Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial

Dia Internacional para a Eliminação da Discriminação Racial

Espe­cial­mente escrito para a Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, no Dia Inter­na­cional para a Elim­i­nação da Dis­crim­i­nação Racial, o arti­go de Matilde Ribeiro, que foi Min­is­tra da Igual­dade Racial, durante o Gov­er­no Lula, e é Pro­fes­so­ra da Uni­ver­si­dade da Inte­gração Inter­na­cional da Luso­fo­nia Afro-Brasileira — Uni­lab, ref­ere a neces­si­dade de realizar a inter­seção entre raça/etnia, gênero e classe social, a par­tir das per­spec­ti­vas integradas da teo­ria, dos sen­ti­men­tos e das sub­je­tivi­dades, no cam­in­ho de luta e nego­ci­ação para garan­tir justiça e dire­itos raci­ais, para ampli­ar e con­quis­tar a cidada­nia.

O dia 21 de mraço foi escol­hi­do para mar­car o ativis­mo e cor­agem do movi­men­to pelo fim da dis­crim­i­nação, em 1966, pela ONU — Res­olução 2142 (XXI) —, três anos após a Declar­ação sobre a Elim­i­nação de Todas as For­mas de Dis­crim­i­nação Racial de sua Assem­bleia Ger­al, e seis anos após o Mas­sacre do bair­ro de Sharpeville, em Johanes­bur­go, África do Sul, em que o regime do apartheid reprim­iu man­i­fes­tação legí­ti­ma do povo con­tra o con­t­role de sua liber­dade e de seu dire­ito de ir e vir.

 

Leia a seguir o impor­tante arti­go.

 

É preciso ser contra todas as formas de discriminação e construir a eqüidade

 

Matilde Ribeiro

 

 

Ao tratar da inter­seção entre raça/etnia, gênero e classe social, é impor­tante avançar­mos nas anális­es teóri­c­as e políti­cas, mas tam­bém não deixar de fora os sen­ti­men­tos e sub­je­tivi­dades. Nesse caso, apre­sen­to a poe­sia que escrevi em 2021 — DONA DE SI E DO MUNDO:

 

Mul­her negra é dona de si,

mas não nasce com esse saber.

O mun­do lhe diz não,

parece que seu des­ti­no é sofreguidão

Sim… mul­her negra é dona de si,

e se não nasceu saben­do,

se a mesquin­hez humana lhe escon­deu esse seg­re­do,

deve ficar aten­ta aos acenos do ven­to,

que a levarão ao lugar de si própria.

 

Ser DONA DE SI E DO MUNDO, é uma con­strução nada fácil, seja indi­vid­ual ou cole­ti­va­mente. Por isso é impor­tante a atenção nos acon­tec­i­men­tos cotid­i­anos – no mês de março são comem­o­radas duas datas que pos­i­ti­vam situ­ações extrema­mente emblemáti­cas para a humanidade, emb­o­ra ela insista não se impor­tar. As situ­ações são as dis­crim­i­nações históri­c­as das mul­heres, dos negros, dos indí­ge­nas e tan­tos out­ros gru­pos. As datas são: 8 de março (Dia Inter­na­cional da Mul­her) e 21 de março (Dia Inter­na­cional Con­tra Todas as For­mas de Dis­crim­i­nação Racial), ambas insti­tuí­das pela ONU – Orga­ni­za­ção das Nações Uni­das! Mas não bas­ta ape­nas comem­o­rar, é necessário dar impul­sos con­cre­tos visan­do à igual­dade e justiça social e racial.

Infe­liz­mente, a rev­elia de for­mu­lações anun­ci­ado­ras de igual­dade e justiça, a sociedade repete suas fac­etas dis­crim­i­natórias, sendo impor­tante reforçar refer­ên­cias para impul­sos democráti­cos no Brasil e no mun­do. Nesse sen­ti­do, desta­ca-se em 21 de março de 1960, o mas­sacre em Joanes­bur­go, na África do Sul. Nes­sa ocasião, 20.000 pes­soas fazi­am um protesto con­tra a “Lei do Passe”, no perío­do do apartheid. Mes­mo tratan­do-se de uma man­i­fes­tação pací­fi­ca, a polí­cia abriu fogo sobre a mul­ti­dão desar­ma­da resul­tan­do em 69 mor­tos e 186 feri­dos. Em respos­ta, como ati­tude con­tra­ditória e denún­cia a este mas­sacre a – ONU – insti­tu­iu 21 de março o Dia Inter­na­cional de Luta con­tra a Dis­crim­i­nação Racial.

E, por falar em impul­sos de lutas e mudanças conc­re­tas, as comem­o­rações inspi­ram para revisões da história brasileira e das local­i­dades, do pon­to de vista racial. Hoje como morado­ra de Fortaleza/CE, vou grad­ual­mente me envol­ven­do com a história do Esta­do. Ao bus­car aprox­i­mações, deparo-me com a existên­cia de per­son­agens pouco recon­heci­dos: Pre­ta Tia Simoa, que foi per­son­agem fun­da­men­tal para a abolição da escrav­iza­ção de negros, e, Fran­cis­co José do Nasci­men­to o “Dragão do Mar” um práti­co da bar­ra que virou líder dos jan­gadeiros for­t­alezens­es e tam­bém nacional.

É impor­tante obser­var que as histórias de lutas e con­quis­tas ocor­rem há sécu­los. No entan­to, nos­so país é prat­i­cante do epis­temicí­dio (não recon­hec­i­men­to de pes­soas e fatos) moti­va­do pela infe­ri­or­iza­ção prove­niente do racis­mo e do machis­mo, que tor­nam as pes­soas negras, sub­or­di­nadas às bran­cas, moti­vadas pela visão de tri­un­fo dos europeus.

Ao retomar as histórias das abolições – em Redenção/CE (em 1884, como a primeira provín­cia a ofi­cializar o fim da escravidão) e a Lei Áurea (em 1888), ver­i­fi­camos que pas­sa­dos mais de 130 anos depois das abolições, a pop­u­lação negra ain­da se encon­tra dis­tante da con­quista de dire­itos cidadãos e da vivên­cia com equidade.

Ativis­tas e int­elec­tu­ais negras/os e brancas/os com­pro­meti­dos com o enfrenta­men­to às desigual­dades, ali­men­tam ao lon­go da história denun­cias a esse desca­so. Mas só tiver­am suas vozes ecoadas tar­dia­mente, ape­nas a par­tir do final dos anos 1980, quan­do são ini­ci­adas algu­mas exper­iên­cias de cri­ação de órgãos de igual­dade racial. A primeira exper­iên­cia estad­ual foi no Rio de Janeiro, em 1991, com a SEDEPRON — Sec­re­taria Extra­ordinária de Defe­sa e Pro­moção das Pop­u­lações Negras, no Gov­er­no Leonel Brizo­la, ten­do como Secretário, o líder Abdias do Nasci­men­to.

Mes­mo com a vivên­cia de con­tradições políti­cas quan­to ao não recon­hec­i­men­to e val­oriza­ção da existên­cia de negros por parte da sociedade, o Gov­er­no do Esta­do do Ceará tem nos últi­mos tem­pos, desen­volvi­do exper­iên­cias de ações voltadas à igual­dade racial, como a “Cam­pan­ha Ceará sem Racis­mo, Respeite Min­ha História, Respeite Min­ha Diver­si­dade”, a par­tir de 2021 pela Coor­de­nação Espe­cial Políti­cas Públi­cas para a Pro­moção da Igual­dade Racial. E, ini­cia a gestão em 2023, crian­do a DECRIN — Del­e­ga­cia de Repressão aos Crimes por Dis­crim­i­nação Racial, Reli­giosa ou Ori­en­tação Sex­u­al da Polí­cia Civ­il do Ceará (PC-CE) e a SEIR — Sec­re­taria da Igual­dade Racial do Ceará.

Em âmbito Fed­er­al, nas últi­mas décadas, a respostas mais efe­ti­vas, foram a cri­ação – em 1988, da FCP – Fun­dação Cul­tur­al Pal­mares, e, em 2003, a SEPPIR Sec­re­taria Espe­cial de Políti­ca de Pro­moção da Igual­dade Racial. Em 2023, a exper­iên­cia da SEPPIR, que foi trans­for­ma­da no Min­istério da Igual­dade Racial (na ter­ceira gestão do Pres­i­dente Luís Iná­cio LULA da Sil­va). É impor­tante, no entan­to, a com­preen­são de que a cri­ação da Políti­ca de Igual­dade Racial, deve con­sid­er­ar a luta históri­ca desen­volvi­da pelo Movi­men­to Negro e orga­ni­za­ção de mul­heres negras, visan­do à inclusão social, políti­ca e econômi­ca da pop­u­lação negra.  

A cri­ação dess­es órgãos, pos­si­bili­ta a real­iza­ção de muitas ações propos­i­ti­vas foram real­izadas, fazen­do girar o vetor, no sen­ti­do favoráv­el, ao com­bate às dis­crim­i­nações e ao racis­mo, mes­mo que os perío­dos das gestões gov­er­na­men­tais sejam insu­fi­cientes para garan­tir respostas mais abrangentes, diante das maze­las históri­c­as do machis­mo, racis­mo, LGBT­fo­bia entre out­ras tan­tas for­mas de dis­crim­i­nações e exclusões. As bases estru­tu­rais para a existên­cia dess­es órgãos foram a Con­venção Inter­na­cional sobre Elim­i­nação de Todas as For­mas de Dis­crim­i­nação, o Pro­gra­ma Brasil sem Racis­mo, a Declar­ação e Plano de Ação de Dur­ban, e, mais recen­te­mente, a Declar­ação Inter­amer­i­cana Con­tra Todas as For­mas de Dis­crim­i­nação.

Assim, há 20 anos, ini­ciou-se um novo ciclo na admin­is­tração públi­ca brasileira, no que diz respeito às políti­cas de pro­moção da igual­dade racial, e, a relação com os min­istérios, visan­do a garan­tia da trans­ver­sal­i­dade na con­strução das políti­cas públi­cas. Ocor­reu a pro­mul­gação de leis como a da obri­ga­to­riedade do ensi­no da história e cul­tura afro-brasileira no ensi­no públi­co e pri­va­do (10.639/03); o Progra­ma Uni­ver­si­dade para Todos — Prouni (con­cessão de bol­sas a alunos pobres, indí­ge­nas e negros — 11.096/05); as Cotas nas Uni­ver­si­dades Públi­cas (aces­so a alunos pobres, indí­ge­nas e negros — 12.711/12); a PEC das Domés­ti­cas (66/2012) e Lei Com­ple­men­tar 150 referindo-se a con­quista de jor­na­da de tra­bal­ho de 8 horas, licença e salário mater­nidade, aux­ilio doença, aposen­ta­do­ria por invalidez, idade e tem­po de con­tribuição, aux­ilio aci­dente de tra­bal­ho, pen­são por morte entre out­ras. Desta­cam-se, ain­da, as ini­cia­ti­vas com relação ao Con­ti­nente Africano, sendo impul­sion­a­da em várias áreas da políti­ca públi­ca.

Pas­samos por um árduo perío­do de desmonte das políti­cas, com os gov­er­nos dos pres­i­dentes Michel Temer e Jair Bol­sonaro, entre 2016 e 2022. Porém, a com­preen­são de que a políti­ca faz parte de uma real­i­dade dinâmi­ca, fez com que a sociedade brasileira, moti­va­da pelos movi­men­tos soci­ais com caráter pro­gres­sista e democráti­co,  bus­casse ener­gias para lutas e enfrenta­men­tos com os setores con­ser­vadores e de dire­i­ta! Com isso, foi reforça­do o esper­ançar, e a crença na importân­cia do reforço às lutas cotid­i­anas para garan­tia de dire­itos democráti­cos e justiça social, for­t­ale­cen­do a utopia de ampli­ação das con­quis­tas, e, aci­ma de tudo, inves­ti­men­to em mudanças estru­tu­rais.

Ess­es exem­p­los nos fazem com­preen­der a importân­cia de que os gov­er­nos locais e o Fed­er­al sejam proa­t­ivos e respon­sáveis em relação à inclusão sócio racial, porém é extrema­mente necessário o recon­hec­i­men­to de que o Movi­men­to Negro e as orga­ni­za­ções de Mul­heres Negras pro­tag­on­i­zam his­tori­ca­mente a luta antir­racista e fem­i­nista. E, ain­da, a expec­ta­ti­va é de que seja man­ti­do e ampli­a­do o inves­ti­men­to nas metodolo­gias e práti­cas de par­tic­i­pação social e de mon­i­tora­men­to e con­t­role das políti­cas públi­cas, ressaltan­do não haver exe­cução, sem orça­men­to públi­co.

Não há dúvi­da que o cam­in­ho da luta e nego­ci­ação para garan­tia de justiça e dire­itos raci­ais é o que ali­men­ta as mudanças e con­quista de cidada­nia. Atuan­do nesse sen­ti­do, estare­mos fazen­do valer os ensi­na­men­tos de Steve Biko (ativista Sul-Africano, mor­to na luta con­tra o apartheid):

 

ou você luta, ou está mor­to!

Seminário Internacional “Democracia, Constitucionalismo Global e Latino Americano e Direito Eleitoral”

Seminário Internacional “Democracia, Constitucionalismo Global e Latino Americano e Direito Eleitoral”

A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito (APD), Cát­e­dra San Tia­go Dan­tas, em parce­ria com a Asso­ciación de Tri­bunales Elec­torales de la Repúbli­ca Mex­i­cana A.C., a Escuela Judi­cial Elec­toral e a UNISINOS, tor­nam públi­co e con­vo­cam professores/as, pesquisadores/as, estu­dantes, profis­sion­ais da área do Dire­ito, de Econo­mia, Políti­ca, Jor­nal­is­mo, Serviço Social, Ciên­cias Humanas, Ciên­cias Soci­ais, Humanidades, Filosofia e de out­ras áreas de con­hec­i­men­to inter­es­sadas no tema “DEMOCRACIA, CONSTITUCIONALISMO GLOBAL E LATINO AMERICANO E DIREITO ELEITORAL”, para par­tic­i­par do Sem­i­nário Inter­na­cional e do proces­so sele­ti­vo de arti­gos para pub­li­cação em obra espe­cial orga­ni­za­da pela POLIFONIA – REVISTA INTERNACIONAL DA ACADEMIA PAULISTA DE DIREITO – CAPES/QUALIS A3.

O even­to será real­iza­do na cidade de São Paulo, Cap­i­tal, e na cidade de Por­to Ale­gre, nos dias 11 a 14 de Abril de 2023.

O Edi­tal pode ser encon­tra­do em: https://apd.org.br/seminario-internacional-democracia-constitucionalismo-global-e-latino-americano-e-direito-eleitoral-edital/.

As inscrições podem ser feitas através do link: https://www.sympla.com.br/evento-online/seminario-internacional-democracia-constitucionalismo-global-e-latino-americano-e-direito-eleitoral/1920027.

O Terceiro Excluído

O Terceiro Excluído

Fer­nan­do Had­dad con­ver­sa com Sidar­ta Ribeiro e Vera Iaconel­li sobre o seu novo livro, “O ter­ceiro excluí­do: Con­tribuição para uma antropolo­gia dialéti­ca”, lança­do pela Zahar. A obra mobi­liza os prin­ci­pais debates con­tem­porâ­neos da biolo­gia, da antropolo­gia e da lin­guís­ti­ca e apre­sen­ta novas bases teóri­c­as para a eman­ci­pação humana.

Sai­ba um pouco sobre o autor e os con­vi­da­dos desse debate:

FERNANDO HADDAD é pro­fes­sor do Depar­ta­men­to de Ciên­cia Políti­ca da FFLCH-USP. For­ma­do em dire­ito, mestre em econo­mia e doutor em filosofia, foi min­istro da Edu­cação dos gov­er­nos Luiz Iná­cio Lula da Sil­va e Dil­ma Rouss­eff e prefeito de São Paulo. Pub­li­cou ‘Tra­bal­ho e lin­guagem’ (Edi­to­ra Azougue), ‘O sis­tema soviéti­co’ (Edi­to­ra Scrit­ta) e ‘Em defe­sa do social­is­mo’ (Edi­to­ra Vozes), entre out­ros livros.

SIDARTA RIBEIRO é mestre em biofísi­ca, doutor em com­por­ta­men­to ani­mal e pós-doutor em neu­rofi­si­olo­gia, pro­fes­sor tit­u­lar de neu­ro­ciên­cia e fun­dador do Insti­tu­to do Cére­bro da UFRN. Pub­li­cou mais de cem arti­gos cien­tí­fi­cos em per­iódi­cos inter­na­cionais e é autor de ‘Son­ho man­i­festo’, ‘O orácu­lo da noite’ e ‘Lim­i­ar’ pela Com­pan­hia das Letras.

VERA IACONELLI é psi­canal­ista, mestre e douto­ra em Psi­colo­gia pela Uni­ver­si­dade de São Paulo, mem­bra do Insti­tu­to Sedes Sapi­en­ti­ae e da Esco­la do Fórum do Cam­po Laca­ni­ano e dire­to­ra do Insti­tu­to Ger­ar de Psi­canálise. É auto­ra de ‘O mal estar da mater­nidade’ (Edi­to­ra Zagodoni) e ‘Como cri­ar fil­hos no sécu­lo XXI’ (Edi­to­ra Con­tex­to).

Homenagem ao Grupo Prerrogativas

Homenagem ao Grupo Prerrogativas

Grupo Prerrogativas e a Autenticidade do Direito

Alfredo Attié

Se os juris­tas autên­ti­cos estivessem ausentes da história do Brasil, estaríamos difi­cil­mente per­fi­la­dos entre as maiores democ­ra­cias do mun­do.

aut­en­ti­ci­dade[i]  dos juris­tas — ter­mo que abrange todos, todas e todes os que fazem do dire­ito a sua profis­são ou são voca­ciona­dos a exercer suas várias tare­fas práti­cas e teóri­c­as, e con­sidero prefer­ív­el, exata­mente por sua lig­ação com a ideia da vocação da justiça, aos usuais profis­sion­ais e oper­adores do dire­ito — sem dis­tinção, está em sua vin­cu­lação com o con­tex­to das relações políti­co-jurídi­cas, ou seja, a con­sti­tu­ição.

Essa vin­cu­lação não é tare­fa fácil num país como o nos­so, inseri­do em difí­cil momen­to inter­na­cional, no qual o teci­do do proces­so civ­i­liza­cional parece esgarçar-se, e a ten­tação de servir à mino­ria de pes­soas e gru­pos poderosos é cres­cente.

Na história brasileira, sem­pre despon­taram ess­es juris­tas, mul­heres e home­ns que, com o sac­ri­fí­cio dos inter­ess­es pes­soais, com­preen­der­am o chama­do da justiça e empen­haram-se, com cor­agem, em lutar pelos val­ores que con­stituem o espaço comum e pelo povo que, em sua maio­r­ia, este afas­ta­do dos bens con­sti­tuí­dos naque­le proces­so de civ­i­liza­ção. Lutar, por­tan­to, para inte­grar, faz­er inserir nesse proces­so mais vozes, novos dire­itos, difer­entes expressões. Luta, sim, porque se dá em meio a condições sem­pre difí­ceis, encam­in­han­do sua car­ac­ter­i­za­ção no for­ma de resistên­cia, no impedir que gan­hos democráti­cos se des­façam diante do con­stante ataque de forças anti­con­sti­tu­cionais — que se insin­u­am, lamen­tavel­mente, tam­bém no inte­ri­or do próprio dire­ito, tornando‑o inautên­ti­co: desagre­gador, exclu­dente, instru­men­to da dom­i­nação.

Na história recente, para a boa ven­tu­ra brasileira, muitos se lev­an­taram para diz­er não aos que pre­tender­am, com algum êxi­to, todavia, levar o País a aban­donar seu cur­so de con­strução democráti­ca e de aliança à Ordem Inter­na­cional dos Dire­itos.

Aqui está o Pre­rrog­a­ti­vas, grupo de juris­tas que se reuniu de modo infor­mal, mas inten­sa­mente afir­ma­ti­vo, a pon­to de inven­tar um novo modo de insti­tu­cional­iza­ção, que con­sidero mes­mo mais autên­ti­co do que os exis­tentes. Sem­pre cri­tiquei, aliás, essa maneira estran­ha como as profis­sões do dire­ito se orga­ni­zaram no Brasil, crian­do gru­pos sep­a­ra­dos de pre­ten­sa rep­re­sen­tação, em real­i­dade, sementes de con­stante seg­re­gação e con­sti­tu­ição de inter­ess­es e pau­tas cor­po­ra­ti­vas, isto é, con­trárias ao que dev­e­ria ser a vocação jurídi­ca, que não é um fim em si, mas instru­men­to e matéria da justiça que é, des­de a Antigu­idade — no que diz respeito ao mun­do glob­al­iza­do — e na for­ma de con­cepção e con­sti­tu­ição de mun­do dos povos indí­ge­nas ou orig­inários, o ver­dadeiro motor da políti­ca.

Ten­ho a hon­ra de faz­er parte, como colab­o­rador, do Pre­rrô, con­vi­da­do que fui por queri­do ami­go, que hon­ra os quadros da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, o Pro­fes­sor e Advo­ga­do Mau­rides Ribeiro. No Grupo, tive o praz­er de acom­pan­har e con­viv­er com ami­gas e ami­gos, par­tic­i­par das impor­tantes ini­cia­ti­vas de defe­sa da democ­ra­cia e dos dire­itos humanos que con­cretizamos, sem­pre sob a bat­tuta de Mar­co Aurélio de Car­val­ho, Gabriela Araújo e Fabi­ano Sil­va dos San­tos, com a par­tic­i­pação, na coor­de­nação, de Bruno Salles RibeiroPedro Car­riel­lo, Gabriel Sam­paio,
Ana Amélia Mas­caren­hasSheila de Car­val­ho Gus­ta­vo Conde.

Tam­bém tive a hon­ra de con­tar com a par­tic­i­pação do Pre­rrô nas ini­cia­ti­vas da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, como foi o impor­tante caso da Ação de Inca­paci­dade de Jair Bol­sonaro, que teve a par­tic­i­pação, no grupo de Advo­ga­dos e Advo­gadas, de Mau­ro Menezes, sob a indi­cação de Mar­co Aurélio de Car­val­ho.

Estiver­am lado a lado Pre­rrô e APD, tam­bém, em momen­tos impor­tantes da resistên­cia con­tra atos dita­to­ri­ais e de desvir­tu­a­men­to das eleições, como foi a Nova Car­ta a Brasileiros e Brasileiras, na Fac­ul­dade de Dire­ito do Largo São Fran­cis­co, na cel­e­bração da resistên­cia à invasão da PUC.SP, no TUCA. E em atos de cel­e­bração, como o lança­men­to do livro do mar­avil­hoso fotó­grafo da democ­ra­cia Ricar­do Stuck­ert, ou no TUCA, nova­mente, para acom­pan­har a con­cretiza­ção da União Democráti­ca, que, a duras penas, super­ou o golpe dita­to­r­i­al várias vezes ten­ta­do, no cur­so dos últi­mos qua­tro anos.

O Grupo con­ta com tan­tos val­ores impor­tantes que receio come­ter injustiças, no arro­la­men­to de seus mem­bros, mas não se pode deixar de destacar os inspi­radores e inspi­rado­ras de seus ideias, como Sig­maringa Seixas, o Acadêmi­co da APD Anto­nio Clau­dio Mariz de Oliveira, os queri­dos Pro­fes­sores Wei­da Zan­canerCel­so Anto­nio Ban­deira de Mel­lo, cujo pai esteve entre os Fun­dadores da APD, assim como o pai de Anto­nio Clau­dio, ambos, Valde­mar Mariz de Oliveira e Oswal­do Aran­ha Ban­deira de Mel­lo, desem­bar­gadores do Tri­bunal de Justiça de São Paulo, na época da fun­dação.

Dá von­tade de gri­tar os nomes de toda a bra­va gente do Pre­rrô, mas, para rep­re­sen­tar cada uma e cada um, refiro aque­les e aque­las que estão mais próx­i­mos de mim, pela amizade, admi­ração que lhes devo­to, real­iza­ção de ativi­dades comuns e, tam­bém, pre­sença na APD, Juarez Tavares, Lênio Streck, Esther Flesch, Alber­to Toron, Anna Cân­di­da, Angeli­ta da Rosa, Kakay, Arnóbio Rocha, Luzia Can­tal, Caio Leonar­do, Cesar Pimentel, Car­ol Proner, Álvaro Gon­za­ga, Ana Amélia Camar­gos, Con­ra­do Gon­ti­jo, Cris­tiano Maron­na, Fabio Gas­par , Fábio Mariz, Fábio Tof­ic, Fer­nan­do Had­dad, Fer­nan­do Lac­er­da, Gabriela Gastal, Gabriela Zan­caner, Georghio Tomelin, Ger­al­do Pra­do, Giselle Cit­tadi­no, Gise­le Ricobom, Felipe San­ta Cruz,  Fer­nan­do Fer­nan­des, Fer­nan­do Neiss­er, Flavia Rahal, Gilber­to Car­val­ho, Heleno Tor­res, José Eduar­do Car­do­zo, José Rober­to Bato­chio, Juliana Souza, Leonar­do Yarochevsky, Luciana Worms, Luciana Boi­teux,  Luiz Guil­herme Vieira, Luciano Duarte, Luís Car­los Moro, Luiz Eduar­do Soares, Mag­da Biavaschi, Marce­lo Nobre, Mar­cia Maria Fer­nan­des Semer, Pedro Ser­ra­no, Mar­cio Felippe, Mar­gari­da Lacombe Macha­do, Maria Lúcia Karam, Michel Sal­i­ba, Môni­ca de Melo, Nana Oliveira, Michel Sal­i­ba, Marce­lo Cat­toni, Miguel Pereira, Ney Stroza­ke, Otavio Pin­to e Sil­va, Paula Losa­da, Paulo Teix­eira, Pietro Alar­cón, Sil­vio Ser­ra­no, Rafael Favet­ti, Rober­to Tardel­li, Rodri­go Mudrovitsch, Rubens Casara, Rui Fal­cão, Sepúlve­da Per­tence, Ser­gio Renault, Sil­vio Almei­da, Sheila de Car­val­ho, Técio Lins e Sil­va, Sil­via Souza, Vanes­sa Grazz­i­otin, Vicente Can­di­do, Taube Gold­en­berg, Wadih Damous, Wil­son Ramos “Xixo“Filho.

Segun­do Mar­co Aurélio, o Grupo nasceu da indig­nação con­tra a injustiça, que “causa uma sen­sação físi­ca nauseante,“e se ali­men­tou da “tro­ca de ideias,” crescen­do “com o propósi­to de apre­sen­tar con­trapon­tos e faz­er um reg­istro históri­co” de um momen­to cru­cial da vida brasileira.

Hoje, o Pre­rrô recebe a Sal­va de Pra­ta da Câmara de Vereadores e Vereado­ras de São Paulo.

É uma hom­e­nagem impor­tante, um recon­hec­i­men­to emo­cio­nante. A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito estará pre­sente, assim como acom­pan­harão a cer­imô­nia a Democ­ra­cia, a Justiça e, com certeza, o Povo Brasileiro.

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[i] Sobre aut­en­ti­ci­dade, ver ATTIÉ, Alfre­do. “Anti­con­sti­tu­cional­i­dade e Antipolíti­ca” in Revista Democ­ra­cia e Dire­itos Fun­da­men­tais n. 7, 4 de agos­to de 2021,  Por­to Ale­gre: Insti­tu­to Novos Par­a­dig­mas, em https://direitosfundamentais.org.br/anticonstitucionalidade-e-antipolitica/, aces­so em 07/03/2023.

 

 

Nova Carta aos Brasileiros e Situação da FIESP

Nova Carta aos Brasileiros e Situação da FIESP

No arti­go a seguir, “Cidada­nia e FIESP”, o Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito e Tit­u­lar da Cadeira San Tia­go Dan­tas, Alfre­do Attié, anal­isa a crise da prin­ci­pal enti­dade de rep­re­sen­tação empre­sar­i­al brasileira, relacionando‑a ao con­tex­to da crise políti­ca.

Para Attié, há neces­si­dade de a democ­ra­cia per­me­ar as estru­turas e as insti­tu­ições da sociedade brasileira, para além de sua pre­sença no espaço públi­co.

Leia a ínte­gra da con­tribuição, a seguir.

 

Cidadania e Federação das Indústrias de São Paulo

Alfre­do Attié

 

Em 11 de agos­to de 2022, no Salão Nobre e no Pátio das Arcadas da Fac­ul­dade de Dire­ito da Uni­ver­si­dade de São Paulo, a sociedade civ­il e os movi­men­tos soci­ais e políti­cos brasileiros reuni­ram-se para cel­e­brar a Car­ta aos Brasileiros — que Gof­fre­do da Sil­va Telles havia redigi­do e lido, 45 anos antes, no mes­mo Largo São Fran­cis­co — e realizar a leitu­ra da Nova Car­ta a Brasileiros e Brasileiras.

A primeira Car­ta cla­ma­ra cora­josa­mente pela rede­moc­ra­ti­za­ção do Brasil, no bojo de movi­men­to de resistên­cia à ditadu­ra civ­il-mil­i­tar, que ain­da per­du­raria até 1985/1986. A segun­da rep­re­sen­ta­va uma toma­da de posição em defe­sa e afir­mação do Esta­do Democráti­co de Dire­ito, insti­tuí­do pela Con­sti­tu­ição Cidadã de 1988, con­tra as ten­ta­ti­vas de sua sub­ver­são e mes­mo sus­pen­são lev­adas a cabo por um regime anti­con­sti­tu­cional,[1] que, assim como, des­de o iní­cio de sua mil­itân­cia con­tra a democ­ra­cia e o império da lei,  bus­ca­va suprim­ir e desre­speitar dire­itos, deveres e políti­cas públi­cas deter­mi­na­dos pela Con­sti­tu­ição, naque­le momen­to pun­ha em xeque a real­iza­ção de eleições livres e a man­i­fes­tação pop­u­lar.

A segun­da Car­ta rece­beu o apoio de impor­tantes rep­re­sen­tantes de todos os estratos da sociedade civ­il, sobre­tu­do de enti­dades líderes dos setores empre­sar­i­al e tra­bal­hador, ten­do sido, inclu­sive, divul­ga­da nos prin­ci­pais jor­nais do País.

À frente dessa ini­cia­ti­va esta­va, ao lado das prin­ci­pais con­fed­er­ações e sindi­catos lab­o­rais, a FIESP, rep­re­sen­tan­do o empre­sari­a­do brasileiro, assu­min­do, assim, pro­tag­o­nis­mo democráti­co – mal­gra­do impar­cial e apartidário –, defend­en­do as insti­tu­ições repub­li­canas e as práti­cas democráti­cas.

É pre­ciso salien­tar esse caráter orig­i­nal e val­orizar a cor­agem que envolve, ao super­ar perío­do lon­go de hes­i­tação diante de práti­cas aten­tatórias ao espíri­to de liber­dade e de com­pro­me­ti­men­to solidário que deve car­ac­teri­zar o empreende­doris­mo con­tem­porâ­neo. A Fed­er­ação das Indús­trias paulista alin­ha­va-se com os defen­sores dos ideias e dos val­ores con­sti­tu­cionais democráti­cos, pon­do-se con­tra o extrem­is­mo anti­con­sti­tu­cional, em pos­tu­ra de dig­nidade políti­ca.

A FIESP reúne aprox­i­mada­mente cinquen­ta e duas unidades rep­re­sen­ta­ti­vas, no Esta­do de São Paulo, de cen­to e trin­ta e três sindi­catos empre­sari­ais e cen­to e trin­ta mil indús­trias, respon­sáveis por val­or supe­ri­or a quarenta por cen­to do Pro­du­to Inter­no Bru­to brasileiro. Foi fun­da­da em 1931, por ini­cia­ti­va, entre out­ros, de Rober­to Simon­sen, no bojo do movi­men­to cívi­co-cul­tur­al que cri­aria a Esco­la de Soci­olo­gia e Políti­ca de São Paulo, em 1933, e a Uni­ver­si­dade de São Paulo, em 1934. Ao lado do Serviço Social da Indús­tria e do Serviço Nacional de Apren­diza­gem Indus­tri­al paulis­tas, e de seus equipa­men­tos edu­ca­cionais e cul­tur­ais, como o Cen­tro Ruth Car­doso e o Teatro Pop­u­lar do SESI, real­iza políti­cas de extrema importân­cia para a con­sol­i­dação do desen­volvi­men­to brasileiro e con­ti­nen­tal, para a defe­sa da livre ini­cia­ti­va, para a con­strução de espaço solidário de con­vivên­cia nos setores econômi­co, cul­tur­al e social, e para a real­iza­ção de ino­vações no cam­po da pro­dução, ade­quadas à sus­tentabil­i­dade e à inter­sec­cional­i­dade respon­sáv­el por pro­je­tos de igual­dade e inclusão no tra­bal­ho e na pro­dução.

No sen­ti­do, por­tan­to, do que rep­re­sen­ta para a cidada­nia brasileira, não é pos­sív­el igno­rar o sen­sív­el momen­to pelo qual pas­sa, assim reafir­man­do o com­pro­mis­so com o Esta­do Democráti­co de Dire­ito e seus laços com a sociedade civ­il e com os movi­men­tos e as ini­cia­ti­vas volta­dos à defe­sa da Con­sti­tu­ição e do império da lei, no âmbito públi­co e no setor pri­va­do.

É pre­ciso, pois, não ape­nas prestar sol­i­dariedade à ini­cia­ti­va de enga­ja­men­to legí­ti­mo da enti­dade, na defe­sa da dig­nidade da políti­ca democráti­ca, mas igual­mente defend­er que seu proces­so de gov­er­nança cor­re­spon­da à expec­ta­ti­va da sociedade brasileira, no momen­to de recon­strução insti­tu­cional democráti­ca pelo qual pas­samos.

Focos de resistên­cia e ameaça soci­etal e estatal à restau­ração con­sti­tu­cional ple­na devem ser trata­dos pronta­mente segun­do dita­mes de con­vivên­cia jurídi­ca e políti­ca, impedin­do que obsta­c­ulizem o cur­so de nos­sa história de con­strução vence­do­ra da democ­ra­cia, ini­ci­a­do em 1988.

Não há super­ação da crise indus­tri­al brasileira e glob­al fora do ambi­ente democráti­co e de respeito às insti­tu­ições, ten­do em vista a necessária inter­ação entre as várias fac­etas da vida social. No âmbito das insti­tu­ições pri­vadas de inter­esse públi­co, como é o caso da FIESP, o respeito aos estatu­tos cor­re­sponde ao pri­ma­do da lei, no ambi­ente públi­co.

A cidada­nia brasileira[2] espera que todas as insti­tu­ições, da sociedade e do Esta­do, assumam com­pro­mis­so com os man­da­men­tos con­sti­tu­cionais, aban­do­nan­do a fal­sa polar­iza­ção e o incen­ti­vo ao ódio que car­ac­teri­zaram a vida públi­ca nos últi­mos qua­tro anos. Não deve haver tol­erân­cia em relação ao pre­ten­so polo anti­con­sti­tu­cional, em ver­dade de pre­sença ina­ceitáv­el no dis­cur­so e na práti­ca democráti­cos. Divergên­cias não devem encam­in­har a extrem­is­mo e não podem levar ao desliga­men­to da ordem jurídi­ca.

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NOTAS

[1] ATTIÉ, Alfre­do. Brasil em Tem­po Acel­er­a­do: Políti­ca e Dire­ito. São Paulo: Tirant, 2021.

[2] ATTIÉ, Alfre­do. Dire­ito Con­sti­tu­cional e Dire­itos Con­sti­tu­cionais Com­para­dos. São Paulo: Tirant, 2023, em vias de lança­men­to.

Como Fazer Filosofia

Como Fazer Filosofia

Em LEItu­rA, episó­dio do pod­cast Filosofia Pop, o Pro­fes­sor Mar­cos de Car­val­ho Lopes, da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Jataí-Goiás — UFJ recebe Alfre­do Attié, Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, Doutor em Filosofia da USP, para uma con­ver­sa sobre como ler ou sobre como não ler Mon­tesquieu.

Segun­do Lopes, a pro­pos­ta é “traz­er pes­soas que nos aju­dem na aprox­i­mação e abor­dagem de deter­mi­na­dos autores, temas e questões.

A ideia do episó­dio surgiu após assi­s­tir o Poro­ro­ca de Chorume#09, episó­dio de série no YouTube, com Ian Neves e João Car­val­ho, em que pre­tender­am apre­sen­tar Mon­tesquieu, afir­man­do que seria um autor racista, mis­ógi­no, pedó­fi­lo e colo­nial­ista (sic).

Nada mel­hor, então, do que con­vi­dar nova­mente Attié, que falou sobre seu livro Mon­tesquieu: Tópi­ca das Paixões e Esti­lo Moral­iste, no Episó­dio 173 do Filosofia Pop, para nos aju­dar a pen­sar a como ler esse autor.

Assista, aqui ao video orig­i­nal, ou a seguir:

O site do Filosofia Pop, que traz vários episó­dios e entre­vis­tas inter­es­santes sobre filosofia, pode ser apoia­do por meio de doações, no Catarse

POLIFONIA 9 – REVISTA INTERNACIONAL DA ACADEMIA PAULISTA DE DIREITO – Qualis/Capes A3

POLIFONIA 9 – REVISTA INTERNACIONAL DA ACADEMIA PAULISTA DE DIREITO – Qualis/Capes A3

A 9ª edição da revista Poli­fo­nia (Qualis/Capes A3) já está disponív­el. São 15 arti­gos inédi­tos sobre temas diver­sos rela­ciona­dos ao Dire­ito brasileiro e inter­na­cional. Os tex­tos podem ser aces­sa­dos na pági­na da pub­li­cação.

Oswaldo Chade

Oswaldo Chade

A Acad­e­mia Paulista de Dire­ito pres­ta hom­e­nagem ao Advo­ga­do Oswal­do Chade, fale­ci­do no dia vinte e três de fevereiro, aos 84 anos de idade

Profis­sion­al sério e de tra­bal­ho respeita­do no dire­ito e recon­heci­do na vida cor­po­ra­ti­va da advo­ca­cia, foi hom­e­nagea­do pela Ordem dos Advo­ga­dos do Brasil, Seção de São Paulo, por sua pos­tu­ra éti­ca, que expandiu sua admi­ração a toda a sociedade, em seu tra­to sem­pre amis­toso e gen­til

Foi Vice-Pres­i­dente do Insti­tu­to Kanoun — Asso­ci­ação de Juris­tas de Origem Libane­sa, assim como Con­sel­heiro do Insti­tu­to dos Advo­ga­dos de São Paulo,

Kanoun é a translit­er­ação da lín­gua por­tugue­sa para o ter­mo árabe قانون, que derivaria do grego κανών, provavel­mente advin­do de uma palavra assírio-babilôni­ca que sig­nifi­caria, na origem, cana — translit­er­a­da, qanu. Tem o sig­nifi­ca­do de regra jurídi­ca. Foi escol­hi­do para nomear o Insti­tu­to, ten­do em vista a lon­ga tradição de estu­dos e de con­tribuição para o dire­ito das cul­turas fení­cia e árabe. Como afir­ma­va o jurista fení­cio-romano Ulpi­ano, est qui­dem res sanc­tis­si­ma civilis sapi­en­tia , a ciên­cia do dire­ito é uma coisa sagra­da, por ser o dire­ito a arte do bom e do equi­tati­vo (jus est ars boni et aequi).

Toman­do tais princí­pios como norte de sua vida pes­soal e profis­sion­al, Oswal­do Chade muito con­tribuiu, com sua exper­iên­cia e seu exem­p­lo, para a difusão do proces­so civ­i­liza­tório do dire­ito.

Para o Pres­i­dente da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, Alfre­do Attié, “a ama­bil­i­dade e o bom humor sem­pre foram ali­a­dos do ele­va­do sen­so de justiça do Doutor Oswal­do, uma pes­soa sem­pre aber­ta ao novo, muito emb­o­ra preser­van­do os val­ores fun­da­men­tais da existên­cia.

 

Amor Vingança Justiça

Amor Vingança Justiça

Em impor­tante con­tribuição para o debate acadêmi­co e social, Miri­an Gomes,  Advo­ga­da, Mestre em Dire­ito pela Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca de São Paulo e Doutoran­da em Dire­ito pela Uni­ver­si­dade Pres­bi­te­ri­ana Macken­zie, auto­ra do livro Dire­ito à Imagem nas Redes Soci­ais (Belo Hor­i­zonte: Juruá, 2019), anal­isa a relação entre amor, vin­gança e justiça, a par­tir de provo­cação niet­zschi­ana

Escrito orig­i­nal­mente para a Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, o estu­do merece a leitu­ra pon­der­a­da e a reflexão sobre seus des­do­bra­men­tos nos âmbitos da dog­máti­ca e da prag­máti­ca do dire­ito.

 

Amor, vingança e justiça

Miri­an Gomes

 

Friedrich Niet­zsche na obra Humano, Demasi­a­do Humano, lança a seguinte per­gun­ta: Por que exal­ta o amor em detri­men­to da justiça e se diz dele coisas mais lin­das, como se ele fos­se de uma essên­cia supe­ri­or a ela?[1]

O ques­tion­a­men­to de Niet­zsche per­corre uma biografia sec­u­lar. De tragé­dias a romances, cer­ta­mente o amor sem­pre foi um sen­ti­men­to capaz de jus­ti­ficar atos extremos, ampara­do, muitas vezes, por uma justiça infla­ma­da pelos cos­tumes da época, rel­e­gan­do à víti­ma à cul­pa por seu próprio fla­ge­lo.

Se amor e justiça estão em pata­mares dis­tin­tos, o degrau da vin­gança se encar­regou de uni-los. A justiça de Tal­ião fei­ta pelas mãos do homem des­on­ra­do, despi­do de seu patri­ar­ca­do, expos­to à humil­hação públi­ca. Uma justiça pouco racional, muito emo­ti­va, instin­ti­va, sus­ten­ta­da num dese­jo de vin­gança.

 Nes­sa obso­le­ta ordem social, por inúmeras vezes, o amor foi lev­a­do ao ban­co dos réus, seja na figu­ra do réu ou do acu­sa­do. Euclides da Cun­ha e seu dese­jo de vin­gança con­tra Dil­er­man­do ficou grava­do nos anais da justiça e no incon­sciente pop­u­lar. Se para uns era víti­ma e nada mais fez do que defend­er seu amor e hon­ra, para out­ros, não pas­sa­va de um homem egoís­ta bus­can­do na vin­gança a alter­na­ti­va per­fei­ta para apaziguar o ego.

A defe­sa de Dil­er­man­do soube explo­rar muito bem a juven­tude do acu­sa­do e sua paixão pela mul­her casa­da – como algo que qual­quer homem estaria sujeito a sen­tir – deno­tan­do, enquan­to homem, ser tão víti­ma quan­to o mari­do:

Quem não teve dess­es peca­dos aos 17 anos? Em segui­da, sus­ten­tou a dout­ri­na que admite o adultério, des­de que o seu respon­sáv­el ten­ha pou­ca idade, clas­si­f­i­can­do de con­venções soci­ais as man­i­fes­tações hipócritas dos que não têm cor­agem de con­fes­sar suas fraque­zas.

Demor­ou-se em diva­gações acer­ca da difer­ença da respon­s­abil­i­dade do ado­les­cente e do adul­to, citan­do vários autores, procu­ran­do demon­strar que não se pode falar em sin­ceri­dade dos atos de um ado­les­cente, porque, o mes­mo nun­ca é imoral nem moral, mas sim­ples­mente amoral.[2]

O triste enre­do da obra, nos ensi­na que quan­do a hon­ra de um mari­do traí­do esta­va no cerne da questão, a justiça de Themis não se mostra­va efi­ciente. Cabia à sua fil­ha Diké a difí­cil tare­fa de medi­ar – de maneira pouco equân­ime – a bal­ança da justiça.

Sem ven­das, de olhos bem aber­tos e com espa­da na mão, a justiça vis­cer­al de Diké agradou ao pun­gente clam­or públi­co, resul­tan­do numa justiça de resul­ta­do san­gren­to, par­cial e ade­qua­da aos cos­tumes de uma sociedade benev­o­lente ao machis­mo, na qual a vida de uma mul­her equipara-se em val­or, à hon­ra de um homem.

Os tem­pos mudaram, o sangue não deixou de escor­rer, mas a justiça vinga­ti­va gan­hou novas for­mas de reper­cussão, emoldu­radas por um tom de ingenuidade, aca­so ou desca­so, uti­lizan­do-se das redes soci­ais para cri­ar cenários vex­atórios, humil­hantes e pitorescos, muitas vezes sob o man­to do anon­i­ma­to.

A vul­ner­a­bil­i­dade do ser humano frente às novas tec­nolo­gias é moti­vo de pre­ocu­pação para os oper­adores do Dire­ito, que bus­cam preser­var os dire­itos da per­son­al­i­dade con­tra as con­stantes ameaças de lesão. José Oliveira Ascen­são rat­i­fi­ca este entendi­men­to, afir­man­do que “a sociedade que nos rodeia é uma sociedade tec­no­logi­ca­mente avança­da. O homem, no seio dela, é uma móna­da alta­mente vul­neráv­el: as pos­si­bil­i­dades de intro­mis­são na vida de cada pes­soa são hoje inúmeras e ameaçado­ras”.[3]

No caso da imagem como dire­ito da per­son­al­i­dade, Clau­dio Luiz Bueno de Godoy expli­ca que é “a rep­re­sen­tação iden­ti­fica­ti­va da pes­soa ou este sinal de dis­tinção con­sub­stan­ci­a­do pela imagem que lhe dá a condição de atrib­u­to dire­to da per­son­al­i­dade, ense­jan­do dire­ito, que deve ser con­sid­er­a­do como um dos dire­itos da per­son­al­i­dade”.  Por­tan­to, é exata­mente essa rep­re­sen­tação iden­ti­fica­ti­va que dá à imagem a condição de dire­ito da per­son­al­i­dade. [4]

  Segun­do o min­istro Luis Felipe Salomão, da Quar­ta Tur­ma do Supe­ri­or Tri­bunal de Justiça (STJ), “o dire­ito à imagem assum­iu posição de destaque no âmbito dos dire­itos da per­son­al­i­dade dev­i­do ao extra­ordinário pro­gres­so tec­nológi­co, sobre­tu­do no âmbito das comu­ni­cações, tan­to no desen­volvi­men­to da facil­i­dade de cap­tação da imagem, quan­to na de sua difusão”.[5]

Neste cenário tec­nológi­co onde a imagem gan­ha posição de destaque e pro­tag­on­i­za uma real­i­dade vir­tu­al de grande valia, a vin­gança encon­tra ter­ritório fér­til e tem sido vas­ta­mente uti­liza­da por corações ofen­di­dos.

Como assever­ou Niet­zsche ao tratar da vin­gança: “os home­ns gros­seiros que se sen­tem ofen­di­dos cos­tu­mam colo­car tão alto quan­to pos­sív­el o grau da ofen­sa e con­tar sua causa em ter­mos muito exager­a­dos, nada mais que para ter o dire­ito de sabore­ar o sen­ti­men­to de ódio e de vin­gança uma vez este des­per­ta­do.[6]

Em que pese o dis­tan­ci­a­men­to cronológi­co entre a citação aci­ma e o surg­i­men­to das redes soci­ais, na maio­r­ia dos casos de vin­gança, os home­ns ain­da ocu­pam posição de destaque como autores. Se antes sua dor jus­ti­fi­ca­va a arma em pun­ho, ago­ra são os dedos velozes na tela de um apar­el­ho celu­lar ou no tecla­do do com­puta­dor que dis­param con­tra a imagem da víti­ma, dilaceran­do sua rep­utação.

Enfim, a tec­nolo­gia nos trouxe uma for­ma de “faz­er justiça com as próprias mãos” sem aparente­mente sujá-las,afinal, a hon­ra antes paga com a vida, ago­ra é quita­da com a rep­utação alheia.

Na veloci­dade com que as infor­mações tran­si­tam pela inter­net, a reti­ra­da de uma imagem des­on­rosa, nem sem­pre encer­ra o dano. Min­u­tos, horas, dias, meses, são indifer­entes na rede. Uma postagem pode pul­verizar além das fron­teiras geográ­fi­cas em questão de segun­dos e atin­gir um número incal­culáv­el de pes­soas. Sem o glam­our das tragé­dias shake­spear­i­anas, com per­son­agens que bra­davam sua dor aos qua­tro can­tos, em ver­sos e prosa, a vin­gança nas redes soci­ais não leva sequer leg­en­da, se instau­ra com a imagem da pes­soa ama­da em situ­ações ínti­mas, cap­tadas sob a égide da con­fi­ança e do amor.

Fin­do o amor, parece-nos que o con­tra­to de con­fi­den­cial­i­dade e con­fi­ança é sub­ju­ga­do frente à dor do aban­don­a­do. Não existe moral que resista ao dese­jo de vin­gança. Ao con­trário, é jus­ta­mente a imoral­i­dade do ato que men­su­ra a reparação. Quan­to mais lesi­vo o dano, mais repara­da estará a dor. A este even­to, a dout­ri­na deu o nome de “pornografia de vin­gança” que con­siste na con­du­ta de divul­gar, sem con­sen­ti­men­to da out­ra parte, fotos, vídeos, mon­ta­gens, que con­tenham con­teú­do sex­ual­mente ínti­mo. O intu­ito da con­du­ta, car­ac­terís­ti­co do próprio nome, é a vin­gança, seja pelo fim de um rela­ciona­men­to amoroso, seja por qual­quer out­ro moti­vo que torne a práti­ca car­ac­terís­ti­ca de uma revanche.[7]

A vin­gança que durante sécu­los lev­ou mul­heres à morte físi­ca, com o adven­to das novas tec­nolo­gias, têm lev­a­do suas víti­mas à morte social, com a exclusão do con­vívio social, forçadas, pela ver­gonha de ver sua vida ínti­ma lev­a­da ao con­hec­i­men­to públi­co, a se escon­der da sociedade. Por mais antagôni­ca que a frase pos­sa pare­cer, neste caso, a justiça de um indi­ví­duo se real­iza através da vin­gança.

Isso porque, o ofen­di­do em sua dor, bus­ca com­pen­sá-la reti­ran­do da esfera do ofen­sor um bem que ele acred­i­ta ser de tão valia quan­to o que lhe foi arran­ca­do.

Esse sen­ti­men­to de vin­gança que se trav­es­te de justiça, como já dis­se­mos aci­ma, está enraiza­do em nos­sa sociedade há tem­pos e se man­tém atre­la­do ao dese­jo de cas­ti­go e de reparação da dor. E não foi deste dese­jo que nasceu a justiça? Não seria a vin­gança, a justiça em sua for­ma mais vis­cer­al, instin­ti­va, antes desprovi­da de moral?

Diante de tan­tos ques­tion­a­men­tos, parece-nos que elim­i­nar a vin­gança de nos­sa sociedade é tare­fa impos­sív­el, pois encon­tra-se inerte no gene do ser humano e, pode ser des­per­ta através de sen­ti­men­tos de dor, tris­teza ou fúria. Neste momen­to, toda a moral lap­i­da­da é esque­ci­da, e ele retoma à sua origem ani­malesca, ter­reno fér­til para além das telas, onde mil­hares de espec­ta­dores aguardam ansiosos pela exposição das maze­las humanas.”

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NOTAS

[1] Niet­zsche, Friedrich, Humano Demasi­a­do Humano, São Paulo, Lafonte,2019, p. 71

[2] http://www.oabsp.org.br/sobre-oabsp/grandes-causas/as-mortes-de-euclides-da-cunha-e-seu-filho

[3] ASCENSÃO, José de Oliveira. A dig­nidade da pes­soa e o fun­da­men­to dos dire­itos humanos. Revista da Fac­ul­dade de Dire­ito da Uni­ver­si­dade de São Paulo, São Paulo, v. 103, p. 284. jan./dez. 2008.

[4] GODOY, Cláu­dio Luiz Bueno de. A liber­dade de impren­sa e os dire­itos da per­son­al­i­dade. São Paulo: Atlas, 2001. p. 38.

[5] Pro­gres­so tec­nológi­co amplia as ações sobre vio­lação ao dire­ito de imagem. 19 ago. 2016. Disponív­el em: <http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Comunica%C3%A7%C3%A3o/noticias/Not%C3%ADcias/Progresso-tecnol%C3%B3gico-amplia-as‑a%C3%A7%C3%B5es-sobre-viola%C3%A7%C3%A3o-ao-direito-de-imagem>. Aces­so em: 14 abr. 2017.

[6] Niet­zsche, op. cit. Pág. 69

[7] A con­du­ta pas­sou a ser con­sid­er­a­da como crime como adven­to da Lei nº 13.718, que entrou em vig­or em 24 de setem­bro de 2018, e inseriu novos crimes no tex­to do Códi­go Penal. Den­tre eles, foi cri­a­da a figu­ra do crime de divul­gação de cena de estupro ou de cena de sexo ou pornografia. O arti­go 218‑C pre­vê como con­du­tas crim­i­nosas atos de ofer­e­cer, tro­car, disponi­bi­lizar, trans­mi­tir, vender ou expor à ven­da, dis­tribuir, pub­licar ou divul­gar, por qual­quer meio, fotos, vídeo ou mate­r­i­al com con­teú­do rela­ciona­do à prat­i­ca do crime de estupro, ou com cenas de sexo, nudez ou pornografia, que não ten­ham con­sen­ti­men­to da víti­ma. Fonte: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/pornografia-de-vinganca aces­so em 29/06/2020

Sim à Revisão da Reforma da Previdência

Sim à Revisão da Reforma da Previdência

Em impor­tante con­tribuição ao debate sobre a revisão da refor­ma prev­i­den­ciária, o Pro­fes­sor Tit­u­lar de Dire­ito Prev­i­den­ciário e Dire­itos Humanos da Pon­tif­í­cia Uni­ver­si­dade Católi­ca de São Paulo, Wag­n­er Balera, Acadêmi­co Tit­u­lar da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, da qual foi Pres­i­dente, apon­ta as razões pelas quais a revisão é necessária: a refor­ma do finan­cia­men­to da seguri­dade social a par­tir de ade­qua­do cál­cu­lo atu­ar­i­al, a fim de que se cumpra o obje­ti­vo con­sti­tu­cional do equi­líbrio finan­ceiro do sis­tema; o cumpri­men­to do obje­ti­vo con­sti­tu­cional da redução das desigual­dades dos regimes de aposen­ta­do­ria; a fix­ação critério apto a deter­mi­nar a fix­ação de cer­ta idade mín­i­ma para as aposen­ta­do­rias; esta­b­elec­i­men­to de critério defin­i­ti­vo e autônomo de rea­jus­ta­men­to dos bene­fí­cios. Tudo isso para faz­er imper­ar a visão de con­jun­to do fenô­meno da seguri­dade social, assim evi­tan­do que con­tin­ue a ser trata­do como o bode expi­atório dos dese­qui­líbrios econômi­cos.

Leia a seguir o arti­go, pub­li­ca­do na Fol­ha de S.Paulo, em 17 de fevereiro de 2023, pági­na 3, na seção Tendên­cia e Debates:

 

A reforma da Previdência deve ser revista? Sim.

 

Quan­do se cogi­ta tratar de refor­ma prev­i­den­ciária, o que já se fez diver­sas vezes des­de a Con­sti­tu­ição de 1988, o primeiro argu­men­to é, invari­avel­mente, o do déficit do sis­tema.

Ninguém se per­gun­ta sobre a veraci­dade ou fal­si­dade do argu­men­to. Os que querem a refor­ma afir­mam, cat­e­gori­ca­mente, que há déficit. E, os que não a querem, dirão o con­trário. O pior é que, sem­pre e sem­pre, sem nen­hu­ma pro­va.

Por­tan­to, o primeiro “sim” é o de que deve exi­s­tir, nec­es­sari­a­mente, a refor­ma do finan­cia­men­to da seguri­dade social a par­tir de ade­qua­do cál­cu­lo atu­ar­i­al, a fim de que se cumpra o obje­ti­vo con­sti­tu­cional do equi­líbrio finan­ceiro do sis­tema —vale diz­er, que as entradas sejam sufi­cientes para custear as saí­das.

O segun­do “sim” à refor­ma é, igual­mente, o cumpri­men­to do obje­ti­vo con­sti­tu­cional da redução das desigual­dades. Aliás, esse foi o mote da primeira refor­ma (1998), de algum modo obser­va­da nas demais.

É urgente a redução das assime­trias entre os ben­efi­ciários do regime ger­al e dos regimes próprios, isto é, os servi­dores públi­cos civis, mil­itares e inte­grantes dos Poderes do Esta­do. Entre­tan­to, cada refor­ma tra­tou de jog­ar esse cam­in­ho rumo à igual­dade para um porvir dis­tante.

Urge, pois, para que se implante o bem-estar —obje­ti­vo últi­mo da seguri­dade social— que a refor­ma seja, sim, a da rad­i­cal redução do abis­mo de desigual­dades que existe entre os regimes.

Out­ro prob­le­ma que este tema traz à baila é o do critério apto a deter­mi­nar a fix­ação de cer­ta idade mín­i­ma para as aposen­ta­do­rias.

Para que tal dis­cussão não se trans­forme num cabo de guer­ra, podemos pen­sar no ele­men­to cen­tral a ser con­sid­er­a­do: a idade em que se situa a sobre­v­i­da média dos brasileiros, com o incô­mo­do com­po­nente (incô­mo­do para este efeito, enten­da-se bem) de que as mul­heres detêm sobre­v­i­da maior que a dos home­ns.

Por­tan­to, se defen­do isono­mia na idade, estou, nat­u­ral­mente, ben­e­fi­cian­do as mul­heres. Exem­pli­fi­co: um homem se aposen­ta aos 65 anos e terá aprox­i­ma­dos oito anos de sobre­v­i­da, pois morre em média aos 73 anos. Por seu turno, uma mul­her que se aposente com a mes­ma idade de 65 anos terá aprox­i­ma­dos 15 anos de sobre­v­i­da, pos­to que a idade média da morte dela será aos 80.

É só não nos esque­cer­mos que cada ano a mais na fruição da aposen­ta­do­ria sig­nifi­ca maior dis­pên­dio para o caixa da seguri­dade social.

Um ter­ceiro prob­le­ma que nos impõe a respos­ta afir­ma­ti­va con­siste no critério de rea­jus­ta­men­to dos bene­fí­cios. Hoje esse critério atrela o rea­juste ao index­ador aplicáv­el ao salário mín­i­mo.

Ocorre que em lugar nen­hum está garan­ti­do que o aumen­to da arrecadação de con­tribuições será pro­por­cional ao incre­men­to do salário mín­i­mo. Essa var­iáv­el depende do con­jun­to da econo­mia que, no mais das vezes, oscila ao sabor de out­ras questões, sobre­tu­do do que se pref­ere denom­i­nar gener­i­ca­mente de mer­ca­do.

Por­tan­to, é necessário que se crie critério autônomo de rea­jus­ta­men­to dos bene­fí­cios e que, medi­ante tal critério, seja garan­ti­do, con­soante exigên­cia con­sti­tu­cional, o poder aquis­i­ti­vo que a prestação prev­i­den­ciária det­inha des­de o momen­to da respec­ti­va con­cessão.

A trág­i­ca ausên­cia de visão de con­jun­to do fenô­meno da seguri­dade social a trans­for­mou no bode expi­atório dos dese­qui­líbrios econômi­cos.

Refor­ma, sim, para que o debate pon­ha ver­dade onde hoje só existe enorme con­fusão.

Attié e Montesquieu, no Filosofia Pop

Attié e Montesquieu, no Filosofia Pop

Filosofia Pop recebe Alfredo Attié e revela Montesquieu

Filosofia Pop é o podcast imperdível, do qual, aqui, já falamos, concebido e dirigido por Marcos Carvalho Lopes,

Neste novo episódio, “Montesquieu, com Alfredo Attié,” pode-se conhecer um pouco mais a obra e as ideias do filósofo, jurista e escritor Charles-Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu, magistrado e President-à-Mortier, no Parlamento de Bordeaux, na França do Século XVIII, a partir da leitura e do diálogo que com ele empreendeu Alfredo Attié, jurista, escritor, Presidente da Academia Paulista de Direito e magistrado no Tribunal de São Paulo, no Brasil dos Séculos XX e XXI.

Você pode acompanhar uma conversa sobre Montesquieu e Attié; o trabalho do estilo e a construção de um projeto político que estes ainda por descobrir e fazer, assim como o encadeamento de estilo e projeto político de liberdade, nas obras dos dois autores, a começar pelas Cartas Persas, as Considerações sobre os Romanos, Do Espírito das Leis, do magistrado bordelês, assim como a Reconstrução do DireitoTópica das Paixões e Estilo Moraliste, do magistrado paulistano, as questões da alteridade, da defesa do saber da diversidade e do olhar crítico sobre nosso próprio mundo, bem como dos caminhos que pode trilhar, na arte, na cultura, na política, na ética e na estética, no direito e em tantas outras facetas da — fugidia e constantemente em movimento e mudança — condição humana.

Alfredo Attié estudou Direito e em História na Universidade de São Paulo (USP); além de ser Mestre em Direito e Doutor em Filosofia pela mesma instituição. Dentre os seus livros estão “A Reconstrução do Direito: Existência, Liberdade, Diversidade” (Porto Alegre: Fabris, 2003), e “Montesquieu” (Lisboa: Chiado, 2018), “Brasil em tempo acelerado: Política e Direito”, além de “Towards International Law of Democracy” (Valencia, Tirant, 2022), e “Direito Constitucional e Direitos Constitucionais Comparados”,(São Paulo, Tirant, 2023, no prelo). Essa conversa de hoje, 7  de fevereiro de 2023, complementa a tida, em 30 de janeiro, na semana passada, no episódio sobre “Direito como Política.

Marcos Carvalho Lopes é Professor de Filosofia da Universidade Federal de Jataí-Goiás, Possui graduação em Licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (2000), mestrado em Filosofia pela Universidade Federal de Goiás (2007), doutorado em Filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e pós-doutorado em Literatura, cultura e contemporaneidade pela PUC-RJ (2016). Trabalhou na Unilab, no Campus dos Malês, na Bahia.

O podcast aborda a filosofia como parte da cultura e traz sempre novidades, em pequenas aulas, entrevistas e bate-papos agradáveis e úteis para quem quer estudar, pesquisar, conhecer, pensar e atuar na vida contemporânea. A cada 15 dias, sempre às segundas-feiras, o Filosofia Pop vai ao ar.  Possui uma campanha de financiamento coletivo no Catarse, para quem quiser colaborar.

Ouça, aqui:

ou acessando este link.

 

Mon­tesquieu é um caso do Sécu­lo das Luzes, que tan­to admi­ramos, e que nos forneceu tan­tas pis­tas para con­stru­irmos a políti­ca mod­er­na. Suas ideias vazaram durante o fim do Anti­go Regime, pas­saram pelo fil­tro rev­olu­cionário, estiver­am pre­sentes na con­strução de novos Esta­dos, Declar­ações e Con­sti­tu­ições, e no dese­jo de uma Sociedade Inter­na­cional de Dire­itos. Mes­mo que dese­je­mos, hoje, super­ar essa tradição, lançar-nos em novos pro­je­tos de escri­ta e de políti­ca, a reflexão sobre nos­sos Clás­si­cos ain­da se mostra essen­cial, sobre­tu­do procu­ran­do reti­rar deles as várias camadas de orna­men­to, con­t­a­m­i­nação e erudição que lhes quis­er­am acres­cen­tar os Sécu­los seguintes. Por isso, o Mon­tesquieu que a leito­ra e o leitor encon­trarão nesse livro é bem diver­so das ima­gens feitas, recom­pos­to em seu esti­lo e em seu desen­ho de um pro­je­to da políti­ca, por meio de um per­cur­so que entremeou filosofia e análise literária. É um Mon­tesquieu que se mostra dis­pos­to a aju­dar na trans­for­mação cri­ado­ra do humano.

Genocídio e Crime contra o Patrimônio Cultural da Humanidade

Genocídio e Crime contra o Patrimônio Cultural da Humanidade

Em entre­vista à Radio CBN, a Pro­fes­so­ra Már­cia Carneiro Leão, da Uni­ver­si­dade Macken­zie, inte­grante do Núcleo de Pesquisas em Dire­itos Humanos da mes­ma Uni­ver­si­dade paulista, douto­ra em Dire­ito Inter­na­cional e Ambi­en­tal pela Fac­ul­dade de Dire­ito da USP, e inte­grante do Núcleo de Estu­dos sobre Tri­bunais Inter­na­cionais da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, expli­ca o crime de genocí­dio, contextualizando‑o na história do Sécu­lo XX, e ref­ere a práti­ca pelo gov­er­no pas­sa­do, tam­bém, de crime con­tra o patrimônio cul­tur­al da humanidade.

Ouça, a seguir:

Genocídio

Genocídio

 Miguel Reale Jr, Pro­fes­sor Tit­u­lar da Uni­ver­si­dade de São Paulo e Acadêmi­co Eméri­to da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito, em mais uma impor­tante con­tribuição para a com­preen­são do momen­to políti­co-jurídi­co brasileiro, rev­ela a natureza das práti­cas do gov­er­no pas­sa­do, em que despon­ta a inten­cional­i­dade condi­ciona­da pelo despre­zo à vida indí­ge­na, com a final­i­dade de come­ti­men­to do crime de genocí­dio.

O arti­go foi pub­li­ca­do, orig­i­nal­mente, no jor­nal O Esta­do de S. Paulo.

 

Genocídio

Miguel Reale Jr

O gov­er­no Bol­sonaro deixou ras­tro de destru­ição da qual a bar­bárie de 8 de janeiro é exem­p­lo. Porém, chocam ain­da mais as ima­gens do exter­mínio de cen­te­nas de cri­anças Yanomamis, rev­e­ladas pelo jor­nal Sumaú­ma, fru­to da explo­ração ile­gal de minérios nas Ter­ras Indí­ge­nas.

Con­forme Hutukara Associação Yanoma­mi, o mon­i­tora­men­to do garim­po em ter­ra indí­ge­na indi­ca que em 2.018 havia ocu­pação de 1.200 hectares (ha), que em dezem­bro de 2.021 quase trip­licara, pas­san­do a 3.272 ha.

No ano pas­sa­do foi maior a invasão por garimpeiros, cau­san­do des­mata­men­to, destruição de habi­tat, contaminação da água e dos solos. Hou­ve a disseminação de doenças infec­to­con­ta­giosas (em espe­cial a malária), a contaminação pelo metilmercúrio, a sub­nu­trição atingin­do metade da pop­u­lação Yanoma­mi, dado azo à pneu­mo­nia.

O garim­po causa ele­va­da con­cen­tração de mer­cúrio, a pon­to de cri­ança de três anos apre­sen­tar o equiv­a­lente a sete vezes o lim­ite esta­b­ele­ci­do pela OMS e o dobro do lim­ite para sur­girem efeitos adver­sos à saúde.

As comu­nidades sob domínio de garimpeiros ficaram sem pos­tos de saúde e sem remé­dios desvi­a­dos pelos inva­sores. Cri­anças indí­ge­nas mor­rem em pro­porção dez vezes maior que as não indí­ge­nas, mul­heres são estupradas, ten­do razão o Procu­rador da Repúbli­ca Alis­son Maru­gal: “a defe­sa do ter­ritório indí­ge­na é a defe­sa da vida”.

Tin­ha dúvi­da se con­figu­ra-se genocí­dio ou crime con­tra a humanidade. Ambos têm a mes­ma gravi­dade, pre­vis­tos no Estatu­to de Roma, que criou o Tri­bunal Penal Inter­na­cional.

O genocí­dio con­s­ta de nos­sa leg­is­lação des­de 1.956, car­ac­ter­i­za­do pelos atos de matar mem­bros de grupo, causar-lhes lesão grave, sub­metê-los a condições de existên­cia capazes de os destru­ir. Essas ações devem ser pre­si­di­das pela intenção de elim­i­nar, no todo ou em parte, grupo nacional, étni­co, racial ou reli­gioso. Assim está pre­vis­to tam­bém no Estatu­to de Roma. Sylvia Stein­er, ex juíza do Tri­bunal Penal Inter­na­cional (TPI), ensi­na requer­er o genocí­dio ele­men­to inten­cional especí­fi­co a pre­sidir a con­du­ta, qual seja, de o ato realizar-se, por exem­p­lo, em razão da etnia ou raça do grupo.

     O Estatu­to de Roma cria tam­bém o crime con­tra a humanidade. Este crime con­siste no ataque, gen­er­al­iza­do (com diver­sas víti­mas) e sis­temáti­co (reit­er­a­do e plane­ja­do), con­tra qual­quer pop­u­lação civ­il, por meio de homicí­dio, exter­mínio, escravidão ou atos desumanos de caráter semel­hante, que causem inten­cional­mente grande sofri­men­to, em um con­tex­to no qual haja a políti­ca de um Esta­do ou de uma orga­ni­za­ção na con­cepção e real­iza­ção desse ataque.

 Percebe-se sem per­calços um crime con­tra a humanidade, pois há o exter­mínio de parte da pop­u­lação Yanoma­mi, com assus­ta­do­ra morte de 570 cri­anças, em pro­porção dez vezes maior que a mor­tal­i­dade infan­til de não indí­ge­nas, decor­rente da ori­en­tação gov­er­na­men­tal de incen­ti­var e pro­te­ger a invasão de ter­ras dos Yanoma­mi, para explo­ração de ouro, além de desas­si­s­tir dolosa­mente estes indí­ge­nas.

No entan­to, vários fatos indicam ter ocor­ri­do genocí­dio, em vista da perseguição volta­da à etnia Yanoma­mi. Como mostra o jor­nal­ista Lira Neto, des­de homolo­ga­da a Reser­va de Ter­ra Yanoma­mi, esta pop­u­lação foi persegui­da por Bol­sonaro, que, dep­uta­do fed­er­al, propôs em 1.993 tornar sem efeito decre­to insti­tu­idor da reser­va. Em 1.995, reeleito, retornou com essa pro­pos­ta, à qual pediu regime de urgên­cia. Em 1.998, reap­re­sen­ta a pro­pos­ta e diz: “A Cav­alar­ia brasileira foi muito incom­pe­tente”. “Com­pe­tente, sim, foi a Cav­alar­ia norte-amer­i­cana, que diz­imou seus índios”.

Bol­sonaro par­al­isou a demar­cação de ter­ras indí­ge­nas e a Funai baixou a Por­taria 09/20 per­mitin­do a emis­são de títu­los de pro­priedade a inva­sores.

 Para aten­der aos empreende­dores, Bol­sonaro envi­ou pro­je­to de lei n. 191/20, per­mitin­do explo­ração de minério em ter­ras indí­ge­nas, que não cam­in­hou.  No entan­to, por via de Instrução con­jun­ta da Funai e do Iba­ma, de fevereiro de 2.021, bus­cou-se driblar a con­sti­tu­ição per­mitin­do explo­ração de minério por enti­dade for­ma­da por indí­ge­nas e não indí­ge­nas, dis­pen­sa­dos licen­ci­a­men­to ambi­en­tal e autor­iza­ção do Con­gres­so, como exige a con­sti­tu­ição.

Na pan­demia, o desca­so com os índios foi patente e desta­ca­do em pare­cer à CPI, por comis­são que coor­denei. Bol­sonaro vetou no pro­je­to de lei rel­a­ti­vo à assistên­cia aos índios, o fornec­i­men­to de água potáv­el; a dis­tribuição gra­tui­ta de mate­ri­ais de higiene; a ofer­ta emer­gen­cial de leitos hos­pi­ta­lares

Foram igno­ra­dos: dezenas de aler­tas do Min­istério Públi­co e de enti­dades acer­ca da calami­dade san­itária dos Yanoma­mi; a deter­mi­nação da Corte Inter­amer­i­cana de Dire­itos Humanos de reti­ra­da dos inva­sores; decisão do Supre­mo Tri­bunal Fed­er­al (STF) no mes­mo sen­ti­do, em voto de Rober­to Bar­roso.

 Bro­ta das con­du­tas de Bol­sonaro e de seu gov­er­no a rev­e­lação da inten­cional­i­dade coman­da­da pelo despre­zo à vida dos indí­ge­nas e em espe­cial dos Yanomamis, sub­meti­dos, por con­ta de sua condição étni­ca, a condições capazes de os destru­ir, sendo visív­el o fim especí­fi­co da figu­ra do genocí­dio, como bem sus­pei­ta o STF.