Out­ros Mun­dos são Pos­síveis e Devem ser Pos­síveis.

Dire­itos e Deveres Com­par­til­ha­dos, na Democ­ra­cia dos Viventes.

Man­i­fes­tação do Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito.

Há meni­nas e meni­nos despon­tan­do aqui e ali, no mun­do inteiro, com ideias, ideais, ener­gia para diz­er, agir, expres­sar incon­formis­mo e revol­ta, dese­jos e tal­en­tos.
No entan­to, gente desilu­di­da, con­for­ma­da, opres­so­ra, manip­u­lado­ra, embrute­ci­da e envel­he­ci­da de espíri­to, mal­dosa, explo­rado­ra, pre­sunçosa, por aqui e ali, ten­ta sufo­car aque­la expressão, desqual­i­ficar ess­es meni­nos e essas meni­nas, ao lhes dar um nome só, chamar de ima­turi­dade o que é, na ver­dade, e sem­pre foi, o motor de mudança, de trans­for­mação do mun­do.
Dizem que essa gente jovem é verde, que não sabe nada da vida, ou que é ingênua, manip­u­la­da. Dizem que são out­ras que falam por elas e por eles. Afir­mam até que a própria man­i­fes­tação de críti­ca dessa gente jovem e promis­so­ra é sus­pei­ta, finan­cia­da por ess­es ou aque­les gru­pos, insu­fla­da por essa ou aque­la ide­olo­gia, esse ou aque­le ideário, opor­tunista.
Não bas­ta com­bat­er essas mal­dades de gente hipócri­ta — muito críti­ca diante de boas ideias, mas que fecha os olhos para a explo­ração dos recur­sos nat­u­rais e de seres humanos, a destru­ição do plan­e­ta.
É pre­ciso ouvir e faz­er ecoar a voz e os atos dessas meni­nas e dess­es meni­nos.
Têm muitos nomes. Muitos tiver­am aces­so à edu­cação e desen­volver­am o sen­so críti­co, sabem argu­men­tar, têm opor­tu­nidade a tan­to, e opor­tu­nidades para a vida e para ocu­par seus espaços públi­cos e pri­va­dos, como líderes, diri­gentes. Mas a boa parte da juven­tude foram nega­dos dire­itos bási­cos, des­de a ali­men­tação e saúde, até edu­cação e laz­er. Pare­cem fada­dos a ocu­par o espaço públi­co como clientes, seguidores, o espaço pri­va­do, como sub­al­ter­nos. Muitos estão mor­ren­do jovens, víti­mas de Esta­dos vio­len­tos e sociedades injus­tas clas­sis­tas, racis­tas, pre­con­ceitu­osas.
A gente que crit­i­ca ess­es jovens e essas jovens não ofer­ece nada em tro­ca, a não ser má fé.
É pre­ciso defend­er, ouvir e seguir ess­es meni­nos e essas meni­nas.
Mas de qual modo?
Out­ro mun­do é pos­sív­el.
Qual mun­do? Ou, mel­hor, quais mun­dos?
São muitos pro­je­tos, a plu­ral­i­dade é notáv­el e fasci­nante. Mas, como toda diver­si­dade, que ener­giza e, tam­bém, ine­bria, traz desafios. O prin­ci­pal decorre de con­statar que não há como sim­ples­mente adi­cionar as pro­postas, empil­há-las, para aten­der a todas, uma a uma, após esta­b­ele­ci­da uma hier­ar­quia arbi­trária.
Tomem­os o meio ambi­ente. Já escrevi que o pen­sa­men­to sobre o ambi­ente — a natureza e o ser humano nela envolvi­do, impli­ca­do — aju­da a super­ar as difi­cul­dades de um pen­sa­men­to muito cen­tra­do nas cul­turas. Que ele per­mite super­ar as divergên­cias cul­tur­ais, o embate con­stante das iden­ti­dades, encam­in­han­do a uma posição um pata­mar aci­ma, em que as decisões põem em primeiro plano o que é comum, que aparenta ser abso­lu­ta­mente con­sen­su­al. Porém, é pre­ciso admi­tir, mes­mo as decisões sobre o ambi­ente envolvem con­fli­tos, não ape­nas de inter­ess­es, de paixões, de razões, mas tam­bém sobre o sig­nifi­ca­do e as con­se­quên­cias de preser­var e usar de modo sus­ten­táv­el. Há ambi­entes e ambi­entes, assim como há difer­entes espaços e ter­ritórios, tem­pos e durações.
Assim, há difer­entes jovens e difer­entes pro­postas, decor­rentes de difer­entes per­cepções, exper­iên­cias, con­hec­i­men­tos, éti­cas e estéti­cas, críti­cas, cul­turas e, mes­mo, ambi­entes.
E isso se dá com ess­es novos jovens, que suce­dem, no desen­volver das ger­ações, os anti­gos jovens.
A jovem sue­ca, seu com­pro­me­ti­men­to, rad­i­cal­is­mo, mod­os boni­tos de se expres­sar e desafi­ar não guar­da o seg­re­do do uni­ver­so, nem é a úni­ca por­ta-voz de uma ger­ação plur­al. Apon­ta uma neces­si­dade, pre­mente, sal­var o plan­e­ta, na fase de seu aque­c­i­men­to, de uma tam­bém rad­i­cal mudança climáti­ca. Está cer­ta, como muitos estão, em apon­tar para o que é de respon­s­abil­i­dade humana, habi­tantes do mun­do, empre­sas, cidades, metrópoles, Esta­dos, gov­er­nos, civ­i­liza­ções. E deve­mos aproveitar essa ener­gia para val­orizar e incen­ti­var o pen­sa­men­to e a ação de tan­tas out­ras meni­nas e meni­nos do mun­do inteiro, que têm algo a diz­er, a mostrar, a pro­por.
A vida per­tence aos viventes afir­maram dois espíri­tos jovens e pio­neiros. Dois polí­matas, expoentes de seu tem­po. Goethe, numa obra que escreveu já em avança­da idade, afir­mou que das Leben gehört den Leben­den an, und wer lebt, muss auf Wech­sel gefasst sein. Sim, a vida per­tence aos viventes, que devem estar sem­pre prepara­dos para as mudanças. Já Jef­fer­son, ain­da no calor da Rev­olução France­sa, refle­tia sobre a mes­ma expressão, ao afir­mar que cada ger­ação tin­ha dire­ito ao mun­do e a gerir esse patrimônio, sem que as ger­ações ante­ri­ores tivessem o dire­ito de com­pro­m­e­ter as futuras. A posse do mun­do se dá em usufru­to. Os mor­tos não podem negar existên­cia aos vivos; e os viventes devem se abster de causar imped­i­men­tos para o uso de seus suces­sores. Esta­va aí em germe a con­cepção con­sagra­da nas declar­ações inter­na­cionais do Sécu­lo XX, e repeti­da na Con­sti­tu­ição brasileira de 1988, de que é pre­ciso preser­var o mun­do, ambi­ente e vida, para as ger­ações futuras.
Per­son­alizar a luta pelo futuro e pelos mun­dos pos­síveis é um erro.
Tam­bém é erro criticar os ideais dessa luta por meio de ataques a pes­soas. Ataques covardes, sub­lin­he-se.
Se out­ros mun­dos são pos­síveis, é nos­so dev­er preser­var o embate de con­cepções de existên­cia e de con­vivên­cia que encam­in­hem a essas pos­si­bil­i­dades. É dev­er per­mi­tir son­har, é praze­roso son­har. E é dire­ito fun­da­men­tal de todos os seres humanos e de cada ser humano poder refle­tir e com­par­til­har seus pro­je­tos, suas visões de mun­do e de futuro. Como é dev­er da sociedade e das comu­nidades inter­na­cionais e de cada Esta­do, cada cidade, levar a sério cada pro­pos­ta, ven­ha de onde vier, de quem vier, con­sid­er­ar e debater, em con­jun­to, optar, decidir.
Dire­itos, deveres, democ­ra­cia, para que mun­dos mel­hores sejam pro­je­ta­dos, e um mun­do mel­hor seja con­struí­do em con­jun­to.
Com­par­til­he­mos nos­sos son­hos, deix­e­mos com­par­til­har. E nos deix­e­mos fasci­nar e ener­gizar, mes­mo arrebatar pelas ima­gens e palavras e ações de meni­nas e meni­nos de nos­sa plan­e­ta, que a Ter­ra tam­bém pos­sui dire­itos.

Alfre­do Attié
Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas
Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito