De reunião infor­mal, em que autoras e autores resolver­am pas­sar a limpo sua reflexão cole­ti­va, resul­tou o tex­to inter­es­sante e provo­cante a seguir, escrito espe­cial­mente para os Breves Arti­gos da Acad­e­mia Paulista de Dire­ito.

Como servir o dire­ito, e a que, a quem serve o dire­ito, talvez, sejam suas inda­gações fun­da­men­tais.
Con­fi­ra a impor­tante con­tribuição desse ver­dadeiro cole­ti­vo de justiça.

 

O Dire­ito e a Justiça: almas gêmeas de nos­so calvário (*)

Quan­do se mit­i­ga o dire­ito inter­pos­to, impõem-se um dev­er impos­tor.
Quan­do se vio­la o princí­pio da inocên­cia, insti­tui-se a sub­sunção da Justiça, ago­ra se ele­van­do como injustiça pro­gra­ma­da.
Em tem­pos som­brios, de caça às bruxas, o mín­i­mo dire­ito fun­da­men­tal (sic) é a querela do apri­sion­a­men­to ao fatal­is­mo, ao apres­sa­men­to por resul­ta­dos que ape­nas devem “nos servir”, sat­is­fazen­do-nos do sangue alheio.
Em tem­pos som­brios, o Dire­ito Oci­den­tal que­da-se na aven­tu­ra de quem bus­ca a sat­is­fação pes­soal, ata­do à von­tade egói­ca, à incom­preen­são sistêmi­ca proces­su­al que deve gerir o Dire­ito eiva­do do espaço públi­co.
Não há con­tinên­cia de socia­bil­i­dade sem isto. Na incon­tinên­cia de qual­quer ates­ta­do de respon­s­abil­i­dade, mais ain­da na for­ma do crime de respon­s­abil­i­dade ou desí­dia pro­ced­i­men­tal, obser­va-se a respon­s­abi­liza­ção de quem acusa sem menção fac­tu­al.
Onde não existe o Dire­ito, por óbvio, reina o tem­pera­men­to. Entre­tan­to, onde não pros­pera o Dire­ito tam­bém se fru­ti­fi­ca do ódio e da acusação sem libelo acusatório. Como ensi­nam Kaf­ka, no Proces­so, e Goethe (n´O Faus­to), “de quem meu bom dire­ito, exi­jo”? Mefistófe­les que não irá, obvi­a­mente, socor­rer o Sen­hor K.
Onde restam acusações indi­ciárias, incendiárias, sem base mate­r­i­al, não há out­ra coisa a esper­ar da calú­nia, da suposição, da von­tade do “meu-quer­er” – mes­mo não sendo-aí que exista.
Onde restam delações sem for­mal­iza­ção de quem acusa, sem que se nomeie os bois, e muito menos se iden­ti­fiquem quais­quer víti­mas – e, obvi­a­mente, sem tip­i­fi­cação penal de qual­quer grave deli­to –, já se enter­raram os Princí­pios Gerais do Dire­ito.
Ensi­nam os romanos que, somente podem ser-aí, como quem “vive hon­es­ta­mente”, aque­les que con­tribuem para “que se dê a cada um, o que é seu”.
Pois bem, que assim se dê, a cada um de acor­do com sua cul­pa ou de acor­do com a benevolên­cia dos inocentes.
E quem fará isso?
Prin­ci­pal­mente se não nomeie indi­ci­a­do o acu­sa­do, sem que haja som­bra do acu­sador, sem que a víti­ma apre­sente os lau­dos de vio­lação de seus dire­itos, quem fará a Justiça? Deus, a Ide­olo­gia, o meu quer­er, ou o mal quer­er?
Afi­nal, como saber o que é real, sem as som­brias som­bras da “pós-ver­dade”, se não sabe­mos quem fez o que, con­tra quem, quan­do, nem como ou onde?
Como ates­tar o erro cole­ti­vo, mas­si­vo, se não me resig­no a apre­sen­tar sequer uma “evidên­cia” – para não se bater em provas, porque aí seria esper­ar demais –, sem que se con­si­ga escapar do “achis­mo”?
Como assev­era um dos mais anti­gos provér­bios do Dire­ito, “dê-me os fatos, que te darei o dire­ito”. Ou seria um ide­al pequeno-bur­guês da Justiça já imprat­icáv­el no sécu­lo XXI? Bas­ta o com­par­til­hamen­to frac­tal da von­tade e da incli­nação acusatória?
Repi­ta-se, em que mon­u­men­to do sis­tema racional – que nos englo­ba na vida con­ceitu­al – estão descritos os fatos deli­tu­osos que ago­ra se enun­ci­am, quem os prati­cou, con­tra quem?
Onde está o reg­istro, no diz que foi assim, no disque-me-disque ou no Disque Denún­cia apro­pri­a­do?
Que se sai­ba, obje­ti­va­mente, sem Ouvi­do­ria que acon­sel­he o cam­in­ho reg­u­lar da denún­cia, em haven­do Autono­mia, sem Audi­to­ria, somos todos viti­ma­dos pela Autoc­ra­cia – seja ela verde e amarela, aver­mel­ha­da, anar­co-cap­i­tal­ista ou cap­i­tal­iza­da pela mal­dade.
Cuida­do com os danos morais, peso moral que incorre a quem acusa sem sus­ten­tação formal…sem com­pro­vação.
A per­am­bu­lar­mos nes­sa tril­ha, invert­er­e­mos o óbvio, neste caso o ônus da pro­va, e em dois lados – um já em colap­so total.
Vejamos:
1. O já colap­sa­do dire­ito mín­i­mo diz ao acu­sa­do que deve provar sua inocên­cia (e, pior, sem ter acusação for­mal);
2. Menos augus­to, mas não total­mente colap­sa­do, quer impor-se um dev­er cole­ti­vo, em que todos façam “mea cul­pa” diante de injustiça­dos, porém, sem que se sai­ba quem são e que injustiças sofr­eram.
Meia justiça nos bas­ta, assim mes­mo minús­cu­la? Sat­is­faz-se a san­ha, ain­da que com a sen­ha mais injus­ta?
Afi­nal, quem são os algo­zes?
A vaidade, o ciúme, o fato con­cre­to (mas, qual?), o real acu­sa­do (quem é o abu­sador dos dire­itos?), o crime hedion­do (con­tra quem?), o Proces­so de Kaf­ka que se pro­lon­ga há dois anos, ou a ação de Javert con­tra qual­quer Vic­tor Hugo e seus desafor­tu­na­dos Mis­eráveis? (Os tais que se ali­men­tam das sobras de um sis­tema que viti­ma a condição humana…).
Sen­ho­ras e sen­hores, em tem­pos hostis (de hos­tiliza­ção, de hostis), não é pos­sív­el ced­er ao chama­do “morolis­mo”, em que é insus­ten­táv­el a mod­er­ação, a pon­der­ação, a juris pru­den­tia (o dire­ito pru­dente), porque ficaríamos cegos pela mera afir­mação.
Em qual democ­ra­cia não há con­fir­mação do crime prat­i­ca­do, sub­train­do-se a acusação for­mal para que se pra­tique o Princí­pio do Con­tra­ditório?
No mais, não há racional­i­dade sem mate­ri­al­i­dade algu­ma; não há ciên­cia que se man­ten­ha digna de seu nome, sobre­tu­do como Ciên­cia do Dire­ito, sem uma con­sciên­cia dos fatos. Não há ciên­cia sem que se forme o con­cre­to-pen­sa­do.
E onde está isso se não se con­hece da auto­ria e da mate­ri­al­i­dade, ou seja, onde está o reg­istro de quem fez o que, con­tra não sei quem? Não há Justiça sem que se recon­heça o Dire­ito. Tam­bém não há Dire­ito sem que se recon­heça a Justiça, ou pelo menos a von­tade dela. Não há ide­al, sem o real.
A Justiça é o reto (“direc­tum”: um dire­ito dire­to, em lin­ha reta, ou seja, a menor dis­tân­cia para o cor­re­to), um desígnio ao qual não se per­mite um desvio ou a escol­ha pes­soal, muito menos é a con­for­mação da decisão da maio­r­ia.
Uma democ­ra­cia em que se per­mi­ta ced­er à pressão da maio­r­ia e, assim, elim­i­nar as mino­rias não se com­pat­i­bi­liza com a Justiça, e o Dire­to que garante essa dom­i­nação se tor­na em apar­el­ho de vio­lên­cia.
Ou nos diri­jamos à apli­cação do Dire­ito (como instru­men­to cego da Justiça), a saber, “o que não está nos autos, não está no mun­do”, ou, sem nen­hu­ma base empíri­ca sus­ten­táv­el (sem que se com­pro­ve o afir­ma­do cat­e­gori­ca­mente), ape­nas infor­mal­mente for­mare­mos uma tão-somente con­vicção como opinião.
E é fato “uLu­lante” que assim não se faz Justiça, pos­to que só se insti­tui uma opinião públi­ca par­tidariza­da. O Dire­ito não bro­ta das chi­canas, da voz rou­ca das ruas, e sim do bom sen­so, da Políti­ca pactu­a­da pelo sen­ti­do do Bom e do Jus­to. O Dire­ito, por fim, cabe diz­er, não é uma peça pub­lic­itária.
Final­mente, inda­ga-se, qual Justiça dev­erá ser ensi­na­da aos grad­uan­dos de Dire­ito, aque­la pau­ta­da na moral­i­dade, na éti­ca, nos dita­mes con­sti­tu­cionais, ou aque­la Justiça esculp­i­da pela con­veniên­cia, pelo precário moral­is­mo, pela fal­sa políti­ca empre­ga­da nos dias atu­ais; enfim, ser­e­mos expul­sos como impo­lu­tos seres da Polis pelo sim­ples praz­er em se faz­er jus­ti­ci­a­men­to pelas próprias mãos?
O Dire­ito não é servi­do na ban­de­ja da Man­drá­go­ra, ain­da que astu­ciosa­mente bem trav­es­ti­da.

(*)
Viní­cio Car­ril­ho Mar­tinez, Advo­ga­do, fez estu­dos pós-doutorais em Ciên­cia Políti­ca e em Dire­ito, Coor­de­nador do Cur­so de Licen­ciatu­ra em Ped­a­gogia, da UFS­Car, Pro­fes­sor Asso­ci­a­do II da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Car­los – UFS­Car, Depar­ta­men­to de Edu­cação- Ded/CECH, Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Ciên­cia, Tec­nolo­gia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar; Alan Vic­tor Pimen­ta de Ameira Pales Cos­ta, Ex-Coor­de­nador do Cur­so de Licen­ciatu­ra em Ped­a­gogia, da UFS­Car, Pro­fes­sor Adjun­to IV da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Car­los – UFS­Car, Depar­ta­men­to de Edu­cação- Ded/CECH, Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Educação/PPGE/UFSCar; Vini­cius Valentin Rad­u­an Miguel, Advo­ga­do, Doutor em Ciên­cia Políti­ca (UFRGS). Atua na área de Ciên­cia Políti­ca, Depar­ta­men­to de Ciên­cias Soci­ais da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Rondônia/UNIR; Jovanir Lopes Det­toni, Advo­ga­do, Depar­ta­men­to de Ciên­cias Jurídi­cas da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de Rondônia/UNIR; Jamile Gonçalves Calis­si, Douto­ra em Dire­ito , Docente no Cur­so de Dire­ito das Fac­ul­dades Integradas de Jau/SP; Van­der­lei de Fre­itas Nasci­men­to Junior, Advo­ga­do, Doutoran­do no PPGCTS da UFS­Car, espe­cial­ista em dire­ito proces­su­al civ­il pela Rede Anhanguera UNIDERP; Rachel Lopes Queiroz Chacur, Advo­ga­da mil­i­tante no Esta­do de São Paulo, Doutoran­da do Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Ciên­cias Ambi­en­tais da UFS­Car (PPGCAm/UFSCar); Vic­tor Gar­cia Figuerôa Fer­reira, Bacharel em Dire­ito, Doutoran­do em Engen­haria Urbana da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Car­los – UFS­Car, Depar­ta­men­to de Engen­haria Civ­il – CCET — DECiv — PPGEU – LIAA; Vini­cius Alves Scherch, Advo­ga­do, Mes­tran­do em Ciên­cias Jurídi­cas — UENP Uni­ver­si­dade Estad­ual do Norte do Paraná; Tal­itha Camar­go da Fon­se­ca, jor­nal­ista e advo­ga­da mil­i­tante do Esta­do de São Paulo, com Pós-Grad­u­ação em Dire­ito Públi­co, Con­sel­heira jurídi­ca no manda­to da Dep­uta­da por São Paulo Leci Brandão; Janete Maria Mar­ta, Advo­ga­da mil­i­tante no Esta­do de Rondô­nia; Wal­ter Gus­ta­vo Lemos, Advo­ga­do mil­i­tante nos Esta­dos de Goiás e Rondô­nia; San­dra Maria Guer­reiro, Advo­ga­da mil­i­tante no Esta­do de Rondô­nia; Mar­il­ia Hele­na Mesqui­ta, Advo­ga­da mil­i­tante no Esta­do de São Paulo; Sueli Cristi­na Fran­co dos San­tos, Advo­ga­da mil­i­tante no Esta­do do Acre; Manoel Rival­do de Araújo, Advo­ga­do mil­i­tante no Esta­do de Rondô­nia; Luiz Bez­er­ra Neto, Vice-Coor­de­nador do Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Edu­cação  do PPGE  da UFS­Car, Pro­fes­sor Asso­ci­a­do IV da Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Car­los – UFS­Car, Depar­ta­men­to de Edu­cação- Ded/CECH; Joel­son Gonçalves de Car­val­ho, Pro­fes­sor Adjun­to IV do Depar­ta­men­to de Soci­olo­gia – UFS­Car, Pro­fes­sor do Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Ciên­cia Políti­ca e do Pro­gra­ma de Pós-Grad­u­ação em Gestão de Orga­ni­za­ções e Sis­temas Públi­cos – UFS­Car; Waldileia Car­doso, Doutoran­da em edu­cação pela Uni­ver­si­dade Fed­er­al de São Car­los, PPGE,  Mestre em edu­cação pela Uni­ver­si­dade Estad­ual do Ama­zonas, com­põe a Coor­de­nação do Comitê Estad­ual de Edu­cação do Cam­po no Ama­zonas, e a Coor­de­nação do grupo de tra­bal­ho em Edu­cação do Cam­po, Águas e Flo­restas, DEF, SEMED, Man­aus, Docente no cur­so de Ped­a­gogia da Fac­ul­dade Sale­siana Dom Bosco, ZL,  Man­aus; Maria de Fáti­ma da Sil­va Araújo Mendes, Bacharel em Admin­is­tração de Empre­sas, Licen­ci­a­da em Lín­gua Por­tugue­sa, inglês e Lit­er­atu­ra, Pós-Grad­u­a­da em Lín­gua Por­tugue­sa, Pro­fes­so­ra na Rede Públi­ca de Ensino/MG.