No pre­sente arti­go, pub­li­ca­do orig­i­nal­mente no Jor­nal GGN, em 8 de setem­bro de 2019, o  engen­heiro de pro­dução e mestre pela EPUSP, ex-mem­bro do Con­sel­ho Uni­ver­sitário da UNICAMP, ex-Pres­i­dente do Sindi­ca­to dos Engen­heiros do Esta­do de São Paulo, Dire­tor de artic­u­lação nacional da Con­fed­er­ação Nacional dos Tra­bal­hadores Lib­erais Uni­ver­sitários, e coor­de­nador da Con­fer­ên­cia São Paulo Sua, Allen Habert, expli­ca as razões e paixões do impor­tante movi­men­to de mobi­liza­ção cidadã, para o apri­mora­men­to das estru­turas democráti­cas da sociedade paulis­tana e brasileira: “criar uma iden­ti­dade entre cidade e pop­u­lação e faz­er com que as pes­soas perce­bam que devem migrar da cat­e­go­ria de morador para a de cidadão é uma das sen­has para decifrar o enig­ma da esfin­ge São Paulo. Afi­nal, não é pos­sív­el mel­ho­rar algo que você não ama.

 

Uma agen­da mín­i­ma para as eleições de 2020

Allen Habert

Num chá de bebê benef­i­cente de mães de fil­hos da Cra­colân­dia uma meni­na de 7 anos pediu aqui­lo que ela mais dese­ja­va: veneno de rato. Para quê? Colo­car em torno dela na rua para que os ratos não a mordessem no ros­to durante a noite. Era o seu obje­to de dese­jo na cidade real de São Paulo. A 10ª mais rica do plan­e­ta, a mais pop­u­losa do país, com o maior dinamis­mo econômi­co, pro­dução imo­bil­iária, ativis­mo e mobi­liza­ção da sociedade.

Diante de cenas como essa, os sen­ti­men­tos podem ser os mais diver­sos: revol­ta, indig­nação, com­paixão, empa­tia.  Tudo é per­mi­ti­do, menos o desân­i­mo, o desalen­to, a deses­per­ança. Porque o pre­fixo “des” não con­strói.

A ideia de que “São Paulo não tem jeito” ain­da povoa boa parte das mentes paulis­tanas. Porém, emb­o­ra óbvio e talvez clichê, é pre­ciso apren­der a diz­er sim. Vestir-se de cor­agem e de indig­nação – as fil­has da esper­ança, como disse San­to Agostin­ho – para trans­for­mar real­i­dades.

Cri­ar uma iden­ti­dade entre cidade e pop­u­lação e faz­er com que as pes­soas perce­bam que devem migrar da cat­e­go­ria de morador para a de cidadão é uma das sen­has para decifrar o enig­ma da esfin­ge São Paulo. Afi­nal, não é pos­sív­el mel­ho­rar algo que você não ama.

É neste con­tex­to que se lançou a ini­cia­ti­va da Con­fer­ên­cia São Paulo Sua, em jun­ho últi­mo, com o obje­ti­vo de elab­o­rar uma agen­da mín­i­ma da sociedade civ­il orga­ni­za­da para as próx­i­mas eleições munic­i­pais de 2020 com foco na democ­ra­cia, ino­vação e emprego.

O pon­tapé ini­cial foi dado pelo Sindi­ca­to dos Engen­heiros do Esta­do de São Paulo (SEESP) e pela Con­fed­er­ação Nacional dos Tra­bal­hadores Lib­erais Uni­ver­sitários (CNTU) unidos com a Rede Nos­sa São Paulo.

Hoje dezenas de enti­dades sindi­cais, empre­sari­ais, edu­ca­cionais, cien­tí­fi­cas, tec­nológ­i­cas, políti­cas, reli­giosas e cul­tur­ais das diver­sas regiões da cidade com­põe esse esforço cole­ti­vo. As lid­er­anças soci­ais mais vibrantes e uma sig­ni­fica­ti­va parcela da int­elec­tu­al­i­dade paulis­tana abraçaram a ini­cia­ti­va.

Esta ini­cia­ti­va visa, até maio de 2020, realizar debates nas 32 regiões da cidade fazen­do um diag­nós­ti­co e pro­pon­do soluções con­sis­tentes, viáveis e de pon­ta para pactu­ar um novo desen­volvi­men­to em São Paulo rumo a uma econo­mia 4.0.

Debaixo de três eixos: políti­cas públi­cas, políti­cas econômi­cas e políti­cas democráti­cas, a ini­cia­ti­va pre­tende refle­tir e debater 12 áreas ânco­ras deci­si­vas para a qual­i­dade de vida da pop­u­lação, com ênfase na vocação de cidade empreende­do­ra e glob­al.

Aten­ta­mos para o fato de que, em 2021, haverá uma revisão do Plano Dire­tor Estratégi­co do Municí­pio de São Paulo de 2014, pre­mi­a­do pela ONU como um dos mais impor­tantes do mun­do.

Seg­men­ta­da por mil­hares de ilhas e ilho­tas soci­ais que não se conec­tam, São Paulo escor­re­gou para um pata­mar de 25% de sua pop­u­lação eco­nomi­ca­mente ati­va desem­pre­ga­da, sendo 40% de jovens. Ou seja, o dobro do índice brasileiro.

A cidade não pos­sui políti­cas públi­cas para a defe­sa e ampli­ação do emprego e do papel da Peque­na e Média Empre­sa (PME) na econo­mia. Menos de 30 % do PIB brasileiro é dev­i­do ao val­or pro­duzi­do pelas PMEs, ger­ado­ras de 55% dos pos­tos de tra­bal­ho do país.

Na Ale­man­ha, a par­tic­i­pação dessas empre­sas no PIB é de 60%, na Itália, de 65% e nos EUA, de 50%. No Brasil, a PME é dis­crim­i­na­da nas políti­cas do Esta­do, no fornec­i­men­to de crédi­tos e na mod­ern­iza­ção tec­nológ­i­ca. E elas são fun­da­men­tais, incluin­do as cres­centes star­tups, na absorção de tra­bal­hadores e dos mel­hores cére­bros da cidade que pos­sui o maior índice de doutores e mestres por habi­tante.

Esta agen­da mín­i­ma, a ser for­mu­la­da pela Con­fer­ên­cia São Paulo Sua, será públi­ca, poden­do ser implan­ta­da por quais­quer can­didatos a prefeito e a vereador.

Por um proces­so de debates e cri­ação de con­sen­sos, essa ini­cia­ti­va quer aju­dar a diminuir as desigual­dades, com vis­tas a uma cidade inteligente e inclu­si­va, estim­u­lan­do a par­tic­i­pação do cidadão e das enti­dades rep­re­sen­ta­ti­vas.

A expec­ta­ti­va de vida na região de Pin­heiros, na zona oeste é de 79 anos enquan­to que na região da Cidade Tiradentes, na zona leste, a 30 km do cen­tro, é de 53 anos. São incríveis 26 anos que sep­a­ram os diver­sos bra­sis na cidade e enorme e dramáti­ca a per­da de riquezas e do PIB.

A Con­fer­ên­cia São Paulo Sua quer pro­por, por exem­p­lo, a diminuição da desigual­dade por meio da apro­pri­ação e dis­tribuição do con­hec­i­men­to pela cidade.

Os mun­dos do tra­bal­ho, cap­i­tal, ciên­cia e tec­nolo­gia e cul­tura, jun­ta­mente com os poderes públi­cos devem se pro­por a um mutirão cívi­co para aumen­tar a esco­lar­i­dade do tra­bal­hador e atrair os jovens para car­reiras novas, abrindo opor­tu­nidades na econo­mia cria­ti­va.

A con­sciên­cia críti­ca de São Paulo, numa “ter­ra em transe”, tem de se unir em torno da democ­ra­cia, da cul­tura e do emprego. Esse é o úni­co cam­in­ho para faz­er­mos a metró­pole vibrante e rica ser tam­bém a mais humana, empreende­do­ra e boa de viv­er.