Em meio à riquíssima programação da “Terceira Feira — Encontro das Literaturas das Margens do Mundo” de Diamantina, no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, realizou-se, no dia 11 de setembro de 2024, à tarde, o evento Encontro sobre Cultura e Desenvolvimento nas Margens do Mundo, como colóquio inaugural da Casa de Juscelino, em homenagem a Celso Furtado.
Organizada com a criatividade e o espírito democrático do escritor, ativista cultural e pensador do Brasil e de suas raízes africanas, Anelito Oliveira (veja, no final do texto, a programação completa — e sempre em construção — do evento literário, artístico e de afirmação política, educacional, cultural, social, econômica e poética, que reuniu pensadores, pensadoras e autores, autoras do Brasil e da África), a Terceira Feira rememora, em seu título, o livro do poeta, dramaturgo e diplomata brasileiro João Cabral de Melo Neto, editado pelo autor, em 1961. No livro estão poemas que falam de modo seco, direto e enérgico ao Brasil e seu povo, como o dedicado a Graciliano Ramos, no qual João Cabral revela-se no estilo do escritor, jornalista e político alagoano: “Falo somente do que falo:/do seco e de suas paisagens,/Nordestes, debaixo de um sol/ali do mais quente vinagre:/que reduz tudo ao espinhaço,/cresta o simplesmente folhagem,/folha prolixa, folharada,/onde possa esconder-se a fraude./Falo somente por quem falo:/por quem existe nesses climas/condicionados pelo sol,/pelo gavião e outras rapinas:/e onde estão os solos inertes/de tantas condições caatinga/
em que só cabe cultivar/o que é sinônimo da míngua (…)”
Na escolha feliz desse título para seu evento pleno de significado cultural, disse Attié, “Anelito fez situá-lo em meio do redemunho, ao buscar a posição central para a margem do mundo, fazendo dela nem começo, nem fim, mas medula, fundamento, radical meio, terceira margem, narrativa alternativa de afirmação e perenidade. Uma feira que não se inicia nem se finda, mas se concretiza numa rede infinita de relações, que têm o poder da transformação poética e política eternas em sua criatividade.”
A programação contou com conferência, colóquios, feira de livros, minicursos, oficinas, saraus, shows musicais, performances, exibição de filmes e lançamentos de livros. As atividades aconteceram em espaços históricos e turístico de Diamantina: o Teatro Santa Izabel, a Casa de Juscelino, a Casa Chica da Silva e o Mercado Velho. Trata-se de mais uma das realizações do Instituto Daghobé, concebido por Anelito, com a visão e missão, como afirma seu site, de “contribuir para o desenvolvimento humano de pessoas em condição de pobreza, privadas de sustentabilidade sócio-econômica por motivos diversos: analfabetismo, desemprego, falta de moradia, racismo, machismo, homofobia, longevidade, doença etc. Pretende-se instrumento de promoção da sustentabilidade em todos os níveis em territórios historicamente abandonados à própria sorte por um Estado que privilegia o Grande Capital em detrimento do humano. Acreditamos ser fundamental ativar capitais diversos constitutivos desses territórios, como a solidariedade, a cooperação, o humanismo. Tal como no conto “Os irmãos dagobé”, o Instituto tem como visão a necessidade de reversão de trajetórias socialmente negativas e a produção, por conseguinte, de sujeitos potentes, prósperos.”
O Encontro sobre Cultura e Desenvolvimento nas Margens do Mundo teve a participação da tradutora e escritora Rosa Freire D’Aguiar, responsável pela edição e publicação da obra de Celso Furtado, que falou sobre a relação entre Furtado e Juscelino Kubitschek; do arquiteto e professor João Diniz, responsável pela concepção do espaço central da Terceira Feira, que falou sobre sua obra arquitetônica e sobre a arquitetura da palavra; do economista Wilson Vieira, do Centro Celso Furtado, que falou sobre o percurso histórico da obra de Furtado; do professor e pesquisador Alessandro Octaviani, que falou sobre o ideário desenvolvimentista de Furtado e de Kubitschek; e do jurista, filósofo e escritor Alfredo Attié, Presidente da Academia Paulista de Direito e Titular da Cadeira San Tiago Dantas, responsável pela criação do Instituto Celso Furtado, que falou sobre a importância do pensamento de Furtado sobre o Brasil e sobre desenvolvimento, abordando, a seguir, a relação entre cultura, direito e desenvolvimento, a partir da análise crítica do processo-constitucional brasileiro e de suas contribuições e perspectivas diante da crise atual da democracia e da justiça.
Attié abriu sua fala com a citação de Tom Zé: “Made in Brazil, Brazil/Retocai o céu de anil/Bandeirolas no cordão/Grande festa em toda a nação/Despertai com orações/O avanço industrial/Vem trazer nossa redenção”, ao criticar o que chamou de “uma concepção de desenvolvimento que acabou por se enraizar em nosso País, a partir, pelo menos, da última ditadura civil militar, de invasão do espaço/tempo democrático, com a inserção de mecanismos de controle técnico e ideológico que desumanizam o sentido da vida político-econômico-cultural-jurídico-social, para instalar uma senda de exploração e opressão, revelando seus laços com a permanência do momento colonial e escravista.”
Assista a seguir ao encontro e às importantes intervenções dos participantes, ou acesse o vídeo, aqui, no Canal YouTube do Instituto Daghobé.
Programação Completa da Terceira Feira — Encontro Literário nas Margens do Mundo