Em importante artigo jurídico, os juristas Rogério Viola Coelho, Tarso Genro e Mauro Menezes analisam a PEC dos Precatórios, demonstrando sua inconstitucionalidade, ao apontarem o abuso do poder de emendar a Constituição, bem como o colocar em risco os direitos e garantias fundamentais do povo brasileiro, notadamente créditos de natureza alimentar de titularidade de trabalhadores e pensionistas, comprometendo, igualmente a existência de pequenas e médias empresas.
A PEC 23/2021 e sua Inconstitucionalidade: Fundamentos e Consequências
Rogério Viola Coelho
Tarso Genro
Mauro Menezes (*)
Introdução
O direito positivo contém, como ordem e conceito, a partir do Preâmbulo da Constituição, a capacidade de medir-se por si mesmo e esta capacidade é que dá forma a sua racionalidade, bem como faz a sua capacidade de adaptar-se a novas situações. Esta adaptação tem, numa ordem democrática, duas balizas bem claras, que compõem a dogmática capaz de permitir que a ordem que ela instala tenha efetividade.
Esta PEC 23/2021, na sua essência, quer resolver um conflito distributivo, instalado nas obrigações da União pagar as suas dívidas, diluindo a racionalidade das “duas balizas” (ou fundamentos) de qualquer Constituição democrática, especialmente das Constituições Sociais do Século XX, feitas “ouvindo a sociedade”, a saber: o princípio da igualdade perante a lei e o princípio da inviolabilidade dos direitos, consubstanciado em sua expressão mais acabada, qual seja, a decisão judicial definitiva.
A estrutura da Constituição Social, inerente a um Estado Democrático de Direito, é aberta e inclusiva e, por isso mesmo, como fundamenta José Rodrigo Rodriguez, baseado em Franz Neumann, ela foi “aberta para o futuro” (…) “capaz de aprender as novas demandas sociais”, o que permite dizer que “a questão não é mais qual é a verdade substantiva que deve orientar a elaboração do direito positivo, mas como construir instituições capazes de ouvir a voz sociedade”.1
No que refere às dívidas com os servidores públicos e Segurados da Previdência no rol de precatórios decorrentes de direitos vulnerados às vezes durante mais de uma década, as duas “balizas” adquirem valor estruturante do sentido da Constituição Social, no que refere ao Sistema de Justiça. Trata-se da efetividade do acesso à Justiça para o cumprimento de leis
fundadas em direitos constitucionais fundamentais, que estão protegidos nos princípios da inviolabilidade dos direitos, da igualdade perante a lei, da segurança jurídica e assim perante a possibilidade de fazer cumprir a lei.
I — Análise preliminar da PEC dos Precatórios.
A denominada PEC dos Precatórios – PEC 23/2021 – introduz mudanças relevantes no sistema atual de pagamento de precatórios judiciais contra a União, regulado no artigo 40 da Constituição da República. Se aprovada, a emenda parcela em dez anos o pagamento de precatórios de maior valor e depois estabelece um “teto de gastos” anual, rebaixado para pagamento de precatórios, submetendo os créditos habilitados a um “concurso de credores” de fato, que viola a legalidade formal e desiguala sujeitos de direito perante prestações devidas pelo Estado. A seguir, são apontadas as principais alterações.
Primeira – Uma regra permanente() introduzida no § 20 do artigo 40, (que) parcela em dez anos o pagamento dos “grandes precatórios”, que são aqueles cujo valor excede em no mínimo 1.000 vezes o teto dos créditos de pequeno valor, pagos por RPV.2
Como o limite dos créditos definidos como de pequeno valor, pagos por RPVs, é hoje de R$ 66.000,00, o parcelamento alcançaria só os precatórios de valor excedente a R$ 66 milhões. Mas, atenção: o “teto” dos créditos de pequeno valor — pagos por RPV — pode ser alterado por lei ordinária. O atual § 3º do artigo 40, já diz que esse teto é fixado em lei, devendo ser, no mínimo, igual ao teto dos benefícios da previdência social, hoje de seis mil e seiscentos reais aproximadamente.3
Segunda – É introduzida uma regra transitória, com vigência até 31/12/2029, no art. 101‑A do ADCT (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias), instituindo um “teto de gastos” anual com precatórios, equivalente a 2,6% da receita corrente liquida acumulada em doze meses. No ano de 2020, tal base de cálculo ficaria abaixo de 700 bilhões de reais, o que resultaria num valor acumulado inferior a 20 bilhões para o “teto de gastos” com precatórios. Esse teto ficaria muito abaixo do montante que vem sendo habilitado ano a ano para o custeio desses pagamentos; em torno de 3 vezes menor do que em 2021 e 4,5 vezes menor do que 2022. As disposições dessa norma consolidam um verdadeiro calote programado, que não ousa dizer seu nome.4
Como vimos, “o previsto no artigo 100, § 20”, introduzido no artigo 40, é o parcelamento do pagamento em dez anos. Os créditos seriam hierarquizados pelo seu valor, numa escala descendente, para ser aplicado o parcelamento em dez anos, a partir do crédito de maior valor, descendo na escala, até ficar só os que cabem no montante disponibilizado – o “teto de gastos” anual com precatórios – quitando-se só os créditos menores. Em uma projeção para 2022, portando, submetendo a escala decrescente de precatórios habilitados ao teto de gastos (calculado sobre a receita corrente líquida prevista) o parcelamento já incidiria sobre os créditos maiores que R$ 450 mil.
Uma eventual redução no limite que define o valor dos precatórios de pequeno valor – o que poderá ser feito por lei ordinária – deslocaria para a lista de precatórios habilitados uma quantidade significativa de créditos hoje pagos por RPV. O efeito mediato seria o rebaixamento do valor limite acima do qual os precatórios sofreriam o parcelamento em dez anos. O rebaixamento dessa “linha de corte” amplificaria a incidência do parcelamento no sentido descendente.
Uma questão não regulada explicitamente pela PEC é a localização das parcelas vencidas anualmente em decorrência dos fracionamentos do valor de precatórios, seja daqueles considerados de grande valor (regulados pelo § 20 introduzido no artigo 40), seja daqueles que ficaram acima da linha de corte na escala descendente gerada pelo artigo 101‑A do ADCT. Se tais parcelas forem subsumidas no teto de gastos, em 2023 os créditos parcelados já absorveriam a metade da verba disponível e em 2024 a absorveriam integralmente, sem pagamento dos novos créditos vencíveis naquele ano.
Terceira – Os créditos contra a Fazenda Pública passarão a ser corrigidos pela taxa SELIC uma única vez e a correção já afastaria a incidência de juros, ou qualquer compensação da mora, conforme o artigo 3º da PEC 23–2021, que reza: “Art. 3º Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia — Selic, acumulado mensalmente.”
Quarta – Os créditos dos Estados e Municípios contra a União, reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado, serão dirigidos para abatimento das suas dívidas como ente central, deixando de acrescer no montante dos precatórios. Nesse exercício, eles somam 14 bilhões de reais.
É fácil constatar que a emenda projetada, instituindo um “teto de gastos com precatórios”, em valor que fica muito abaixo do montante dos créditos que vêm sendo habilitados nos últimos anos, tende a reduzir a efetividade dos direitos sobre o Estado, podendo conduzir ao seu aniquilamento. É previsível que em poucos anos seria vencido o prazo de pagamento dos precatórios habilitados no exercício anterior, sem que nenhum deles seja saldado.
II — Da Emenda Projetada pela PEC 23/2021 em face da Constituição.
A sujeição do cumprimento das decisões judiciais contra a Fazenda Pública ao sistema de habilitação e pagamento de precatórios, com fundamento no princípio da orçamentação da despesa pública, sem dúvida protela no tempo o seu cumprimento. Mas constitui também uma garantia da efetivação da tutela jurisdicional dos direitos de crédito sobre o Estado, em face de sua constitucionalização.
Em face dessa garantia, no caso de postergar voluntariamente este pagamento, o Poder Executivo estaria descumprindo a Constituição que está obrigado a cumprir. A obediência devida aos mandamentos constitucionais constitui objeto de juramento do Presidente da República, instituído pelo seu artigo 78, segundo o qual, ao tomar posse em sessão conjunta do Congresso Nacional, presta o “compromisso de manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis …” Como se vê, essa norma consagra a sujeição do poder estatal ao Direito. Em face desse dever de cumprir a Constituição, os poderes constituídos buscam o caminho de sua modificação, através de Emenda, para afastar o cumprimento das obrigações fundamentais que ela impõe, considerando ilimitada a competência que conferida no artigo 60 da Carta Política.
A seguir, é examinado o significado institucional da mudança projetada pela PEC no sistema de precatórios, à luz dos princípios e normas da Constituição, buscando após a determinação dos limites materiais intrínsecos ao dito poder de emenda, para, ao final, demonstrar que o novo sistema de pagamento projetado excede inequivocamente estes limites.
O novo sistema concebido pela PEC institucionaliza objetivamente um empréstimo compulsório dissimulado, imposto exclusivamente sobre titulares de créditos certificados pela jurisdição, cujos valores já estariam incorporados aos respectivos patrimônios individuais. Para a restituição devida destes valores, a PEC institui um concurso de credores perverso, tendente a produzir o seu aviltamento. Trata-se da instituição de um empréstimo imposto à latere do instituto do empréstimo compulsório positivado no seu artigo 148, sem os requisitos deste.
A emenda projetada é profundamente discriminatória dos únicos credores da União certificados pela jurisdição. Eles são desigualados diante dos demais cidadãos na edição da emenda, que tem a natureza de lei constitucional, alcançando direitos que serão ainda legitimados nos anos futuros pela jurisdição. A PEC busca institucionalizar um processo diferenciado obstrutivo da execução, com vigência por dez anos, que incidirá a cada ano, dentre outros, sobre mais de cem mil titulares de créditos alimentares, decorrentes de salários sonegados aos trabalhadores do Estado ou de benefícios previdenciários não pagos na época devida, que são direitos fundamentais substantivos.
Trata-se de um processo de exceção, que submete os titulares desses créditos judiciais a um injusto concurso de credores tendente a aviltar todos os valores, em face do teto de gastos anual com precatórios, fixado em patamar muito inferior aos seus montantes dos últimos exercícios, concretamente um terço a menor sobre 2021 e 4,5 vezes menor do que o previsto para 2022. Este processo corresponde a uma privação do direito ao devido processo legal que protege os bens e a liberdade de cada um, desguarnecendo direitos fundamentais substantivos, os bens mais relevantes pelo sistema constitucional.
Cumpre observar que os titulares de créditos sobre a União decorrentes de sentenças judiciais transitadas em julgado — créditos certificados pela jurisdição, depois de anos de resistência — são simultaneamente devedores do mesmo ente público por contribuições previdenciárias e Imposto de Renda, sujeitos a ações executivas reforçadas quando não pagos. Quando as empresas atrasam os tributos que devem recolher, são cobradas mediante execução fiscal, que é dotada de enorme força coercitiva. Maior é o peso da discriminação para os titulares de créditos alimentares retidos – mais de cem mil anualmente – porquanto todos aqueles com quem contraem obrigações, terão seus créditos cercados das garantias máximas, dispondo de ações executivas com especial força coercitiva. Gastam também com alimentos, taxas de serviços públicos, empréstimos consignados e financiamentos imobiliários, sujeitando-se a ações executivas.
Tal desigualdade na edição da lei introduz no ordenamento uma perversa desigualdade na aplicação da lei, donde resulta que a emenda projetada está em total desconformidade com a igualdade perante a lei, em sua dupla dimensão. Princípio que tutela todos os demais direitos fundamentais individuais elencados no artigo 5º da nossa Constituição.
Importa assinalar que a igualdade na edição da lei (igualdade na lei) e a igualdade na aplicação da lei constituem duas dimensões do princípio da igualdade perante a lei. No Brasil, as duas dimensões do princípio foram assimiladas integralmente a partir da Constituição de 1988, conforme leciona Celso Antonio Bandeira de Mello: “Rezam as constituições – e a brasileira estabelece no artigo 5º caput –que todos são iguais perante a lei. Entende-se em concorde unanimidade, que o alcance do princípio não se restringe a nivelar os cidadãos diante da norma legal posta, mas que a própria lei não pode ser editada em desconformidade com a a isonomia. O preceito magno da igualdade, como já tem sido assinalado, é norma voltada quer para o aplicador da lei quer para o legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os individuos, mas, a propria edição dela sujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas.”5
O principio da igualdade perante a lei foi consagrado na primeira Declaracão dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, em suas duas dimensões: a igualdade “deve ser a mesma para todos, seja para proteger, seja para punir” e, além disto, “todos os cidadãos são iguais a seus olhos e igualmente admissíveis a todas as dignidades, lugares e empregos públicos, segundo a sua capacidade e sem outra distinção que não seja a das suas virtudes e dos seus talentos”.6
As duas dimensões da igualdade perante a lei, reconhecidas nos diversos paises que avançaram para o Estado Constitucioanal de Direito, se afirmaram em ordens diferentes. Na Alemanha se afirmou primeiro o princípio da igualdade na aplicação da lei e depois o princípio da igualdade na edição da lei, a igualdade na lei. Na Espanha o caminho foi o inverso.7
Cumpre enfatizar que a instituição de um regime de exceção para o pagamento dos precatórios emitidos contra União não encontra respaldo em qualquer bem jurídico contemplado na Constituição. Ao revés, o texto constitucional confere prevalência máxima à garantia do exercício dos direitos fundamentais sobre os poderes constituídos, que foram submetidos ao direito no Estado Constitucional. Na prática, o próprio direito de acesso à Justiça, é amparado pelo postulado da igualdade perante a lei, devendo ser considerado direito de igual a acesso à justiça. É evidente que a Emenda projetada conduz aceleradamente a um aumento das desigualdades sociais, ofendendo o princípio da igualdade expresso entre os objetivos fundamentais da República, ao prever no artigo 3º da Constituição a redução das desigualdades sociais e regionais.
A naturalização da imunidade da Fazenda Pública, pelos poderes constituídos, se apoia na ideia pressuposta da supremacia do Estado sobre a sociedade, visto como um ente dotado de soberania e fonte geradora dos direitos individuais através da lei posta pelo Parlamento. Trata-se, no entanto, de direitos individuais fundamentais gerados pela Constituição, que institui e submete os poderes constituídos ao Direito. Essa ideia da supremacia do Estado sobre a sociedade prevaleceu até o Estado de Direito Liberal, quando era o próprio Parlamento que decidia sobre a conformidade das leis que editava com a Constituição, que era alterável sem obstáculos, conformando objetivamente a supremacia do Estado. Esta concepção, no entanto, foi superada com o advento do Estado Constitucional de Direito, que proclama a sujeição dos poderes constituídos ao Direito e a supremacia dos direitos fundamentais sobre o poder político, remanescendo hoje aquela concepção como superada ideologia, propagada pelos juristas liberais.
As maiorias eventuais instaladas no governo e que hegemonizam o Congresso Nacional em geral invocam a existência de uma crise para impor a exceção. Mas convém dimensionar que essa crise foi gerada e agravada pelas políticas de ajuste econômico, que levam a uma espiral recessiva. Por outro lado, a própria Constituição regula as medidas destinadas à superação das crises, entre estas o recurso aos empréstimos compulsórios, que têm esta destinação específica. Dispõe essa norma: “ Art. 148 – A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II – no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b.”
A incidência sobre direitos de servidores públicos e segurados da Previdência, titulares de direitos fundamentais individuais substantivos, e de pequenas empresas, para imposição desse empréstimo compulsório extravagante – um regime de exceção – contraria frontalmente a norma inscrita no art. 150, inciso II, que impõe limites e critérios para as imposições tributárias: “ Art. 150 — Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos, ou direitos.
O Estado Constitucional de Direito, consolidado ao longo do século XX, inverteu essa supremacia do Estado, instituindo a supremacia da Constituição e a inviolabilidade dos direitos fundamentais pelos poderes constituídos. A nossa Constituição proclama a supremacia dos direitos fundamentais, impondo ao Estado por ela instituído a missão de assegurar o seu efetivo exercício. Os poderes constituídos cumprem esta função, não só observando a igualdade na edição da lei, mas também assegurando a todos a igualdade na aplicação da lei, o que importa conferir a todos o direito à igualdade no acesso à Justiça, contando com igual acesso à garantia máxima do devido processo legal. A imperatividade da missão de assegurar a efetivação dos direitos fundamentais é expressa pela inviolabilidade dos direitos individuais e sustentado pelo postulado da igualdade da aplicação da lei expressos no artigo 5º da Constituição.
Resta verificar se uma tal transformação, instituinte de um regime de exceção no pagamento de precatórios habilitados contra a União, estaria abrangida pelo denominado poder de emenda, considerado pela doutrina liberal um poder constituinte derivado, equivalente ao poder constituinte originário, de amplitude ilimitada.
III — Os Limites Materiais Intrínsecos do Poder de Emenda
Com o crescimento das correntes políticas identificadas com a doutrina do liberalismo econômico, e o avanço mais recente da doutrina do ultraliberalismo, vêm sendo pautadas reformas constitucionais em diversos países, com o objetivo de eliminar garantias institucionais, para reduzir a efetividade dos direitos fundamentais sociais e individuais, que foram positivados extensamente nas Constituições do segundo pós-guerra dos países democráticos centrais e periféricos. Com tal objetivo, as maiorias eventuais que chegam ao governo e hegemonizam o Parlamento tratam de amplificar a competência especial deferida aos poderes constituídos para emendar o ordenamento constitucional, buscando converter os poderes constituídos em poderes constituintes, diferenciados do originário apenas formalmente, por ser dele derivado.
As Constituições contemporâneas são aparelhadas para resistir ao avanço demolidor dos fatores reais de poder identificados no século XIX por Lassale.8
A doutrina reflete e fortalece essa resistência, identificando limitações implícitas ao dito poder de emenda. Sepúlveda Pertence diz que o STF já havia reconhecido “a existência de limitações formais e materiais implícitas ao poder de reforma constitucional”. Para ele “a própria denominação de poder constituinte derivado visa encaminhar a fuga das suas limitações intrínsecas ou explicitas, e acresce que “na verdade, o que se tem é uma função constituinte entregue a um poder constituído, portanto limitável pela Constituição que o institui”.9
Canotilho e Vital Moreira avançam na identificação das linhas de demarcação intransponíveis: “os princípios fundamentais, nas suas múltiplas dimensões e desenvolvimentos, formam o cerne da Constituição e consubstanciam a sua identidade intrínseca. Por isto, todos os princípios fundamentais estão, em maior ou menor medida, garantidos contra a revisão constitucional, erigidos em limites materiais de revisão, tanto em si mesmos como em várias das suas dimensões mais eminentes”.10
Os autores lusitanos descrevem a evolução do constitucionalismo, dizendo que na concepção tradicional, agora superada, a Constituição era apenas o estatuto de organização do Estado, que estabelecia limites ao seu poder para preservar uma esfera de autonomia para os indivíduos, com positivação da chamada liberdade frente ao Estado. Alheia à ordem social, a Constituição do Estado liberal não podia impor-lhe tarefas em favor dos cidadãos. Na nova concepção, a Constituição é que institui o Estado e submete ao Direito os poderes constituídos, passando a ser também a lei fundamental da sociedade. Ela traz “um caderno de encargos do Estado, das suas tarefas e obrigações no sentido de satisfazer as necessidades econômicas, sociais e culturais dos cidadãos e dos grupos sociais.”11
Ao mesmo tempo a Constituição se arma para resistir às investidas e vencer a resistência à efetivação dos direitos consagrados. A sua rigidez é respaldada pelo sistema de controle de constitucionalidade, assegurando a supremacia da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico infraconstitucional, que ficou submetido não só ao regime de competência e aos procedimentos prescritos pelo estatuto supremo, como também às suas determinações substantivas, ficando o legislador comprometido com a observância do conteúdo material das normas superiores e a agir no mesmo sentido.
A proeminência reconhecida à Constituição implicava em elevar a manifestação da soberania popular no momento constituinte a um patamar superior ao das manifestações da soberania popular, na vida cotidiana da democracia parlamentar, através dos poderes constituídos. “Luigi Ferrajoli é levado a sustentar que “minhas teses se limitam a dar conta de um fato: que os direitos fundamentais estabelecidos por uma constituição rígida impõem, queiram ou não, limites e vínculos substanciais … à democracia política, tal como se expressa nas decisões das maiorias contingentes.”12
Assim sendo, a doutrina que busca equiparar os poderes constituídos ao poder constituinte, para negar a existência de limites intrínsecos e interpretar restritivamente os limites explícitos impostos ao dito poder de emenda pelo ordenamento constitucional, soa como uma ideologia, preservada por uma concepção liberal do Estado e do Direito.
Pedro de Vega, em estudo dos limites intrínsecos ao poder de emenda, também destaca o caráter subalterno dos poderes constituídos em relação ao poder constituinte, que é a primeira expressão da soberania popular. Conforme as exigências do Estado Constitucional, não se admite outra configuração possível que a de entender o poder de emenda como um poder constituído e limitado. E prossegue com o questionamento: “Se o título e a autoridade do poder de reforma descansam na Constituição, poderia esse poder destruir aqueles supostos constitucionais que constituem seu próprio fundamento e razão de ser?”.13
Trata-se de identificar, além dos limites explícitos, os limites implícitos materiais existentes na Constituição. Este autor traça o caminho lembrando que “desde suas primeiras manifestações históricas, os textos constitucionais se identificaram indefectivelmente, em todas as ocasiões com sistemas de valores e com princípios que, no plano histórico e político, atuaram como pressupostos legitimadores.”14
E a seguir conclui que “quando aparecem como elementos claramente definidos nos textos constitucionais ou nos preâmbulos dos mesmos, ou bem quando se apresentam como supostos indiscutíveis da ideologia social imperante, estes princípios e valores legitimadores do ordenamento terão por força que configurar-se como zonas isentas ao poder de revisão, e adquirir, portanto, o indubitável caráter de limites materiais implícitos a toda operação de reforma”.15
IV — Os Princípios Fundamentais que Limitam o Poder de Emenda
Cabe então encontrar os sistemas de valores e princípios fundamentais da nossa Constituição que, estando no seu cerne, lhe conferem identidade, atuam como “pressupostos legitimadores” e são “erigidos em limites materiais de revisão, tanto em si mesmos como em várias das suas dimensões mais eminentes” 16 Eles constituem o fundamento da Constituição, tendo a função dominante de modelar o ordenamento constitucional e todo o ordenamento jurídico.
No Preâmbulo da Constituição brasileira, estão os valores que orientaram sua elaboração e no Título II — Dos Direitos e Garantias Fundamentais — os princípios deles decorrentes, dotados de força obrigatória. Eles são geradores de direitos e garantias institucionais, normas de organização e procedimento, que modelam e subordinam os poderes constituídos ao Direito, afirmando a supremacia da Constituição. A doutrina reconhece que as normas de direitos fundamentais – positivadas no umbral das Constituições democráticas atuais – tem uma dupla função no Estado Constitucional de Direito: são geradoras de direitos subjetivos e, ao mesmo tempo, são princípios objetivos do ordenamento: garantem não só direitos subjetivos dos indivíduos mas também princípios objetivos básicos para o ordenamento constitucional democrático e do Estado de Direito, influem em todo o seu alcance sobre o ordenamento jurídico em seu conjunto”.17
Conforme declara o Preâmbulo, a Assembleia Constituinte instituiu no Brasil um Estado Democrático de Direito, imputando-lhe a missão primeira de assegurar o exercício dos direitos fundamentais sociais e individuais por ela consagrados, bem como de construir uma sociedade livre justa e solidária. O valor maior é a garantia do exercício dos direitos fundamentais, que se traduz no principio da inviolabilidade dos direitos, lastreados pelo postulado da igualdade.
Ao instituir um Estado Democrático de Direito, a Assembléia Constituinte busca realizar a utopia da autonomia coletiva da comunidade, mediação necessária para concretizar o ideal da autonomia individual de todos os seus membros, conformada pelos direitos individuais fundamentais e o suporte dos direitos sociais. No enunciado do seu artigo 5º, posicionado na abertura do seu Título II – “Dos Direitos e Garantias Fundamentais” – ela consagra os direitos fundamentais ao abrigo do principio da igualdade perante a lei, anunciando a universalidade desses direitos, que são ditos invioláveis. Efetivamente, essa norma dispõe: “Art. 5 — Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, a liberdade, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
Como já tivemos oportunidade de assinalar em trabalho anterior, sobre os fundamentos da Constituição: “O arrolamento dos ‘direitos fundamentais’ constantes da Carta de 88 é precedido, não gratuitamente, da afirmação do princípio da igualdade formal e do princípio da inviolabilidade dos direitos. Na verdade, aquele elenco de direitos fundamentais é dependente. Eles só são realizáveis, mesmo em parte, se estiverem cercados pelo princípio da ‘igualdade formal’ e também protegidos pelo dogma da ‘inviolabilidade’. Ambos constam do artigo 5o da CF.“ 18
O princípio da igualdade perante a lei tem origem na ideia propagada na França oitocentista pelo Iluminismo, de que a lei devia ser a mesma para todos, eis que concebida em oposição a desigualdade dominante no Ancien Régime, que se expressava na edição da lei e acentuada na sua aplicação. O postulado da igualdade perante a lei, já era proclamado no artigo 1º da Declaração de 1789, indicando a sua universalização: “Os Homens nascem e são livres e iguais em direitos”.
Conforme demonstrado na obra “Era dos Direitos”, Norberto Bobbio, identifica o momento fundante da democracia moderna no advento dos direitos humanos, protegidos pelo postulado da igualdade. Observa-se que a mesma Declaração de 1789 já indicava que o fundamento da Constituição é a defesa dos direitos fundamentais, proclamando no seu artigo 2º que: “A finalidade de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do Homem”.
Vale dizer, a instituição do Estado pela sociedade – a “associação política maior” – tem seu fundamento na defesa dos direitos fundamentais. E o postulado da inviolabilidade dos direitos fundamentais limita os poderes constituídos, seja restringindo a competência para a edição de leis tendentes a abolí-los ou para esvaziar ou obstruir o seu exercício, seja na aplicação das leis que os regulam, escorada na prevalência de outros bens jurídicos, Sobre os demais bens jurídicos eles têm precedência assegurada, ainda que prestigiados. Por outro lado, esta inviolabilidade se expressa na imputação aos poderes constituídos da obrigação de atuar visando a viabilizar o efetivo exercício destes direitos, por meio de intervenções normativas e administrativas.19
O princípio fundamental da igualdade perante a lei tem, como vimos, dupla determinação: impõe a igualdade na edição da lei e também a igualdade na aplicação da lei. Além de ser dirigido ao legislador – para que ele não diferencie os iguais e para que trate desigualmente os desiguais – se dirige a todos aplicadores da lei, abrangendo todos os poderes públicos e as instituições da sociedade. Em especial impede o legislador de conduzir à desigualdade na aplicação da lei, instituindo discriminações arbitrárias no acesso à justiça, ou privando-lhes do devido processo legal, com entrega de processo de exceção, desprovido de efetividade.
Conclusão
Tendo o princípio da igualdade perante a lei e o princípio da inviolabilidade dos direitos o estatuto de fundamentos da Constituição – o que já fora anunciado, como vimos, no surgimento da democracia moderna – assume maior relevância a constatação, já adiantada, de que a alteração constitucional projetada pela PEC 23/2021 afronta esse postulado fundamental, porquanto:
I — institui um novo sistema de pagamento de precatórios altamente discriminatório de credores da União, titulares de valores legitimados pela jurisdição, que seriam por ela apropriados, tendo a sua devolução submetida a um perverso concurso de credores com a imposição de um teto anual de gastos de precatórios , enormemente rebaixado;
II — impõe aos milhares de credores titulares de créditos alimentares, assim como a milhares de pequenos e médios empresários que teriam retida a repetição de tributos indevidos, um empréstimo compulsório dissimulado, que se repetirá ano após anos a latere do empréstimo compulsório instituído pela Constituição e dispensando os requisitos que ela exige para sua adoção.
III- consagra um verdadeiro regime de exceção, que incide seletivamente sobre os únicos credores legitimados por decisões judiciais definitivas, projetado para se estender aos anos subsequentes; um sistema que se contraria frontalmente os critérios fixados no art. 150,II da Constituição da República.
IV – promove uma brutal desigualdade na aplicação da lei, que não se limita apenas a bloquear a efetivação de direitos existentes, mas inova o próprio processo destinado a tutela de direitos futuros dos sujeitos que continuamente têm créditos contra a União, habitualmente resistidos por ela, instituindo um processo ad doc, vigorante por um longo período de dez anos, com potencial para bloquear a efetivação de direitos futuros. Institui assim um processo de exceção para fragilizar a garantia de direitos substantivos de dezenas de milhares de trabalhadores e de segurados da previdência, além de milhares de pequenos empresários lesados;
V – subtrai de milhares de cidadãos da base da sociedade o direito a uma tutela jurisdicional efetiva — principal garantia dos seus direitos subjetivos substantivos – ao mesmo tempo em que ela é preservada integralmente para todos os demais cidadãos;
VI — expõe os sujeitos discriminados a ações judiciais de todos os seus fornecedores, desde os que lhe vendem alimentos, passando pelos que vendem bens duráveis, até os bancos que lhes concedem empréstimos consignados e financiamentos imobiliários, que são instrumentalizados com procedimentos judiciais dotados de coercividade reforçada. Tal desigualdade na aplicação
da lei é assim aprofundada, levando os cidadãos discriminados a ampliar os empréstimos consignados em que já foram mergulhados pela resistência contumaz oposta pela União no cumprimento de suas obrigações com a camada social que integram;
VII – a emenda projetada bloqueia o acesso dos destinatários ao devido processo legal, assegurado a todos os cidadãos pelo inciso LV, do art. 5º da Constituição brasileira, para a defesa dos seus bens, onde se incluem os seus direitos subjetivos, oferecendo em troca um processo esvaziado de efetividade, um processo de exceção, enquanto privilegia os credores titulares de frações da divida pública, deixados fora do teto de gastos. O processo de exceção para os debaixo é combinado com favorecimento dos de cima. Essa profunda desigualdade instituída na aplicação da lei concorre para acentuar as desigualdades sociais, que a República tem o objetivo de reduzir.
A conclusão que se impõe é que a emenda projetada para alterar o regime de pagamento de precatórios habilitados contra a União excede a competência dos poderes constituídos para emendar a Constituição, excedendo limites materiais intrínsecos e instituindo um regime de exceção que ofende o princípio da igualdade perante a lei, em sua dupla dimensão.
Em caráter sistematizador ao quanto foi desenvolvido no presente trabalho, cumpre observar que a Proposta de Emenda Constitucional nº 23/2021, que pretende alterar drasticamente o sistema de precatórios, representa uma ameaça brutal aos predicados de segurança jurídica, devido processo legal e acesso à Justiça, todos contemplados de modo indelével pelo texto constitucional.
A tentativa de avançar de maneira traumática na concessão de privilégios excepcionais à administração pública, no que concerne ao alargamento com a tolerância diante da inadimplência de débitos judiciais, resulta numa grave ofensa à Constituição da República e não encontra amparo nem mesmo pela via legislativa da emenda constitucional. O controle de constitucionalidade, no seu aspecto material, encontra a sua razão de ser na necessidade de preservação do conteúdo progressivo dos direitos fundamentais. Uma vez proclamadas tais conquistas em favor da dignidade do ser humano, não se admite que possa haver recuo, mesmo numa perspectiva histórica. Emendas constitucionais não legitimam conteúdos anômalos que venham a conflitar com o texto constitucional pré-existente.
Convém sublinhar que o regime dos precatórios existe para garantir uma ordem regular e republicana de precedência no pagamento de dívidas judiciais dos entes públicos. Não existe para favorecer calotes ou adiamentos abusivos no cumprimento de tais obrigações, sobretudo porque tal permissividade incorreria na desestabilização da credibilidade do próprio Poder Judiciário, do qual emergem os títulos judiciais objeto da elaboração da lista de precatórios.
Desse modo, é preciso consignar que a PEC 23/2021 está repleta de vícios de inconstitucionalidade, pois aspira concretizar a subtração de direitos fundamentais assegurados por pronunciamentos definitivos do Poder Judiciário.
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(*) Rogério Viola Coelho é Advogado e jurista, autor de A Relação de Trabalho com o Estado, publicado pela editora LTr; Tarso Genro é Advogado e Jurista, foi Governador do Estado do Rio Grande do Sul, Ministro da Educação e Ministro da Justiça, sendo autor de extensa obra jurídica; Mauro Menezes é Advogado e Jurista, foi Conselheiro e Presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República e Membro do Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção da Controladoria-Geral da República.
Notas
1 RODRIGUEZ, José Rodrigo. Fuga do Direito. Um estudo sobre o direito contemporâneo a partir de Franz Neumann. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 123.
2 “§ 20. Caso haja precatório com valor superior a 1.000 (mil) vezes o montante definido como de pequeno valor conforme § 3º deste artigo ou a 15% (quinze por cento) do montante dos precatórios apresentados nos termos do § 5º deste artigo, 15% (quinze por cento) do valor desse precatório serão pagos até o final do exercício seguinte e o restante em parcelas iguais nos nove exercícios subsequentes, acrescidas de juros de mora e correção monetária, equivalentes à taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia — Selic, ou mediante acordos diretos, perante Juízos Auxiliares de Conciliação de Precatórios, com redução máxima de 40% (quarenta por cento) do valor do crédito atualizado, desde que em relação ao crédito não penda recurso ou defesa judicial e que sejam observados os requisitos definidos na regulamentação editada pelo ente federado”.
3 “§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 62, de 2009).”
4 “Art. 101- A. Até 31 de dezembro de 2029, aplica-se o previsto no art. 100, § 20, da Constituição aos precatórios, em ordem decrescente de valor, a serem pagos pela União em determinado exercício que fizerem com que a soma dos valores, apresentados na forma do art. 100, § 5º, da Constituição, exceda 2,6% (dois inteiros e seis décimos por cento) da receita corrente líquida acumulada dos doze meses anteriores em que forem requisitados.” (NR)
5 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3 ed. São Paulo: Malheiros Editores. , p. 9.
6 O primeiro enunciado normativo gerado pelo principio da igualdade perante a lei aparece já no corpo da Constituição Francesa de 1791em norma inscrita no seu artigo 21 segundo a qual depois de dois julgamentos dos tribunais ordinários terem aportado ao Tribunal de Cassação controvertendo o sentido da lei, ao aportar um terceiro, a questão deveria ser submetida ao corpo legislativo, que editaria um decreto declaratório, para dirimir a controvérsia, com observância obrigatória para o Tribunal de Cassação. A avalanche de decisões controversas que aportavam ao Tribunal de Cassação levou a sua competência para fixar a interpretação final. O recurso aos Tribunais de Cassação em face da interpretação divergente dos Tribunais ordinários foi desde então reeditado, chegando até as Constituições contemporâneas. Os recursos especiais dos Tribunais Regionais para Tribunal Superior, para sanar as divergências constituem uma manifestação eloquente do direito fundamental à igualdade na aplicação da lei.
7 Conforme ALEXY, a dimensão predominante inicialmente na interpretação do enunciado da igualdade perante a lei na Republica Federal, foi a segunda, a da igualdade na aplicação da lei. O principio gerava uma obrigação para todos os poderes públicos de aplicar a lei a todos de forma igual: “Como lo sugeri su texto, esta fórmula ha sido durante largo tiempo interpretada exclusivamente en él sentido de un mandato de igualdad en la aplicación del derecho.” Foi depois que apareceu a dimensão de igualdade na edição da lei, impondo ao legislador não discriminar as pessoas sem uma razão relevante, considerando a situação particular em que as pessoas estivessem postas. Para a diferenciação do tratamento deveria haver um fator de discrimen, com fundamentação racional. No magistério de Alexy, o Tribunal Constitucional fixou a interpretação do artigo 3º, § 1 da LF que proclama o princípio da igualdade, “no solo como mandato de igualdad en la aplicación del derecho sino también de la igualdad en la formulación del derecho”. Na Espanha, a evolução ocorreu no sentido inverso. A doutrina, considerando o enunciado do artigo 14 da Constituição espanhola, que consagra “la iguadad ante la lei ” ela “Contempla, en primer lugar, la igualdad en el trato dado por la ley, que pasa a conceptuar-se como igualdad ‘en la ley’,constituyendo ‘un límite puesto al ejercicio del poder. (ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997).
8 LASSALLE, Ferdinand. Que é uma Constituição. São Paulo, 1933.
9 SEPÚLVEDA PERTENCE, Jose Paulo. O controle de constitucionalidade das emendas constitucionais pelo Supremo Tibunal Federal: Crônica de Jurisprudência. In: Revista Direito do Estado, Tomo 1. Editora Max Limonad.
10 CANOTILHO, J.J. Gomes. MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Editora Coimbra, 1991.
11 CANOTILHO, J.J. Gomes. MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Editora Coimbra, 1991.
12 FERRAJOLI, Luigi. Os fundamentos dos direitos fundamentais: Debate com L. Bacelli, M. Bovero, R. Guastini e outros. Madrid: Editora Trotta, 2001. P. 342.
13 VEGA, Pedro de. La reforma Constitucional y la problemática del poder constituyente. Madrid: Tecnos. p. 237.
14 VEGA, Pedro de. La reforma Constitucional y la problemática del poder constituyente. Madrid: Tecnos. p. 237.
15 VEGA, Pedro de. La reforma Constitucional y la problemática del poder constituyente. Madrid: Tecnos. p. 237.
16 VEGA, Pedro de. La reforma Constitucional y la problemática del poder constituyente. Madrid: Tecnos. p. 237.
17HESSE, Konrad, in “Significado dos Direitos Fundamentais”, no livro “Temas Fundamentais de Direito Constitucional. Editora Saraiva, 2009, p. 33.
18 GENRO, Tarso. Os Fundamentos da Constituição no Estado de Direito, In: Tratado de Direito Constitucional 1, São Paulo: Saraiva, 2010. p. 143.
19 “O fundamento da existência de limites ao poder de reforma deflui, precisamente, da sua distinção frente ao poder constituinte. Tendo em vista que ambos não se equivalem em amplitude, as transformações estruturais da sociedade são apenas reservadas ao constituinte.” (MENEZES, Mauro de Azevedo. Constituição e Reforma Trabalhista no Brasil. Interpretação na perspectiva dos direitos fundamentais. São Paulo: LTr, 2004, p. 352).