cena imor­tal­iza­da pelo dra­matur­go inglês William Shake­speare.

O episó­dio rev­ela, com exem­plar didatismo, que as dis­tin­tas civ­i­liza­ções sem­pre ado­taram, com maior ou menor suces­so, regras pre­ven­ti­vas para impedir a usurpação do poder legí­ti­mo pela força, apon­tan­do para as sev­eras con­se­quên­cias às quais se sujeitam os trans­gres­sores.

No Brasil, como reação ao regime autoritário insta­l­a­do no pas­sa­do ain­da próx­i­mo, a Con­sti­tu­ição de 1988 esta­b­ele­ceu, no capí­tu­lo rel­a­ti­vo aos dire­itos e garan­tias fun­da­men­tais, que “con­sti­tui crime inafi­ançáv­el e impre­scritív­el a ação de gru­pos arma­dos, civis e mil­itares, con­tra a ordem con­sti­tu­cional e o Esta­do democráti­co”.

O pro­je­to de lei há pouco aprova­do pelo Par­la­men­to brasileiro, que revo­gou a Lei de Segu­rança Nacional, des­do­brou esse crime em vários deli­tos autônomos, inserindo-os no Códi­go Penal, com destaque para a con­du­ta de sub­vert­er as insti­tu­ições vigentes, “impedin­do ou restringin­do o exer­cí­cio dos poderes con­sti­tu­cionais”. Out­ro com­por­ta­men­to deli­tu­oso cor­re­sponde ao golpe de Esta­do, car­ac­ter­i­za­do como “tentar depor, por meio de vio­lên­cia ou grave ameaça, o gov­er­no legit­i­ma­mente con­sti­tuí­do”. Ambos os ilíc­i­tos são san­ciona­dos com penas sev­eras, agravadas se hou­ver o emprego da vio­lên­cia.

No plano exter­no, o Trata­do de Roma, ao qual o Brasil recen­te­mente aderiu e que criou o Tri­bunal Penal Inter­na­cional, tip­i­fi­cou como crime con­tra a humanidade, sub­meti­do à sua juris­dição, o “ataque, gen­er­al­iza­do ou sis­temáti­co, con­tra qual­quer pop­u­lação civ­il”, medi­ante a práti­ca de homicí­dio, tor­tu­ra, prisão, desa­parec­i­men­to força­do ou “out­ros atos desumanos de caráter semel­hante, que causem inten­cional­mente grande sofri­men­to, ou afetem grave­mente a inte­gri­dade físi­ca ou a saúde físi­ca ou men­tal”.

E aqui cumpre reg­is­trar que não con­sti­tui exclu­dente de cul­pa­bil­i­dade a even­tu­al con­vo­cação das Forças Armadas e tropas aux­il­iares, com fun­da­men­to no arti­go 142 da Lei Maior, para a “defe­sa da lei e da ordem”, quan­do real­iza­da fora das hipóte­ses legais, cuja con­fig­u­ração, aliás, pode ser apre­ci­a­da em momen­to pos­te­ri­or pelos órgãos com­pe­tentes.

A propósi­to, o Códi­go Penal Mil­i­tar esta­b­elece, no arti­go 38, pará­grafo 2º, que “se a ordem do supe­ri­or tem por obje­to a práti­ca de ato man­i­fes­ta­mente crim­i­noso, ou há exces­so nos atos ou na for­ma da exe­cução, é punív­el tam­bém o infe­ri­or”.

Esse mes­mo entendi­men­to foi incor­po­ra­do ao dire­ito inter­na­cional, a par­tir dos jul­ga­men­tos real­iza­dos pelo tri­bunal de Nurem­berg, insti­tuí­do em 1945, para jul­gar crim­i­nosos de guer­ra. Como se vê, pode ser alto o preço a pagar por aque­les que se dis­põem a transpas­sar o Rubicão.”