Em impor­tante arti­go, pub­li­ca­do pelo blog do jor­nal­ista Fred­eri­co Vas­con­ce­los, no jor­nal e site Fol­ha de S. Paulo/UOL, Alfre­do Attié dis­corre sobre o papel da lei, das insti­tu­ições e das pes­soas, no proces­so que lev­ou a extrema-dire­i­ta a assumir o poder, no Brasil, em mil­itân­cia e maquinação para implan­tação de um regime anti­con­sti­tu­cional.  Attié fala da neces­si­dade de reação pop­u­lar aos aten­ta­dos con­tra o esta­do democráti­co de Dire­ito.

Leia a seguir.

As Absolvições de Bol­sonaro

Alfre­do Attié

Con­trari­a­do, no nega­cionis­mo cien­tí­fi­co, climáti­co e democráti­co, racis­mo, trans­fo­bia e mis­oginia, e na iminên­cia de sair der­ro­ta­do nas eleições, esse fal­so Pres­i­dente, cuja práti­ca é a de del­e­gar suas atribuições a quem o imite, con­trar­ian­do dire­itos, deveres e políti­cas públi­cas con­sti­tu­cionais, sem se impor­tar com o que dizem, recol­hi­do a seus mesquin­hos inter­ess­es e dos que o acom­pan­ham nas men­ti­ras e na dis­tribuição do butim, propõe um golpe.

Não adi­anta, ago­ra, bradar con­tra o fal­so pro­tag­o­nista e lutar por ideais que foram despreza­dos nos anos de seu gov­er­no, mes­mo antes, quan­do se apre­sen­tou sua pre­ten­siosa can­di­datu­ra. Nesse perío­do, fal­haram muitos. Diante do con­jun­to de fal­si­dades e de ilíc­i­tos, só se pode explicar sua per­manên­cia, sem que nada efi­ciente ten­ha sido feito para reme­di­ar o mal cau­sa­do por sua ilegí­ti­ma eleição, apon­tan­do a respon­s­abil­i­dade de leis, insti­tu­ições e pes­soas.

O grave defeito de nos­sa Con­sti­tu­ição e de nos­sas leis sobre o sis­tema políti­co e eleitoral está em não limpar o ter­reno da rep­re­sen­tação, para que o povo pos­sa enx­er­gar no rep­re­sen­tante do poder leg­isla­ti­vo a importân­cia que vis­lum­bra no do exec­u­ti­vo. Abrir os canais de par­tic­i­pação e con­t­role dire­tos pelo povo, no inte­ri­or dos leg­isla­tivos. Se na democ­ra­cia, não se con­cede poder sem con­t­role, como jus­ti­ficar con­cen­tração de poderes nas mãos de poucos, sem que haja sanção por inação ou ação inapro­pri­a­da?

As insti­tu­ições não fun­cionaram para defend­er o regime. Há fal­has de órgãos da Admin­is­tração, que deixaram de atu­ar de acor­do com seus estatu­tos jurídi­co-políti­cos. Os poderes leg­isla­ti­vo e judi­ciário, Min­istério Públi­co, e sociedade civ­il par­al­is­aram-se no corte­jo de morte que se con­stru­iu des­de o lança­men­to de uma can­di­datu­ra insana. Foram pre­sas fáceis na manip­u­lação da opinião públi­ca e dos instru­men­tos de dire­ito, no desen­ho de um imag­inário cenário de cor­rupção insti­tu­cional, pre­tex­to para inter­venção anti­jurídi­ca nos proces­sos judi­cial e políti­co.

Como explicar o pro­tag­o­nis­mo do judi­ciário e do Min­istério Públi­co, sem amparo na real­i­dade, reple­to de imag­i­nação de princí­pios que con­trari­am a Con­sti­tu­ição, recomen­dação de remé­dios, invenção de argu­men­tos e teses anti­jurídi­cos?

Essa dis­tân­cia entre o espaço do dis­cur­so e da ação é sen­sív­el nas funções jurídi­cas públi­cas, em que o ‘main­stream’ se faz em per­for­máti­co, em con­traste com um cotid­i­ano de omis­sões nos deveres bási­cos de dialog­ar com sociedade e profis­sões jurídi­cas que a rep­re­sen­tam. É pre­ciso retomar a ideia do con­t­role exter­no das funções jurídi­cas públi­cas, aban­don­a­da em nome da cen­tral­iza­ção admin­is­tra­ti­va que rep­re­sen­tam os Con­sel­hos Nacionais.

Das pes­soas que deixaram de agir ou que agi­ram para que essa afronta à vida públi­ca de um povo se ten­ha con­sti­tuí­do como enfer­mi­dade mon­stru­osa é pre­ciso recla­mar os nomes. Sobre­tu­do das que negaram a pub­li­ci­dade e a éti­ca da vida públi­ca, para sat­is­faz­er ambições e inter­ess­es.

O resul­ta­do foi a sucessão de absolvições desse regime anti­con­sti­tu­cional, mil­i­tante con­tra o Esta­do Democráti­co de Dire­ito, ver­gonhoso embaraço das relações inter­na­cionais do Brasil, repug­nante con­stru­tor e assas­si­no con­vic­to de per­ife­rias, de exclusões, de desigual­dades, de pre­con­ceitos con­tra o povo, em todas as suas nuances, chamadas erronea­mente de mino­rias, quan­do, em ver­dade, con­stituem o que somos.

Nen­hum proces­so de impeach­ment foi sequer apre­ci­a­do pelos pres­i­dentes da Câmara. Nen­hu­ma rep­re­sen­tação penal foi acol­hi­da pela Procu­rado­ria-Ger­al, a ação per­ante o Tri­bunal Supe­ri­or Eleitoral resul­tou na decisão de que hou­ve abu­so, mas sem pro­va de ter reper­cu­ti­do no inusi­ta­do resul­ta­do eleitoral.

A Ação de Inca­paci­dade movi­da por impor­tantes mem­bros da sociedade civ­il aguar­da, des­de maio de 2021, um despa­cho ini­cial que encam­in­he o recon­hec­i­men­to da óbvia e tar­dia neces­si­dade de afas­ta­men­to de um usurpador de uma das mais impor­tantes funções públi­cas de nos­so regime.

A sociedade espera esse sim­ples despa­cho que explicite exper­iên­cia jurídi­ca e afe­to pela legit­im­i­dade reden­to­ra. Não se tol­era o crime de destru­ir a democ­ra­cia, tra­bal­ho cotid­i­ano dos que, segun­do a Con­sti­tu­ição, são donos do poder.