A Sociedade Brasileira para o Pro­gres­so da Ciên­ciaSBPCpro­moveu, no dia 31 de março de 2025, aniver­sário do golpe de esta­do de 1964, encon­tro para debater a relação entre o Golpe de 1964 e a Ten­ta­ti­va de Golpe de 2023.

O even­to con­tou com a coor­ga­ni­za­ção da Acad­e­mia Brasileira de Ciên­cias — ABC.

O debate teve a medi­ação de Rena­to Janine Ribeiro, Pres­i­dente da SBPC, e de Hele­na Nad­er, Pres­i­den­ta da ABC., sendo expos­i­tores con­vi­da­dos o Jor­nal­ista e Pro­fes­sor da PUCRS Juremir Macha­do da Sil­va, e o Jurista Alfre­do Attié, Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, e Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas.

 

Em tex­to do Jor­nal­ista Rafael Revadam, pub­li­ca­do no Jor­nal de Ciên­cia de primeiro de abril de 2025, o even­to foi resum­i­do do seguinte modo:

“A impunidade em relação aos golpes e ten­ta­ti­vas de golpe à democ­ra­cia na história recente do Brasil, des­de 1964 até os even­tos mais recentes de 2022 e 2023, foi tema de uma mesa-redon­da espe­cial real­iza­da na últi­ma segun­da-feira (31/03) pela Sociedade Brasileira Para o Pro­gres­so da Ciên­cia (SBPC) em parce­ria com a Acad­e­mia Brasileira de Ciên­cias (ABC).

Com o títu­lo “Do Golpe Mil­i­tar de 64 ao 8 de Janeiro de 2023: a neces­si­dade de defend­er a democ­ra­cia”, a dis­cussão parte do pres­su­pos­to de que a fal­ta de punição para atos anti­democráti­cos no pas­sa­do criou um ambi­ente que per­mi­tiu não ape­nas o golpe de 1964, mas tam­bém as ten­ta­ti­vas, feliz­mente fra­cas­sadas, de deses­ta­bi­liza­ção nos últi­mos anos.

“Temos a con­vicção de que o fato do Brasil jamais ter feito um tra­bal­ho bom de memória, de recon­hec­i­men­to do que é hor­rív­el em seu pas­sa­do, aca­ba sem­pre abrindo espaço para a repetição”, afir­mou o pres­i­dente da SBPC, Rena­to Janine Ribeiro, na aber­tu­ra do even­to.

O golpe mil­i­tar de 31 de março de 1964 foi pre­ce­di­do por uma série de even­tos que per­manece­r­am impunes, como o suicí­dio força­do de Getúlio Var­gas em 1954, a ten­ta­ti­va de impedir a posse de Jusceli­no Kubitscheck em novem­bro de 1955, as rebe­liões de Jacarea­can­ga e Ara­garças, e a Oper­ação Mos­qui­to, que plane­ja­va assas­si­nar o pres­i­dente João Goulart. Ess­es episó­dios fun­cionaram como uma espé­cie de “ensaio ger­al” para o golpe final, des­feri­do em março-abril de 1964. Da mes­ma for­ma, os ataques à democ­ra­cia entre 2019 e 2022 – incluin­do os dis­cur­sos infla­ma­dos, os blo­queios de estradas, o van­dal­is­mo durante a diplo­mação de Lula e Alck­min em 12 de dezem­bro de 2022, cul­mi­nan­do na ten­ta­ti­va de explodir o aero­por­to de Brasil na véspera de Natal – tam­bém seguiram um roteiro de impunidades que cul­mi­nou na invasão e van­dal­iza­ção dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023.

Para debater este panora­ma, a ativi­dade con­tou com a par­tic­i­pação do desem­bar­gador Alfre­do Attié, do Tri­bunal de Justiça do Esta­do de São Paulo (TJ/SP), que tam­bém é doutor em Filosofia do Dire­ito e foi um dos autores da petição envi­a­da ao STF (Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al) pela inter­dição de Jair Bol­sonaro por insanidade men­tal.

O segun­do con­vi­da­do foi o pro­fes­sor tit­u­lar da PUC-RS (Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca do Rio Grande do Sul), Juremir Macha­do da Sil­va, que é his­to­ri­ador, jor­nal­ista e escritor, con­heci­do por obras como “História region­al da infâmia – o des­ti­no dos negros far­ra­pos e out­ras iniq­uidades brasileiras” (Por­to Ale­gre: L&PM, 2010) e uma impor­tante biografia de Getúlio Var­gas (“Getúlio”. Rio de Janeiro: Record, 2004). A medi­ação ficou a car­go dos pres­i­dentes das duas enti­dades, Janine Ribeiro (SBPC) e Hele­na Bon­ciani Nad­er (ABC).

Em sua fala de aber­tu­ra, o pres­i­dente da SBPC desta­cou as penal­iza­ções dos respon­sáveis pelos even­tos de 8 de janeiro de 2023, incluin­do o jul­ga­men­to do ex-pres­i­dente da Repúbli­ca Jair Bol­sonaro, que seguem em votação no STF.

“O golpe de 1964, por não ter sido dev­i­da­mente tra­bal­ha­do na memória democráti­ca nacional, abriu espaço para cer­tos nos­tál­gi­cos da ditadu­ra apoiarem o Gov­er­no Fed­er­al que tive­mos no perío­do pas­sa­do e que ten­taram um Golpe de Esta­do, que está sendo ago­ra jul­ga­do. É um tra­bal­ho ino­vador o que o Judi­ciário está fazen­do”, pon­der­ou Janine Ribeiro.

O pro­fes­sor da PUC-RS, Juremir Macha­do da Sil­va, fez uma lin­ha do tem­po dos golpes à democ­ra­cia brasileira. Para o espe­cial­ista, além do País, rep­re­sen­ta­do por seu Gov­er­no Fed­er­al, não recon­hecer esse pas­sa­do autoritário, não há penal­iza­ções a quem ameaça a democ­ra­cia, o que incen­ti­va a recor­rên­cia destas ações.

“O Brasil tem uma lon­ga tradição de anis­tia a golpis­tas. Sem­pre no intu­ito de paci­ficar a nação, de acal­mar os âni­mos, de ir em frente. As anis­tias acon­te­ce­r­am muitas vezes na história do País.”

Para Juremir, o jul­ga­men­to de Bol­sonaro no STF é um movi­men­to políti­co que pode romper esse históri­co de impunidades. “Nor­mal­mente, essas ten­ta­ti­vas de golpe estão asso­ci­adas à ideia de que o resul­ta­do eleitoral não foi legí­ti­mo, que foi frau­da­do, como insis­tiu bas­tante Bol­sonaro, mas tam­bém é pos­sív­el imag­i­nar que esse imag­inário de golpe no Brasil se desen­volveu prin­ci­pal­mente a par­tir das tan­tas anis­tias feitas, que estim­u­lam a ideia de que não há punição. É pre­ciso aceitar que a democ­ra­cia é a alternân­cia de poder.”

O espe­cial­ista pon­der­ou que o Brasil pre­cisa descon­stru­ir a ideia do golpe como solução políti­ca. “É pre­ciso romper com essa ideia e con­stru­ir um novo imag­inário, de um país que resol­va seus prob­le­mas pela democ­ra­cia e que aceite a ideia de que a der­ro­ta de hoje pode não ser defin­i­ti­va, haverá uma próx­i­ma eleição. De cer­to modo, nós con­tin­u­amos neces­si­tan­do forte­mente do desen­volvi­men­to da crença na democ­ra­cia como o mel­hor dos regimes políti­cos e, pelo qual, é pre­ciso se inve­stir com­ple­ta­mente.”

Com­ple­men­tan­do o debate, o desem­bar­gador Alfre­do Attié reforçou que os fatos anti-democráti­cos da história do Brasil não são fatos iso­la­dos. “O golpe não é ape­nas um momen­to, ele é um proces­so. Ele pas­sa por um momen­to de preparação e várias ten­ta­ti­vas. Nós tive­mos exata­mente isso no Brasil a par­tir de atu­ações con­tra a democ­ra­cia.”

Attié falou tam­bém sobre o papel do poder Judi­ciário como artic­u­lador de práti­cas golpis­tas, como as real­izadas nos últi­mos anos. “Nós não podemos esque­cer da atu­ação anti-políti­ca, anti-con­sti­tu­cional, que o Judi­ciário empreen­deu sobre­tu­do a par­tir da Oper­ação Lava-Jato e do lava­jatismo como uma cul­tura de inter­venção noci­va jurídi­ca na políti­ca. E, tam­bém, não podemos esque­cer do jul­ga­men­to que sofreu o atu­al pres­i­dente da Repúbli­ca, Lula – um jul­ga­men­to injus­to, incon­sti­tu­cional, e que acabou entran­do, dig­amos assim, como um ingre­di­ente de preparação desse novo golpe a que nós assis­ti­mos em janeiro de 2023.”

Para o espe­cial­ista, com o jul­ga­men­to de Bol­sonaro no STF, o Judi­ciário ago­ra, de cer­ta for­ma, pode ter uma redenção do seu papel ante­ri­or. Attié tam­bém con­cor­dou com os argu­men­tos de Juremir sobre o Brasil ter uma tradição enraiza­da de golpes.

“Eu diria que se tra­ta de uma cul­tura volta­da a destru­ir a capaci­dade políti­ca de con­strução de uma sociedade efe­ti­va­mente jus­ta, democráti­ca, igual­itária, com liber­dade e sol­i­dariedade.”

Retoman­do a palavra, o pres­i­dente da SBPC, Rena­to Janine Ribeiro, obser­vou que, no Brasil, o que seri­am mudanças efe­ti­vas – a inde­pendên­cia, a Repúbli­ca, movi­men­tos democ­ra­ti­zantes como a Rev­olução de 1930, a deposição da ditadu­ra em 1945 e a democ­ra­ti­za­ção de 1985 – foram sem­pre con­duzi­das “por cima”, por próceres do regime ante­ri­or: o príncipe herdeiro de Por­tu­gal, o marechal do Império, fig­urões dos gov­er­nos ante­ri­ores; e isso sem­pre blo­queou um ver­dadeiro ajuste de con­tas com o pas­sa­do. Os jul­ga­men­tos ora em pau­ta no Supre­mo Tri­bunal per­mitem romper com esse padrão, e por isso são mais que necessários.

Para a pres­i­dente da ABC e pres­i­dente de hon­ra da SBPC, Hele­na Nad­er, além do recon­hec­i­men­to públi­co sobre os golpes e da punição aos seus envolvi­dos, o Brasil pre­cisa rev­er a for­ma com que nar­ra a sua lin­ha do tem­po.

“O que eu vejo é que o Brasil tem uma fal­ha grave na sua edu­cação, que é a maneira como a gente con­ta a nos­sa história. Se nós for­mos olhar, a nos­sa história é sem­pre muito embeleza­da. Por exem­p­lo, não der­ra­mamos sangue para ter­mos a nos­sa inde­pendên­cia. Onde? No imag­inário de quem escreveu isso. Então, a gente ensi­na mal as histórias e, ensi­nan­do mal, o jovem não vai apren­der aqui­lo que dev­e­ria.”

Nad­er ressaltou a importân­cia das novas ger­ações terem a con­sciên­cia do que são estes aten­ta­dos à democ­ra­cia, para que eles, no futuro, pos­sam defend­er o País.

“A gente lutou para ter­mos o Esta­do Democráti­co de Dire­ito de vol­ta, porém, abri­mos mão de ensi­nar que hou­ve uma ditadu­ra. A gente não ensi­na isso de uma for­ma clara, e isso é uma neces­si­dade. O estu­dante tem que enten­der a con­quista que foi a Con­sti­tu­ição de 1988. Essa Con­sti­tu­ição é uma beleza em relação aos dire­itos e obri­gações, para que o Brasil ten­ha uma cidada­nia ple­na”, con­cluiu.

Con­fi­ra as refer­ên­cias citadas no debate:

Autori­taris­mos Neolib­erais: o Esta­do de Sítio – Alfre­do Attié

Autori­taris­mos Neolib­erais: o Esta­do de Sítio – primeira parte (1/3) – Brasil 247

Autori­taris­mos Neolib­erais: o Esta­do de Sítio – segun­da parte (2/3) – Brasil 247

Autori­taris­mos Neolib­erais: o Esta­do de Sítio (3/3) – Brasil 247

Brasil em Tem­po Acel­er­a­do: Políti­ca e Dire­ito – Alfre­do Attié

História Region­al da Infâmia – Juremir Macha­do da Sil­va

Brizo­la: Vozes da Legal­i­dade – Juremir Macha­do da Sil­va

Brizo­la: Vozes da Legal­i­dade – Juremir Macha­do da Sil­va (Ama­zon)

Assista a seguir à  mesa-redon­da “Do Golpe Mil­i­tar de 64 ao 8 de janeiro de 2023: a neces­si­dade de defend­er a democ­ra­cia” ou acesse ao debate no canal da SBPC no YouTube..