Em 2011, inda­ga­do por um ami­go, Alfre­do Attié escrevia sobre leituras e livros.

A reed­ição do tex­to, aqui, em Breves Arti­gos, mar­ca a recri­ação do Clube de Leitu­ra ou Salão LiterárioDire­ito e Paixões: Leitu­ra e Escrit­u­ra”, que traz para a Acad­e­mia Paulista de Dire­ito a exper­iên­cia lid­er­a­da por seu atu­al Pres­i­dente, de um exer­cí­cio de for­mação e cri­ação, denom­i­na­do, na época, de “Paixão de Leitu­ra”(2016–2017), assim como de um dos primeiros Núcleos de Pesquisa e Estu­do cri­a­dos e coor­de­na­dos por Attié, sobre “Dire­ito e Exper­iên­cia Literária, entre 1987 e 1991, quan­do leciona­va na UNESP.

Leia, a seguir, o belo tex­to, na for­ma epis­to­lar, do Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas e cri­ador dos ACADEMIA PESQUISA de nos­sa Acad­e­mia.

Livros, por Alfre­do Attié

“Esti­ma­do ami­go,
Como o incon­sciente, que não tem história, a amizade descon­hece as regras do tem­po. O amor, enfim, em todas as suas for­mas, eros, phil­ia, agape, storge, que, diziam os anti­gos, tudo vence, não pre­cisa de exper­iên­cia, nem de med­i­tação, ele é ou não é, et nos cedamus amori.
Inda­ga-me como ami­go quais seri­am os livros impor­tantes, aque­les que, lidos, con­for­mari­am a sabedo­ria, talvez menos a erudição, com­po­ri­am o patrimônio do que chamamos, des­de o sécu­lo XVIII, de civ­i­liza­ção.
Há, é claro, os róis prepara­dos por home­ns efe­ti­va­mente eru­di­tos, de cul­tura recon­heci­da porque hau­ri­da dos clás­si­cos, que acabam por ser exata­mente aque­les que deve­mos ler.
Mas o clás­si­co depende de regra, de con­sen­so dos doutos. Nem sem­pre quer­e­mos ser doutos. O mais das vezes quer­e­mos ser ape­nas nós mes­mos, sim­ples, iguais, no exer­cí­cio da orig­i­nal­i­dade, que define o hom­inídeo, capaz de se adap­tar e mudar sua con­for­mação, ao pon­to de romper as leis nat­u­rais e destru­ir-se a si mes­mo. A cri­ança nasce, assemel­ha-se a um ser vivo qual­quer, que pede cuida­do e ali­men­tação. Pas­sa­do um ano, mais ou menos, começa a agir como ser humano, recu­san­do o que é saudáv­el, bus­can­do o praz­er e fug­in­do da dor. Mas não sabe, senão depois de lon­ga preparação, o que lhe traz praz­er duradouro. Por isso, pas­samos boa parte de nos­sa vida procu­ran­do o praz­er mais fácil, que nos cobra a dor mais duradoura.
Tem remé­dio a condição humana? O próprio ter­mo phar­makos sig­nifi­ca remé­dio e veneno, assim como o bem e o mal sep­a­ram-se por tênue lin­ha, amor e ódio, men­ti­ra, ver­dade, saber, ignorân­cia, vin­gar, per­doar.
Pois então: os livros são, de algu­ma for­ma, como os remé­dios, que fazem bem e mal, depen­den­do do momen­to em que os lemos, do espíri­to que ani­ma a leitu­ra, do modo como dialog­amos com os autores, a par­tir do que quer­e­mos diz­er, ao ouvir deles o que gostari­am de ter dito.
Os livros podem ser más­caras, por onde soa a voz… do leitor. É assim, aliás, que os reli­giosos bradam os livros que con­sid­er­am sagra­dos, instru­men­tos para a exposição de seu próprio dog­ma­tismo, de sua própria con­cepção de mun­do. Se os autores dos livros sagra­dos, divi­nos e humanos, soubessem que não seri­am lidos, mas ape­nas cita­dos, desi­s­tiri­am de seu inten­to de escrit­u­ra. Ou, quem sabe, ten­ham mes­mo sido sábios ao pon­to de per­manecerem anôn­i­mos, escon­di­dos sob o véu do nome de out­ros, pouco reais, pouco imag­i­na­dos. O próprio Deus dos monoteís­tas, Alá, Iavé/Jeová, talvez ten­ha deix­a­do pub­licar ape­nas uma ver­são mais pop­u­lar­izáv­el de suas ideias, escon­den­do, com medo da vul­gar­iza­ção, boa parte do que con­ce­beu. Talvez ten­ha escon­di­do tam­bém a mel­hor parte de nós mes­mos, tor­nan­do-nos par­ci­ais e inca­pazes de realizar a grandeza da con­cepção que temos de nós mes­mos — que nun­ca se encaixa na real­i­dade e gera tan­ta exclusão, intol­erân­cia, dom­i­nação, explo­ração, opressão. Sendo ape­nas parte do que poderíamos ser, quer­e­mos sem­pre trans­for­mar os out­ros à nos­sa imagem, pre­su­min­do que a per­feição nos pode ser dada pelo meio de escon­der, pela desigual­dade, a imper­feição da sim­ples difer­ença.
Mas vamos aos livros. Sem eles, para o bem e para o mal, saben­do ou não dis­so, ten­do-os lido ou igno­ra­do, não seríamos o que somos, nem o que pre­sum­i­mos ser, nem o que pre­tendemos ser e pre­tendemos que os out­ros sejam.
Eles estão aí — na maior parte descon­heci­dos — como rison­hos con­stru­tores de nos­so modo de ser, quem sabe inven­tores de nos­sa iden­ti­dade, ou do que achamos que pos­sa ser.
Mas foram escritos por out­ros de nós. O que sig­nifi­ca que somos os artí­fices de nos­so próprio engo­do, que, tan­ta vez, chamamos des­ti­no.
Pre­sos na mal­ha da ficção, somos porém livres. Não como pás­saros, somente, despos­suí­dos dos instru­men­tos que usamos para tra­bal­har o mun­do. Mas sobre­tu­do livres para a morte, nos­so des­ti­no mais igual e igual­itário. Não nos con­for­mamos com isso, é claro, e con­struí­mos uma hier­ar­quia para ser vivi­da após a morte. Algu­mas dessas con­cepções de nova vida já foram refu­tadas pelos fatos: os pobres seres embal­sama­dos, no anti­go Egi­to, não des­per­taram em nen­hum Paraí­so, mas den­tro das vit­rines dos museus, viven­do o pesade­lo da obser­vação des­cuida­da, impiedosa, con­stante e vul­gar de tur­is­tas.
Sendo, pois, a nos­sa vida assim muito semel­hante, nos son­hos que son­hamos e nos pesade­los que vive­mos, parece evi­dente que a orig­i­nal­i­dade humana nasceu cedo, mas se tornou preguiçosa, aderindo logo à arte da imi­tação.
Por isso esta­va cer­to o poeta que disse que foram poucos os livros escritos, porque as pou­cas histórias que con­taram vier­am a ser recon­tadas con­stan­te­mente, mes­mo que com out­ros nomes, out­ros títu­los, out­ros autores.
Segun­do tal con­cepção, as pou­cas histórias real­mente orig­i­nais estari­am nos primeiros livros, escritos por gente real­mente indus­triosa e inteligente na arte de con­tar histórias e per­pet­u­ar na memória de leitores um enre­do, cuja nos­tal­gia fez com que fos­sem infini­tas vezes com­pi­ladas e recom­pi­ladas.
Para o mun­do que se con­ven­cio­nou chamar de oci­den­tal (um grave equívo­co, basea­do em embustes e ficções medievais), tais histórias primeiras seri­am evi­den­te­mente o anti­go e o novo tes­ta­men­tos, além da Ilía­da e da Odis­séia.
Seu poder de preser­var-se esteve na genial­i­dade da con­cepção e do uso da arte de con­tar histórias. Essa arte é oral. Por óbvio, as fontes de todas as histórias, mal­gra­do escritas, preser­varam a sua mel­hor qual­i­dade por guardarem o esti­lo e o sabor da oral­i­dade. No que perde a afir­mação que antes aqui fiz. Nem os primeiros livros são primeiros, pois suas histórias são com­pi­lações… de livros não escritos.
Pon­to, pois, para um ter­ceiro livro sagra­do, que se acred­i­ta mes­mo mera parte da rev­e­lação div­ina, que con­tin­ua a se faz­er e não é ple­na­mente apreen­sív­el pela for­ma do livro, pela escri­ta. Assim se con­cebe o Corão.
Mais um livro impor­tante, porque sem­i­nal. Já são cin­co.
Haverá tem­po, vita bre­vis, para a leitu­ra e med­i­tação de out­ros livros? Haverá neces­si­dade dis­so, já que as demais histórias seri­am as mes­mas histórias?
Para­doxal­mente, respon­do que sim e sim.
A primeira respos­ta afir­ma­ti­va ape­nas é decor­rente do que já disse: não lemos os livros, mas a nós mes­mos por meio deles. Lemos os livros para viv­er a vida fora (aparente­mente) deles. Nos­sa leitu­ra é ráp­i­da, breve, não se detém. Poder­mos ler todos os livros, não sejamos mais preguiçosos da leitu­ra o quan­to fomos da inven­tivi­dade.
Cin­co livros pra começar.… mas, é uma pena, não podemos lê-los com liber­dade. Estão escon­di­dos por sécu­los e sécu­los de out­ras leituras. Não con­seguimos escav­ar o bas­tante para encon­trá-los, nem temos essa capaci­dade.
Se for só pelo praz­er lúdi­co de bus­car um sub­stra­to arque­ológi­co, do que são hoje tais livros na super­fí­cie, ain­da vá lá. Mas há o prob­le­ma adi­cional da guar­da de tais sub­stratos — sela­dos, enseg­reda­dos (é um neol­o­gis­mo, para diz­er o con­trário de seg­redar) – pelos sabidos ofi­ci­ais. Não se pode sair por aí desven­dan­do sub­stratos e come­tendo erros de leitu­ra e inter­pre­tação: um dos sabidos sem­pre vai cor­ri­gi-los e dar nota. Mais um pon­to a menos para a nos­sa inven­tivi­dade.
Por causa dis­so, out­ros livros foram escritos: que­bram o seg­re­do, sem dizê-lo. Recon­tam, ou mel­hor, refazem a história, rear­ran­jam o enre­do. Veja esse exem­p­lo breve: um arqueól­o­go que chamou sua ciên­cia de psi­colo­gia pro­fun­da, deu o nome de Édipo a um com­plexo de relações do iní­cio da existên­cia. Refe­ria Oedi­pus, um mito, depois uma peça teatral, depois, segun­do a inter­pre­tação freudi­ana, uma out­ra peça teatral, cujo nome seria Ham­let. Ou seja, várias vezes a mes­ma história, mas con­ta­da de várias for­mas, cada uma delas obra da arte de seu con­ta­dor. E depois ain­da veio a história recon­ta­da por out­ro arqueól­o­go-filó­so­fo, que assim­ilou o enre­do ao cur­so de um jul­ga­men­to. Vale a pena ler todos ess­es livros, todas essas ver­sões? Claro que sim. São mais qua­tro livros, fora, é claro, as com­pi­lações de mitos pro­pri­a­mente ditas, que são inúmeras.
Até aqui, como já perce­beu, não estou dire­ta­mente respon­den­do a sua per­gun­ta, mas con­tan­do uma out­ra história, que começa, mais ou menos assim (como come­cei pelo meio da história, ago­ra pre­ciso diz­er como começa o começo): “No princí­pio, não era o ver­bo…” Por quê?
São várias as razões, mas a mais lóg­i­ca é a seguinte: se o livro é um remé­dio… vem depois do mal que dese­ja curar, ou do bem que dese­ja recri­ar.
É por isso que, em boa parte dos primeiros livros, o autor é autên­ti­co e começa a falar de alguém sem explicar muito quem seja. Ele pres­supõe que todos já saibam de quem se tra­ta.
Noutras vezes, o autor é fal­so, pre­ten­siosa­mente orig­i­nal: ele expli­ca quem é a per­son­agem, diz porque se chama assim, quem eram seus ascen­dentes, quem serão seus descen­dentes, como for­mou seu caráter e por aí vai: no mín­i­mo, dupla men­ti­ra: não foi o autor quem inven­tou a per­son­agem; ele con­ta sua fil­i­ação só para agradar alguém do momen­to, ou adu­lar seu povo, ou jus­ti­ficar os capri­chos de um tira­no, que se quer faz­er povo… Exem­p­los inúmeros. Estão nos autores dos tex­tos sagra­dos, abun­dantes, estão em Home­ro, em Virgílio, em Camões, e a lista não aca­ba mais. Vale a pena ler ess­es dois últi­mos aí? A desci­da ao infer­no de Aeneas é uma das mais belas cenas já desen­hadas. O dile­ma civ­i­lizador lusi­tano e sua dependên­cia, muito cedo, da cul­tura dos mun­dos que ocupou, aju­dam a enten­der mui­ta coisa de nos­sa for­ma hes­i­tante de ser. E Dante? Incip­it Vita Nova!
O remé­dio da lit­er­atu­ra, enfim, intox­i­ca. Não con­seguimos nos livrar dele. Seria uma boa coisa desven­dar a razão dis­so. Para tan­to, seria necessário recomeçar nos­sa história, ago­ra do fim (já vimos o meio e o iní­cio).
Ten­ho mais um pouco de sua paciên­cia de leitor?
Pois lhe digo: o mais belo de todos os livros é um livro que não existe. Não existe porque não foi escrito. É o livro que todos podemos e deve­mos escr­ev­er, mas que não esgo­tará a von­tade e o dese­jo de ler o que não está escrito, pois out­ras ger­ações virão, dotadas do mes­mo dese­jo, da mes­ma von­tade.
Hoje em dia, em ger­al, os livros escritos são muito pobres de idéias, de imag­i­nação. São pobres de história e na arte de con­tá-las.
Mas são pobres sobre­tu­do de éti­ca: meros plá­gios, sem mui­ta arte, sequer recon­hecem isso. Pior, gabam-se de orig­i­nal­i­dade… claro. Mas não é isso que chamo de fal­ta de éti­ca. Sabe­mos, des­de os Anti­gos, que o que chamamos de cri­ação é o entre­laça­men­to do que lem­bramos e esque­ce­mos, con­hec­i­men­to e descon­hec­i­men­to, con­sciên­cia e incon­sciên­cia.
Isto lança min­ha breve reflexão a uma obra que dá con­ta exa­ta do poder da lin­guagem escri­ta, ao se apoiar na oral­i­dade, mas acres­cen­tar a capaci­dade de faz­er o mun­do aban­donar a cir­cu­lar­i­dade do tem­po e começar a se perce­ber como fluxo em direção a um cam­in­ho impen­sa­do. Em algum lugar de La Man­cha, de cujo nome não con­si­go recor­dar, vivia um fidal­go… Quem é que não se lem­bra dessas palavras, que são como o iní­cio do tex­to sagra­do dos romances, da aber­tu­ra à mod­ernidade da exper­iên­cia. Quan­tos jogos não con­stru­iu Cer­vantes, quan­tas iro­nias, escr­ev­er car­tas para quem não vai ler, assi­s­tir ao suces­so do livro que está sendo escrito, embustes, ilusões a, até mes­mo, real­i­dade. O Dom Quixote é talvez o mel­hor momen­to de reflexão sobre a condição humana, que são múlti­plas condições, mas tam­bém sobre o que pode realizar e seus lim­ites. Mas uma obra sem vaidade.
Éti­ca é caráter e des­ti­no comum. O que todas as obras que referi tin­ham de con­strução e reflexão sobre caráter e des­ti­no comum… perdeu-se nas obras de hoje, que são des­ti­tuí­das de caráter e de pre­ocu­pação com o des­ti­no comum. Muito óbvias, pre­ten­sa­mente impar­ci­ais e uni­ver­sais, sem opinião, mal escritas para agradar o gos­to mais vul­gar, ape­nas frus­tram.
Há, em decor­rên­cia dis­so, uma con­de­scendên­cia com a men­ti­ra. Queren­do pare­cer boaz­in­has, as pes­soas andam mentin­do muito. Escrevem o que não pen­sam, cur­vam-se a uma idéia de comu­nidade que não existe. Inti­ma­mente, são capazes das piores ações, dos piores pen­sa­men­tos, mas mentem. Como são tolas as pes­soas, hoje em dia, queren­do pare­cer boas aos olhos de todos. E como são tolas as apolo­gias con­stantes, cotid­i­anas. Que per­da de tem­po e de mate­r­i­al… Quan­ta hom­e­nagem à vaidade…
Os livros que todos gostaríamos de ler ain­da estão à espera de ser escritos. Será que retra­bal­hare­mos os livros anti­gos, nova­mente com qual­i­dade? Será que cri­are­mos novas histórias, tecer­e­mos novas tra­mas? Espero que sim.
Antes de con­cluir, gostaria de citar o nome de alguns livros, que me agradaram e cuja leitu­ra recomen­do. São poucos de uma lista imen­sa, que sequer ten­ho paciên­cia de pas­sar para o papel. Mas acho que a lista vai agradar mui­ta gente, que tam­bém citaria os mes­mos livros, ou que ven­ha a tam­bém os ler.
Mui­ta gente pode ter lido, mas cada um leu de modo difer­ente, o que é muito bom. Como a bib­liote­ca pes­soal de cada um.
Ten­ho orgul­ho de pos­suir uma, com aprox­i­mada­mente dezoito mil livros impres­sos – fora os que guar­do, hoje, em meu com­puta­dor. Essa bib­liote­ca pes­soal tem obras que foram de meu pai, Alfre­do Attié (as que mais gos­to são seus cader­nos de estu­do de latim, no anti­go giná­sio, os livros de estu­do de grego), de min­ha mãe, Maria Lucy Marza­gão Bar­b­u­to Attié, de meu tio Hélio Marza­gão Bar­b­u­to e de sua dile­ta ami­ga Mafal­da, além de um livro de de cada um de meus tios Fran­cis­co e Anto­nio Bar­b­u­to, Luís Attié, out­ro de meu tio avô Paulo Marza­gão, out­ras de queri­dos ami­gos, Horst Bar­d­ua e Maria Apare­ci­da Bar­d­ua, Rena­to Janine Ribeiro. Ain­da guar­do os livros que gan­hei na infân­cia e juven­tude de min­ha mãe, Maria Lucy, clás­si­cos que líamos jun­tos, às vezes com­petindo pelo menor tem­po, pela mel­hor resen­ha.
Mas para os livros há dois praz­eres: para muitos o de ape­nas ter, para out­ros, o de ler.
E min­ha indi­cação se dá de poucos livros, ape­nas referindo o praz­er da leitu­ra, sem afe­tação, aque­le que nos faz rir e chorar, eru­di­tos e mun­danos.
Todo autor, assim pen­so, ao escr­ev­er, está referindo, às vezes sem diz­er, o que leu. Por­tan­to toda boa obra está a indicar os seus clás­si­cos.
Entre tais leitores-escritores, sugiro, na lín­gua espan­ho­la, Jorge Luis Borges e, ital­iana, Ita­lo Calvi­no. Seus esti­los são tão mar­cantes, que qual­quer uma de suas obras abrirá as por­tas para todas as demais. Mas que tal, respec­ti­va­mente, Pierre Menard Autor do Quixote, e As Cidades Invisíveis?
Para citar brasileiros, faço‑o do quatuor que, criti­ca­mente, abre a reflexão do que somos e podemos ser, desvin­cu­lan­do-se das amar­ras da lit­er­atu­ra ante­ri­or, apologéti­ca, reprim­i­da: Ser­gio Buar­que de Hol­lan­da e Raízes do Brasil, Gilber­to Freyre e Casa Grande e Sen­za­la, Caio Pra­do Junior e For­mação do Brasil Con­tem­porâ­neo, e Mario de Andrade e Macu­naí­ma. Ain­da acres­cen­taria Guimarães Rosa e Grande Sertão Veredas e Clarice Lispec­tor e a Paixão Segun­do G.H..
Para citar dois autores de lín­gua ingle­sa, cujos tex­tos estão aptos a der­rubar muitos pre­con­ceitos e dog­mas esta­b­ele­ci­dos, Hen­ry David Thore­au e Walden, e Joseph Kon­rad e Heart of Dark­ness. Mas não esqueço o diver­ti­men­to de out­ro tex­to inau­gur­al, O Tom Jones de Hen­ry Field­ing.
Pen­san­do na lín­gua alemã, porque não endos­sar a dúvi­da sobre nos­sa pre­ten­sa capaci­dade de faz­er e de cri­ar: Homo Faber, de Max Frisch.
Ou, na lín­gua holan­desa, de nos definir­mos pelo saber ou pela seriedade de nos­sos propósi­tos: Homo Ludens, de Johan Huizin­ga.
Da lín­gua france­sa, cito dois via­jantes con­tem­porâ­neos, Lévi-Strauss e Tristes Trópi­cos, e Pierre Clas­tres e a Crôni­ca dos índios Guaya­ki. Os livros de viagem que nos ensi­nam a ser­mos out­ros e a respeitar­mos e inte­grar­mos a alteri­dade, como os anti­gos Heró­do­to e Tucí­dides, refletindo sobre o que somos. E cito tam­bém os via­jantes per­sas e suas Car­tas Per­sas, de Mon­tesquieu.
Mui­ta mais há de ser dito, mas encer­ro aqui, dizen­do que, afi­nal, todos os livros que são real­mente livros, ensi­nam-nos a liber­dade de ser­mos nós mes­mos e a igual­dade de respeitar­mos seus autores e os autores por trás deles.
Enfim, o que nos define é a alteri­dade e não a iden­ti­dade.
Um grande abraço do Alfre­do Attié.”