No arti­go a seguir, “Cidada­nia e FIESP”, o Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito e Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas, Alfre­do Attié, anal­isa a crise da prin­ci­pal enti­dade de rep­re­sen­tação empre­sar­i­al brasileira, relacionando‑a ao con­tex­to da crise políti­ca.

Para Attié, há neces­si­dade de a democ­ra­cia per­me­ar as estru­turas e as insti­tu­ições da sociedade brasileira, para além de sua pre­sença no espaço públi­co.

Leia a ínte­gra da con­tribuição, a seguir.

 

Cidadania e Federação das Indústrias de São Paulo

Alfre­do Attié

 

Em 11 de agos­to de 2022, no Salão Nobre e no Pátio das Arcadas da Fac­ul­dade de Dire­ito da Uni­ver­si­dade de São Paulo, a sociedade civ­il e os movi­men­tos soci­ais e políti­cos brasileiros reuni­ram-se para cel­e­brar a Car­ta aos Brasileiros — que Gof­fre­do da Sil­va Telles havia redigi­do e lido, 45 anos antes, no mes­mo Largo São Fran­cis­co — e realizar a leitu­ra da Nova Car­ta a Brasileiros e Brasileiras.

A primeira Car­ta cla­ma­ra cora­josa­mente pela rede­moc­ra­ti­za­ção do Brasil, no bojo de movi­men­to de resistên­cia à ditadu­ra civ­il-mil­i­tar, que ain­da per­du­raria até 1985/1986. A segun­da rep­re­sen­ta­va uma toma­da de posição em defe­sa e afir­mação do Esta­do Democráti­co de Dire­ito, insti­tuí­do pela Con­sti­tu­ição Cidadã de 1988, con­tra as ten­ta­ti­vas de sua sub­ver­são e mes­mo sus­pen­são lev­adas a cabo por um regime anti­con­sti­tu­cional,[1] que, assim como, des­de o iní­cio de sua mil­itân­cia con­tra a democ­ra­cia e o império da lei,  bus­ca­va suprim­ir e desre­speitar dire­itos, deveres e políti­cas públi­cas deter­mi­na­dos pela Con­sti­tu­ição, naque­le momen­to pun­ha em xeque a real­iza­ção de eleições livres e a man­i­fes­tação pop­u­lar.

A segun­da Car­ta rece­beu o apoio de impor­tantes rep­re­sen­tantes de todos os estratos da sociedade civ­il, sobre­tu­do de enti­dades líderes dos setores empre­sar­i­al e tra­bal­hador, ten­do sido, inclu­sive, divul­ga­da nos prin­ci­pais jor­nais do País.

À frente dessa ini­cia­ti­va esta­va, ao lado das prin­ci­pais con­fed­er­ações e sindi­catos lab­o­rais, a FIESP, rep­re­sen­tan­do o empre­sari­a­do brasileiro, assu­min­do, assim, pro­tag­o­nis­mo democráti­co – mal­gra­do impar­cial e apartidário –, defend­en­do as insti­tu­ições repub­li­canas e as práti­cas democráti­cas.

É pre­ciso salien­tar esse caráter orig­i­nal e val­orizar a cor­agem que envolve, ao super­ar perío­do lon­go de hes­i­tação diante de práti­cas aten­tatórias ao espíri­to de liber­dade e de com­pro­me­ti­men­to solidário que deve car­ac­teri­zar o empreende­doris­mo con­tem­porâ­neo. A Fed­er­ação das Indús­trias paulista alin­ha­va-se com os defen­sores dos ideias e dos val­ores con­sti­tu­cionais democráti­cos, pon­do-se con­tra o extrem­is­mo anti­con­sti­tu­cional, em pos­tu­ra de dig­nidade políti­ca.

A FIESP reúne aprox­i­mada­mente cinquen­ta e duas unidades rep­re­sen­ta­ti­vas, no Esta­do de São Paulo, de cen­to e trin­ta e três sindi­catos empre­sari­ais e cen­to e trin­ta mil indús­trias, respon­sáveis por val­or supe­ri­or a quarenta por cen­to do Pro­du­to Inter­no Bru­to brasileiro. Foi fun­da­da em 1931, por ini­cia­ti­va, entre out­ros, de Rober­to Simon­sen, no bojo do movi­men­to cívi­co-cul­tur­al que cri­aria a Esco­la de Soci­olo­gia e Políti­ca de São Paulo, em 1933, e a Uni­ver­si­dade de São Paulo, em 1934. Ao lado do Serviço Social da Indús­tria e do Serviço Nacional de Apren­diza­gem Indus­tri­al paulis­tas, e de seus equipa­men­tos edu­ca­cionais e cul­tur­ais, como o Cen­tro Ruth Car­doso e o Teatro Pop­u­lar do SESI, real­iza políti­cas de extrema importân­cia para a con­sol­i­dação do desen­volvi­men­to brasileiro e con­ti­nen­tal, para a defe­sa da livre ini­cia­ti­va, para a con­strução de espaço solidário de con­vivên­cia nos setores econômi­co, cul­tur­al e social, e para a real­iza­ção de ino­vações no cam­po da pro­dução, ade­quadas à sus­tentabil­i­dade e à inter­sec­cional­i­dade respon­sáv­el por pro­je­tos de igual­dade e inclusão no tra­bal­ho e na pro­dução.

No sen­ti­do, por­tan­to, do que rep­re­sen­ta para a cidada­nia brasileira, não é pos­sív­el igno­rar o sen­sív­el momen­to pelo qual pas­sa, assim reafir­man­do o com­pro­mis­so com o Esta­do Democráti­co de Dire­ito e seus laços com a sociedade civ­il e com os movi­men­tos e as ini­cia­ti­vas volta­dos à defe­sa da Con­sti­tu­ição e do império da lei, no âmbito públi­co e no setor pri­va­do.

É pre­ciso, pois, não ape­nas prestar sol­i­dariedade à ini­cia­ti­va de enga­ja­men­to legí­ti­mo da enti­dade, na defe­sa da dig­nidade da políti­ca democráti­ca, mas igual­mente defend­er que seu proces­so de gov­er­nança cor­re­spon­da à expec­ta­ti­va da sociedade brasileira, no momen­to de recon­strução insti­tu­cional democráti­ca pelo qual pas­samos.

Focos de resistên­cia e ameaça soci­etal e estatal à restau­ração con­sti­tu­cional ple­na devem ser trata­dos pronta­mente segun­do dita­mes de con­vivên­cia jurídi­ca e políti­ca, impedin­do que obsta­c­ulizem o cur­so de nos­sa história de con­strução vence­do­ra da democ­ra­cia, ini­ci­a­do em 1988.

Não há super­ação da crise indus­tri­al brasileira e glob­al fora do ambi­ente democráti­co e de respeito às insti­tu­ições, ten­do em vista a necessária inter­ação entre as várias fac­etas da vida social. No âmbito das insti­tu­ições pri­vadas de inter­esse públi­co, como é o caso da FIESP, o respeito aos estatu­tos cor­re­sponde ao pri­ma­do da lei, no ambi­ente públi­co.

A cidada­nia brasileira[2] espera que todas as insti­tu­ições, da sociedade e do Esta­do, assumam com­pro­mis­so com os man­da­men­tos con­sti­tu­cionais, aban­do­nan­do a fal­sa polar­iza­ção e o incen­ti­vo ao ódio que car­ac­teri­zaram a vida públi­ca nos últi­mos qua­tro anos. Não deve haver tol­erân­cia em relação ao pre­ten­so polo anti­con­sti­tu­cional, em ver­dade de pre­sença ina­ceitáv­el no dis­cur­so e na práti­ca democráti­cos. Divergên­cias não devem encam­in­har a extrem­is­mo e não podem levar ao desliga­men­to da ordem jurídi­ca.

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NOTAS

[1] ATTIÉ, Alfre­do. Brasil em Tem­po Acel­er­a­do: Políti­ca e Dire­ito. São Paulo: Tirant, 2021.

[2] ATTIÉ, Alfre­do. Dire­ito Con­sti­tu­cional e Dire­itos Con­sti­tu­cionais Com­para­dos. São Paulo: Tirant, 2023, em vias de lança­men­to.