O Grupo empre­sar­i­al por­tuguês Nova Galé bus­ca con­stru­ir um resort em ter­ras indí­ge­nas.

As ter­ras per­tencem, na for­ma da Con­sti­tu­ição Brasileira, ao povo tupinan­bá, de Olivença, na região de Ilhéus, na Bahia. Tra­ta-se de um dos mais anti­gos povos que travaram con­hec­i­men­to com os europeus, na época da col­o­niza­ção. Os Tupinan­bás ocu­pavam exten­sas áreas do litoral brasileiro, na Mata Atlân­ti­ca, do sul ao norte. Entre tais ter­ritórios, esta­va a região entre o Rio São Fran­cis­co e o Recôn­ca­vo Baiano. A Con­sti­tu­ição esta­b­elece, no arti­go 231, que “são recon­heci­dos aos índios sua orga­ni­za­ção social, cos­tumes, lín­guas, crenças e tradições, e os dire­itos orig­inários sobre as ter­ras que tradi­cional­mente ocu­pam, com­petindo à União demar­cá-las, pro­te­ger e faz­er respeitar todos os seus bens.”

A antropólo­ga e pesquisado­ra do Insti­tu­to de Ciên­cias Soci­ais por­tuguês Susana Vie­gas — con­trata­da pelo Gov­er­no brasileiro, com apoio do Min­istério de Negó­cios Estrangeiros por­tuguês, além da FUNAI, da UNESCO e das Uni­ver­si­dades de Coim­bra e de Lis­boa,  e do Insti­tu­to Por­tuguês de Apoio ao Desen­volvi­men­to, para aux­il­iar no proces­so de demar­cação das ter­ras per­ten­centes aos povos nativos da região — vem real­izan­do tra­bal­ho de pesquisa na área há quinze anos, e real­i­zou a denún­cia, noti­ci­a­da por Chris­tiana Mar­tins, do jor­nal Expres­so. Veja, aqui, a repostagem.

A situ­ação de usurpação é mais grave, uma vez que um dos indí­ge­nas rela­tou à antropólo­ga que um helicóptero das Forças Armadas brasileiras estaria proce­den­do ao despe­jo dos habi­tantes e pro­pri­etários das ter­ras, esta­b­ele­cen­do a des­ocu­pação em bene­fí­cio do empreendi­men­to imo­bil­iário. A par dis­so, em con­ta­to com o dire­tor do negó­cio, tomou ciên­cia Susana Vie­gas de que esse con­hecia a situ­ação irreg­u­lar  de seu empreendi­men­to.

Ain­da de se obser­var que da área faz parte manguezal, pro­te­gi­do, igual­mente, pela Con­sti­tu­ição brasileira(1) e pela leg­is­lação ordinária, como APP, ou Área de Preser­vação Per­ma­nente: “área pro­te­gi­da, cober­ta ou não por veg­e­tação nati­va, com a função ambi­en­tal de preser­var os recur­sos hídri­cos, a pais­agem, a esta­bil­i­dade geológ­i­ca e a bio­di­ver­si­dade, facil­i­tar o fluxo gêni­co de fau­na e flo­ra, pro­te­ger o solo e asse­gu­rar o bem-estar das pop­u­lações” humanas; (arti­go ter­ceiro, inciso II, e arti­go quar­to, inciso VII, da Lei 12651/2012), sendo o manguezal definido no inciso XIII, do mes­mo arti­go ter­ceiro do mes­mo Códi­go Flo­re­stal:  “ecos­sis­tema litorâ­neo que ocorre em ter­renos baixos, sujeitos à ação das marés, for­ma­do por vasas lodosas recentes ou arenosas, às quais se asso­cia, pre­dom­i­nan­te­mente, a veg­e­tação nat­ur­al con­heci­da como mangue, com influên­cia flu­viomar­in­ha, típi­ca de solos limosos de regiões estu­ar­i­nas e com dis­per­são descon­tínua ao lon­go da cos­ta brasileira, entre os Esta­dos do Amapá e de San­ta Cata­ri­na.

A empre­sa por­tugue­sa, em comu­ni­ca­do, em seu sítio na inter­net, veja aqui, diz não ter enx­er­ga­do nen­hum indí­ge­na na área (sic), e que real­iza parce­ria com pro­pri­etário de ter­ras para con­stru­ir “um pro­je­to estru­tu­rante para UNA, para a Bahia e para o Brasil, con­sti­tuí­do por um grande Resort com cer­ca de 500 quar­tos, 6 Restau­rantes, Cen­tro de Con­venções e Even­tos, pisci­nas, Clube de Cri­anças com Par­que Aquáti­co, Recepção, Bares, SPA com pisci­na inte­ri­or aque­ci­da, etc., no padrão que a Vila Galé tem vin­do a realizar em vários Esta­dos do Brasil – Ceará, Rio Grande do Norte, Per­nam­bu­co, Bahia, Rio de Janeiro e com pro­je­tos para vários out­ros Esta­dos do Brasil.”

O inter­esse pri­va­do e com intu­ito lucra­ti­vo, na for­ma da leg­is­lação brasileira, não pode prevale­cer em face da pro­priedade de ter­ras indí­ge­nas e não se pode implan­tar em área de pro­teção per­ma­nente. Deve-se ressaltar que a Por­taria gov­er­na­men­tal de recon­hec­i­men­to de ter­ras indí­ge­nas tem cun­ho mera­mente declaratório.

A pro­teção é mais ampla do que a mera ocu­pação físi­ca dos espaços, na for­ma do arti­go 231 da Con­sti­tu­ição: “Pará­grafo 1º - “São ter­ras tradi­cional­mente ocu­padas pelos índios as por ele habitadas em caráter per­ma­nente, as uti­lizadas para suas ativi­dades pro­du­ti­vas, as impre­scindíveis à preser­vação dos recur­sos ambi­en­tais necessários a seu bem estar e as necessárias a sua repro­dução físi­ca e cul­tur­al, segun­do seus usos, cos­tumes e tradições; Pará­grafo 2º — As ter­ras tradi­cional­mente ocu­padas pelos índios des­ti­nam-se a sua posse per­ma­nente, caben­do-lhes o usufru­to exclu­si­vo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas exis­tentes”.

Além dis­so, a remoção força­da dos indí­ge­nas tam­bém está proibi­da, na for­ma do pará­grafo 5º do mes­mo dis­pos­i­ti­vo: “É veda­da a remoção dos gru­pos indí­ge­nas de suas ter­ras, sal­vo, ad ref­er­en­dum do Con­gres­so Nacional, em caso de catástrofe ou epi­demia que pon­ha em risco sua pop­u­lação, ou o inter­esse da Sobera­nia no País, após delib­er­ação do Con­gres­so Nacional, garan­ti­n­do em qual­quer hipótese, o retorno ime­di­a­to logo que cesse o risco”.

O Gov­er­no atu­al brasileiro, con­tu­do, como se tem comen­ta­do no Brasil e no Exte­ri­or, tem dado sinais ambígu­os e, na maior parte das vezes, neg­a­tivos, no que diz respeito à pro­teção ambi­en­tal, nis­so enfrentan­do, de modo ilíc­i­to, obri­gações clara­mente dis­postas no sis­tema jurídi­co.

Medi­das impor­tantes devem ser tomadas pelas autori­dades para impedir que a situ­ação irreg­u­lar ven­ha a se impor, repetindo a noci­va per­manên­cia de ati­tudes colo­ni­ais e destru­ido­ras das cul­turas nati­vas.

Em se mostran­do com­pro­va­da a ten­ta­ti­va de usurpação e a ação de apoio gov­er­na­men­tal, não ape­nas o Judi­ciário brasileiro deve ser aciona­do para solver a questão e punir os respon­sáveis, mas igual­mente o foro inter­na­cional.

A par dis­so, em haven­do respon­s­abil­i­dade por omis­são ou ação da Presidên­cia da Repúbli­ca, a Con­sti­tu­ição brasileira apon­ta o cam­in­ho da sanção do crime de respon­s­abil­i­dade, por meio do proces­so de impeach­ment.

(1) arti­go 225: “Todos têm dire­ito ao meio ambi­ente eco­logi­ca­mente equi­li­bra­do, bem de uso comum do povo e essen­cial à sadia qual­i­dade de vida, impon­do-se ao poder públi­co e à cole­tivi­dade o dev­er de defendê-lo e pre­servá-lo para as pre­sentes e futuras ger­ações. § 1º Para asse­gu­rar a efe­tivi­dade desse dire­ito, incumbe ao poder públi­co: I —  preser­var e restau­rar os proces­sos ecológi­cos essen­ci­ais e prover o mane­jo ecológi­co das espé­cies e ecos­sis­temas; II —  preser­var a diver­si­dade e a inte­gri­dade do patrimônio genéti­co do País e fis­calizar as enti­dades ded­i­cadas à pesquisa e manip­u­lação de mate­r­i­al genéti­co; III —  definir, em todas as unidades da Fed­er­ação, espaços ter­ri­to­ri­ais e seus com­po­nentes a serem espe­cial­mente pro­te­gi­dos, sendo a alter­ação e a supressão per­mi­ti­das somente através de lei, veda­da qual­quer uti­liza­ção que com­pro­meta a inte­gri­dade dos atrib­u­tos que jus­ti­fiquem sua pro­teção; IV —  exi­gir, na for­ma da lei, para insta­lação de obra ou ativi­dade poten­cial­mente cau­sado­ra de sig­ni­fica­ti­va degradação do meio ambi­ente, estu­do prévio de impacto ambi­en­tal, a que se dará pub­li­ci­dade; V —  con­tro­lar a pro­dução, a com­er­cial­iza­ção e o emprego de téc­ni­cas, méto­dos e sub­stân­cias que com­portem risco para a vida, a qual­i­dade de vida e o meio ambi­ente; VI —  pro­mover a edu­cação ambi­en­tal em todos os níveis de ensi­no e a con­sci­en­ti­za­ção públi­ca para a preser­vação do meio ambi­ente; VII —  pro­te­ger a fau­na e a flo­ra, vedadas, na for­ma da lei, as práti­cas que colo­quem em risco sua função ecológ­i­ca, provo­quem a extinção de espé­cies ou sub­metam os ani­mais a cru­el­dade.