Alfredo Attié falou sobre democracia, percalços da história da democracia brasileira, voto eletrônica, eleições, direitos, deveres, políticas públicas e Constituição, no programa “Democracia, Sempre”, a convite de Evandro Carniato e Paulo Carvalho, na Rádio Comunidade.
No dia 11 de agosto próximo, às 11,30 horas, dia em que são comemorados os cento e noventa e cinco anos da Fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil, e em que se celebram os quarenta e cinco anos da leitura da Carta aos Brasileiros, de autoria de Goffredo da Silva Telles Jr, será lida a “Carta às Brasileiras e aos Brasileiros, em Defesa do Estado Democrático de Direito”, de iniciativa de um grupo de juristas e ex-estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, no Salão Nobre das Arcadas, no Largo São Francisco, em São Paulo.
Os coordenadores são Antenor Maschio, Ricardo Nascimento e Roberto Vomero Monaco (“Tatuí”).
Trata-se de um manifesto em defesa da Constituição, do Estado Democrático de Direito e da eleição que será realizada neste ano, contra ameaças e ataques que vêm sofrendo de setores antidemocráticos da sociedade e do governo.
A Academia Paulista de Direito — APD firmou o manifesto, sendo signatários vários de seus Acadêmicos Titulares, Honorários e Eméritos, além de seu Presidente, Alfredo Attié, Titular da Cadeira San Tiago Dantas, na qual sucede precisamente ao saudoso Professor.
A APD já se manifestou mais de uma vez em defesa do regime democrático (veja, aqui, e neste link, entre outros), inclusive em “Declaração ao Povo Brasileiro”, além de em artigos recentes (leia, aqui).
Eis o teor da Carta:
“Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte.
A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais.
Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal.
Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34o aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular.
A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: “ Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição ”.
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral.
Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito. Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude.
Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos.
Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições.
Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional.
Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão.
Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições.
No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade
brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições.
Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona:
Estado Democrático de Direito Sempre!”
Aqui, o convite para a leitura solene da Carta.
Veja alguns dos subscritores e subscritoras:
Paulo Betti, Ator
Ana de Hollanda, cantora, compositora, ex-Ministra da Cultura
Tarso Genro, jurista, ex- Ministro da Justiça e da Educação, ex-Governador do RS, ex-Prefeito de Porto Alegre, Instituto Novos paradigmas
Celio Turino, ativista e produtor cultural
Antenor Maschio, jurista, advogado
Ricardo Nascimento, juiz federal
Roberto Vomero Monaco, jurista, advogado
Antoninho Marmo Trevisan, Contador, Trevisan Escola de Negócios
Wagner Balera, jurista, Professor Titular de Direitos Humanos da PUC/SP
Maurides Ribeiro, jurista, Professor da Universidade Mackenzie
Antonio Carlos Morato, jurista, Professor da USP e da PUC/SP
Cristina Gonçalves Pereira,Promotora de Justiça do MPSP
DanielRoberto Fink,Ministério Público
Daniela Câmara Ferreira,-Procuradora Federal
Danilo Goto,MP estadual
Danilo Lovisaro do Nascim ento, — Procurador-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Acre.
Carlos Portugal Gouvea, Professor da USP
Catia SandovalPeixoto,USP
Celso Fernandes Cam pilongo, Diretor e Professor FADUSP
Cicero Romão Resende de Araújo,professor na FFLCH-USP
Claudia Perrone Moisés,FADUSP
Cláudia Souza Passador,professor da Universidade de São Paulo (USP)
Conrado Hubner,professor da USP
Cristiano de Sousa Zanetti,FADUSP
Cristina Altman,professora e pesquisadora USP
Diogo R.Coutinho,Professor FADUSP
Eduardo C. B. Bittar, FADUSP
Eduardo Cesar Silveira Vita Marchi, FADUSP
Eduardo Tom asevícius Filho, FADUSP
Elisabeth MeloniVieira,Prof.Associada Sênior da Faculdade de Saúde Pública,Universidade de São Paulo
ElivalSilva Ramos,FADUSP
Renata Honório Ferreira Camargo Viana,Registradora e Tabeliã
Renata Paiva de Andrade,arquiteta
Renata Soares Netto
Renata TassinariBinnie,Artista Plástica
R e n a t a U d le r C r o m b e r g , P s ic a n a lis t a , D e p a r t a m e n t o d e P s ic a n á lis e d o In s t it u t o S e d e s S a p ie n t ia e .
No último dia 10 de junho, em São Paulo, no Centro de Estudos de Direito Econômico e Social — CEDES, em organização da Editora Tirant Lo Blanch, o Presidente da Academia Paulista de Direito e Titular da Cadeira San Tiago Dantas, Alfredo Attié, lançou seu novo livro “Towards International Law of Democracy” (veja aqui).
O evento contou com a participação de Professores e alunos do CEDES, entre os quais Maria Tereza Sadek e João Grandino Rodas, bem como com a apresentação dos Professores Matias Bailone, da Universidad Nacional de Buenos Aires, Argentina (assista, aqui) e Lenio Streck da Unisinos, Rio Grande do Sul (assista, aqui), que discorreram sobre o tema, o livro e seu autor, em debate coordenado pela Professora Aline Gostinski.
O evento foi coordenado pelos Professores Roberta de Bragança Freitas Attié, coordenadora da Academia da Paz e Marco Aurélio Tavares, coordenador do CEDES.
Professores, pesquisadores, Advogados, Magistrados , membros do Ministério Público, bem como amigos e amigas do autor e especialistas em direito internacional, Ciência Política e Relações Internacionais estiveram presentes.
Estiveram presentes, entre outros, o Desembargador Federal Roberto Haddad, o Professor Fauzi Choukr, da Facamp, o Professor Antonio Carlos Morato, da USP, o Professor Eduardo Alvim, da PUC.SP, o Dr.Nelson Faria de Oliveira, da Comunidade dos Juristas de Lingua Portuguesa, os Professores César Barreira e Lévio Scattolini, do Instituto Norberto Bobbio, o Juiz Adalberto Gonçalves, do Tribunal de Justiça de Angola e da Associaãao dos Juízes de Angola, o Professor Jorge Tannus Neto, da UniEduk, o Professor Vicente Trevas, do Instituto Amsur, o Professor Antoninho Marmo Trevisan, das Faculdades Trevisan, os Coordenadores dos Núcleos Criminologia Brasil, Gonçalo Xavier, e de Direito Ambiental,Juliana Oliveira de Almeida, da Academia Paulista de Direito, o Sr. Ronald Felder, Presidente do Conselho da Escola Suíço Brasileira de São Paulo, a Sra. Maria Lúcia Mendroni, do Rotary International, o Dr. Joaquim da Silva Pires, da Loja Maçônica Grande Oriente, o Engenheiro Allen Habert, do Conselho Nacional dos Profissionais Universitários Liberais.
Sobre o caráter inovador e a importância do livro, assim se manifestou o Professor João Grandino Rodas, que foi Diretor da Faculdade de Direito e Reitor da Universidade de São Paulo:
“Este livro é um sopro de esperança em nosso tempo de ameaça à democracia.Alfredo Attié escreve um estudo original e profundo sobre o significado da democracia e sua construção histórica ao estabelecer engenhosamente o vínculo entre democracia, direito internacional e relações internacionais. Ele não tem medo de introduzir novos conceitos operacionais e fazer propostas para a renovação da teoria do direito em geral, e da teoria do direito internacional em particular. Para tanto, ele aplica um discurso e um método que vinculam ousadamente direito, política e cultura, revisitando os temas clássicos e mais importantes da teoria política. Um marco no desenvolvimento do direito e da justiça, este livro será útil para estudantes e professores, especialistas e leigos, e ajudará a repensar as estruturas e práticas jurídico-políticas do nosso tempo. A partir de uma perspectiva que eleva a democracia não apenas na forma, mas sobretudo, na substância, a um tema jurídico internacional, Attié utiliza perspectivas comparativas, históricas, teóricas e práticas em uma combinação original e estimulante.Os leitores encontrarão o estilo de um grande autor surgindo no cenário internacional, com a pena de um jurista e o talento de um filósofo.”
O encontro ocorreu entre 10 e 13 horas, a seguir a Café da Manhã, tendo o autor do livro proferido breve aula a respeito do tema da Democracia e do Direito Internacional, e, ao final, agradecido a presença de todos.
A Academia Paulista de Direito, em apoio a iniciativa de antigos alunos das Arcadas, da sociedade civil e dos movimentos sociais, convida à leitura democrática da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros, em defesa do Estado Democrático de Direito, a ser realizada na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, Universidade de São Paulo, no dia 11 de agosto de 2022, às 11:30 horas.
De autoria de Hamilton Dias de Souza, Acadêmico Titular da Academia Paulista de Direito, advogado, sócio fundador da Advocacia Dias de Souza e da Dias de Souza Advogados Associados, mestre e especialista em Direito Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo ‑USP, o presente artigo, publicado na Revista Consultor Jurídico (veja, aqui), constitui contribuição fundamental para compreender a antijuricidade da chamada Pec dos Benefícios, Emenda Constitucional 123/2022, além de demonstrar as gravess consequências que traz para o Estado Democrático de Direito.
Leia a seguir a íntegra do texto:
“PEC dos Benefícios: Socorro Público ou Fraude às Urnas?”
Hamilton Dias de Souza
Muito se tem dito sobre a recém promulgada Emenda Constitucional (EC) nº 123/2022, decorrente da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 15/2022, apelidada de “PEC dos benefícios”.
De iniciativa do governo, o projeto permitiu a distribuição, até 31 de dezembro de 2022, de mais de R$ 41 bilhões em benefícios, a poucos meses das eleições. Isso, com base num “estado de emergência” de escopo apenas orçamentário, motivado pela alta dos combustíveis.
Com a manobra, tenta-se imprimir ares de legitimidade aos valores que o Governo pretende transferir à população, aos caminhoneiros, aos taxistas e aos entes federados etc. Afinal, se concedidos por lei, eles seriam inválidos, pois desrespeitam o “teto de gastos” e têm o propósito de interferir no resultado da eleição a ser realizada a poucos meses dos pagamentos.
De fato, a Constituição prevê a ineficácia de mudanças nas condições de disputa em relação às eleições realizadas em até um ano de sua vigência (art. 16). E, para dar concretude a esse mandamento nuclear do sistema, a Lei n. 9.504/97 proíbe, em ano de votação, a distribuição “de bens, valores e benefícios” por parte da Administração Pública (artigo 73, §10), de modo que os cofres públicos não sejam utilizados a fim de interferir nas urnas. A Lei excepciona a proibição em caso de “estado de emergência”. Todavia, como seu intuito é inviabilizar o emprego de bens e dinheiros públicos para atração de votos, a exceção é condicionada à existência de “estado de emergência… já em execução… no exercício anterior” (artigo 73, §10). Por isso, o próprio governo descartou a realização da manobra via projeto de lei, até porque o “teto de gastos” é previsto constitucionalmente. Daí a opção pela PEC, que, no seu entender, operaria “no mesmo nível” do teto e da anualidade, o que a tornaria “válida”.
Bem se vê, portanto, que o governo tenta trabalhar com sutilezas. Aposta-se numa aparência de legitimidade, a partir da “tese” de que, formalmente, emenda constitucional revoga normas preexistentes de mesmo nível e se sobrepõe àquelas de inferior hierarquia, como se isso ocorresse sem quaisquer restrições (sic). Contudo, tal construção é frágil, pois, em nosso sistema, a validade de toda norma editada pelo Poder Legislativo depende de sua forma, de seu conteúdo[1] e da idoneidade dos fins a serem alcançados[2]. As emendas não se eximem dessas condições de validade, tanto que a própria Constituição proíbe que elas sejam “objeto de deliberação” quando se inclinem a abolir, amesquinhar ou fraudar, por exemplo, o sentido democrático inaugural do direito ao “voto direto, secreto, universal e periódico” (CF/88, art. 60, §4º, II)[3]-[4]. Por isso, na eventual incompatibilidade com o espírito democrático/republicano da Constituição, a emenda é materialmente inválida[5], ainda que atendidos os pressupostos procedimentais para sua inserção no ordenamento[6]. Tudo a evidenciar que há um limite entre “aquilo que se oferece mutável e aquilo que imprime caráter e razão de ser à Constituição”, devendo-se “adotar preceitos sem bulir com princípios”[7].
Nesse quadro, a tentativa de fraude eleitoral chega a ser ostensiva. Afinal, na situação em que o País se encontra, se o verdadeiro intento fosse prestar socorro público, as medidas valeriam por tempo indeterminado, e não apenas até dezembro. É dizer: em si mesma, a limitação temporal do benefício, coincidente com o período de eleições e a fase final de mandato, denota que o motivo determinante para sua concessão não foi a preocupação do governo com as condições de vida da população (!)
Ainda que a EC seja inconstitucional, o importante para o Governo era apenas a sua aprovação, pois, se e quando ela for assim declarada, já terá surtido o efeito de atrair votos e até de alterar o resultado das urnas. Para piorar, a Presidência da República encurralou aqueles que, em tempos normais, seriam contrários ao auxílio. De fato, como toda a classe política se encontra em campanha, os congressistas e seus aliados estariam sujeitos a danos políticos em caso de manifestações não favoráveis à proposta (perda de votos). Daí o estranho “acordo” entre situação e oposição para a aprovação da “PEC dos benefícios”, a despeito da tônica eleitoreira e da consequente inconstitucionalidade material do que foi feito.
Enfim, a concessão de auxílios bilionários em ano de eleições, ao amparo de um inédito estado de emergência orçamentária dissociado de eventos traumáticos (v.g., pandemia), materializa o que Fernando Henrique Cardoso designou de inclinação dos poderosos a fazerem “o impossível para se reelegerem”[8]. Com isso, consagra-se a “inversão de fins e meios na política”, em que “o poder é dado aos políticos para que realizem” o interesse público, mas, na prática, eles o utilizam apenas com o objetivo de manter esse mesmo “poder que, de meio, passa a ser o fim real da sua ação”[9]. E, no caso, a obtenção de finalidade não republicana se dá pelo mecanismo inerentemente democrático de reforma
à Constituição. Trata-se, portanto, de desvio de finalidade contido na lei (emenda), frequente na atualidade e típico do chamado constitucionalismo abusivo (ou furtivo)[10]-[11]-[12]-[13].
Ocorre, entretanto, que, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), nosso sistema dispõe de mecanismos que reconhecem e repelem a inadequação finalística de emendas à Constituição. Com efeito, há iterativos julgados do Plenário de nossa Corte Suprema no sentido de que “a teoria do desvio de poder, quando aplicada ao plano das atividades legislativas”, inclusive as de reforma constitucional, impõe que “se contenham eventuais excessos decorrentes do exercício imoderado e arbitrário da competência institucional outorgada ao Poder Público, pois o Estado não pode, no desempenho de suas atribuições, dar causa à instauração de situações normativas que comprometam e afetem os fins que regem a prática da função de legislar” (ADI 2667, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19/10/2020).
Com o que acima se disse, não se está a ignorar que a decretação de situações excepcionais (calamidade, guerra, estados de sítio e de defesa) é e sempre foi considerada questão de “alta política”, objeto dos chamados atos de governo. De fato, trata-se de ato especial, caracterizado por elevada margem de discricionariedade, pois envolve decisões estratégicas “que dizem respeito ao futuro nacional”. Porém, nunca se cogitou, sob a égide de nosso regime democrático, que tais competências pudessem ser utilizadas para fins que a própria Constituição repele. Afinal, num sistema republicano, somente situações de fato verdadeiramente atípicas são capazes de justificar medidas vocacionadas à insindicabilidade, observada a condição, decorrente do próprio Estado democrático de Direito, de que a competência para adoção dessas mesmas medidas seja manejada de forma “oportuna, conveniente e rápida, adequada à imprevisibilidade do caso emergente”. Por isso, elas devem sempre se pautar por interesses do Povo (públicos, não particulares)[14]-[15]-[16], sob pena de invalidade.
Enfim, por legitimar-se finalisticamente, a discricionariedade inerente a essas competências extremas, apesar de acentuada, não é absoluta. Isso, porque discricionariedade e arbitrariedade não se confundem, daí dizer-se que a “regra de competência não é um cheque em branco” (Caio Tácito). Assim, a invocação de estados excepcionais (de defesa, de sítio, de emergência), ainda que com o concurso do Congresso (leis, emendas), é passível de invalidação, se pautada por propósitos alheios ao interesse público e ao espírito democrático do sistema[17]. É que, segundo Tércio Sampaio Ferraz Jr., em tais casos, há o desvio da norma em relação aos fins subjacentes à competência para editá-la:
“haverá inconstitucionalidade por desvio de finalidade quando e se a lei… pretender alcançar objetivo diverso do que lhe é dado pela norma constitucional atribuidora de competência, com o fito de provocar finalidade [diversa daquelas admitidas pela própria Constituição]”[18]
E não poderia ser diferente, pois, em qualquer nível ou escalão, a Administração Pública e a representação política devem conduzir-se pela moralidade e pela impessoalidade. A primeira impõe que os políticos exerçam suas funções com ética, boa-fé e lealdade perante os eleitores. A segunda impede que seus interesses e necessidades pessoais, ou de seus grupos e facções, interfiram na gestão da coisa pública e nos demais temas de interesse nacional. Além disso, a Constituição exige que o exercício das competências inerentes ao mandato obedeça à razoabilidade, do modo “mais adequado aos fins a serem alcançados, graças à escolha dos meios… concebíveis como… idôneos para tanto”[19]. Em suma, a ausência de integridade na prática do ato o vicia, seja ele proveniente do governo, do Congresso, ou, ainda, do concurso de ambos.
Consequentemente, a distribuição de auxílios governamentais, ainda que amparada num “estado de emergência” reconhecido pelo Congresso, só seria válida se motivada por fins constitucionais, de interesse público. Nesse sentido, mesmo que a situação econômica do país seja delicada e os benefícios em questão possam remediar a vida população, eles são inconstitucionais. Crise econômica e necessidade de oferecer assistência à população são apenas “pretextos”, incongruentes com o motivo determinante para a concessão do auxílio de que se cuida.
E a Constituição não tolera o uso oportunista do sofrimento popular para manobras às vésperas das eleições, fase que ela própria qualifica como inoportuna, a ponto de tolher a eficácia de atos capazes de alterar as condições de disputa, se publicados no mesmo ano. Enfim, socorro público não se presta à manutenção, a qualquer custo, de um determinado grupo no poder.
De fato, uma coisa são os interesses que a Constituição qualifica e reconhece como nacionais; outra, distinta, são os interesses ligados à pessoa do governante, de seus partidos e de grupos correlatos. Não há, nem pode haver, confusão entre ambas, sob pena de esvaziar-se a legitimidade do próprio Estado, ao extremo, inclusive, de arruinar as conquistas democráticas das últimas décadas e de impossibilitar a concretização do “projeto institucional” insculpido na Constituição.
Por tais razões, mais que inadmissível, a criação de auxílio emergencial como moeda para a compra de votos, ao colocar os cofres públicos a serviço da vitória nas urnas, chega a ser teratológica.
Não há interesse público que a legitime. Toda ela é pautada critérios populistas atrelados à manutenção de um grupo no poder.
Note-se, aliás, que a “compra” de votos mediante auxílios financiados por dinheiro público não difere, quanto aos efeitos, da “compra” com dinheiro próprio, ainda que, do ângulo moral, seja ainda mais reprovável. Afinal, o que se “proíbe obter diretamente, não se pode obter por meios transversos, [o] que configuraria hipótese clássica de fraude à Constituição”, como já decidido pelo STF[20]. Dinheiros, bens e cargos públicos estão a serviço não de pessoas, mas de atividades estatais, desde que legítimas e compatíveis com responsabilidade orçamentária e os demais princípios da boa gestão. Não podem, portanto, ser utilizados com o propósito de fraudar as urnas. Daí a inconstitucionalidade da EC n. 123/2022, decorrente da chamada PEC dos benefícios: por serem objeto de troca escusa, os auxílios nela previstos são materialmente inválidos, “por violação ao princípio da moralidade… e… por desvio de finalidade” (STF, MS 24020, DJ 12-06-2012)
Pelo exposto, como a EC 123/2022 não deriva de finalidades e interesses verdadeiramente públicos, ela padece de desvio de finalidade, sendo inconstitucional. Assim, é de todo recomendável que o STF seja acionado para, na qualidade de guardião da Constituição, sustar os efeitos da medida, fazendo‑o de imediato, em prestígio à dignidade do processo eleitoral a realizar-se neste ano e à própria respeitabilidade institucional do país.
[1] Ver ADI-MC 1910, ADI-MC 2551, ADI-MC 2667, dentre inúmeros outros precedentes do STF. [2] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. Do amálgama entre razoabilidade e proporcionalidade na doutrina e na jurisprudência brasileiras e seu fundamento no devido processo legal substantivo. Barueri, SP: Manole, 2007. [3] Como ensina José Afonso da Silva, “o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: ‘fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado’, ‘fica abolido o voto direto’, ‘passa a vigorar a concentração de poderes’, ou, ainda, ‘fica extinta a liberdade religiosa (…)’”. Mais do que isso, “a vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa” (SILVA, Jose Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.36ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2013. PP. 68–70.). [4] DIAS DE SOUZA, Hamilton & FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e a Federação. In: Pesquisas Tributárias (nova série) n. 8. São Paulo: Revista dos Tribunais / Centro de Extensão Universitária, 2002. [5] STF, ADI 2024/DF. Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Plenário, DJ 22/06/2007. No mesmo sentido: HC 18178, Rel. Min. Moniz Barreto; ADIN-MC 830, Rel. Min. Moreira Alves; ADINs 926 e 939, Rel. Min. Sidney Sanches; ADIN-MC 2031, Rel. Min. Octávio Galotti; dentre inúmeros outros precedents [6] SILVA, Jose Afonso da. Op. Cit. Ibid. [7] Cf. STF, RE 587008/SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Tribunal Pleno, DJ 02/02/2011. [8] CARDOSO, Fernando Henrique. Reeleição e crises, 05/09/2020. In: opiniao.estadao.com.br. Acesso em 24/11/2021. [9] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. Barueri, SP: Manole, 2007, pp. 530 e ss. [10] LANDAU, David. Abusive constitutionalism. UC Davis Law Review, Estados Unidos, v. 47, n. 1, pp. 189–260, nov/2013. [11] TUSHNET, Mark. Authoritarian constitutionalism. Cornell Law Review, v. 393, pp. 451–452, jan/2015. [12] VAROL, Ozan.Stealth Authoritarianism. 100 Iowa Law Review 1673 (2015); Lewis & Clark Law School Legal Studies Research Paper No. 2014-12. [13] BANDEIRA DE MELLO, Celso A. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 414. [14] Cf. CRETELLA JR., José. Dos atos administrativos especiais. P. 172–187. [15] Cf. MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. P. 164–165. [16] Cf. GONÇALVES, William Couto. Judicialidade dos atos políticos. Disponível no link: http://www.fdv.br/sisbib/index.php/direitosegarantias/article/viewFile/12/13 [17]“(…) há desvio de poder e, em consequência, nulidade do ato, por violação da finalidade legal, tanto nos casos em que atuação administrativa é estranha a qualquer finalidade pública quanto naqueles em que o ‘fim perseguido, se bem que o interesse público, não é o fim preciso que a lei assinalava para tal ato’” (cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. P. 122–123). [18] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. IPI – estrutura e função – breve estudo sobre a finalidade constitucional dos tributos. Manuscrito do autor, datado de 03/05/2006. [19] Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. P. 122–123. [20] Voto vencedor do Min. Sepúlveda Pertence na ADI 2.984-MC/DF – J: 04/09/2003.
Alfredo Attié profere, em 13 de julho de 2022, a partir das 17 horas (horário de Brasília e São Paulo, e 16 horas, horário de Roraima), em evento híbrido (presencial e online), a Aula Magna do Curso de Introdução à Ciência do Direito, realizado, em parceria, pela Escola Superior de Advocacia de Roraima, pelo Grupo de Estudos Canja com Direito, da Faculdade de Direito da Universidade Federal deRoraima, pela Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Roraima, e pela Caixa de Assistência dos Advogados deRoraima.
No dia anterior, 12 de julho, Attié foi entrevistado pela aluna da Faculdade de Direito Nicolly Salustiano, pelo Instagram do Grupo Canja com Direito, falando um pouco sobre sua trajetória (acompanhe, aqui).
O curso é organizado pelos alunos e alunas do Canja com Direito, sendo coordenado pelo Professor MauroCampello, da UFRR.
Em evento da AMSUR — Instituto Sulamericano para a Cooperação e a Gestão Estratégica de Políticas Públicas, em seu Ciclo de Estudos Estratégicos, com a coordenação de Antonio Carlos Granado, a apresentação de Ricardo Guterman e Vicente Carlos Y Plá Trevas, e a participação de Sérgio Miletto, Alexandre Motta, Ricardo Guterman e Vicente Trevas, sobre o tema “Reflexões Estratégicas sobre Política, Economia e Democracia”, Alfredo Attié, Titular da Cadeira San Tiago Dantas e Presidente da Academia Paulista de Direito, discorreu sobre o tema, em exposição seguida de debates, e respondeu a indagações dos membros da AMSUR e convidadas e convidados, no último dia dia 8 de julho de 2022, em São Paulo.
Attié fez uma crítica à “Economia como expressão cultural de um projeto anticivilizatório,” percorrendo sua análise a respeito da” Era dos Deveres e Responsabilidade.” Os temas abordados por Attié fazem parte de seu livro “Entre o Direito e o Não Direito”, a ser lançado ainda neste ano.
Assista, a seguir, ao video ou acesse por meio deste link, no YouTube.
Em importante contribuição ao aprimoramento da prática forense e judicial, com implicações teóricas bem salientadas, Merivaldo Muniz traz a Breves Artigos reflexão essencial sobre a Teoria dos Recursos.
Leia, a seguir, o artigo.
“Decisão Monocrática primitiva, seguida de Decisão Colegiada dos Embargos Declaratórios: problemas que suscita: Princípio do Paralelismo das Formas e Esgotamento de Instância para fins de viabilização dos Recursos Excepcionais”
O homem forense, seja ele magistrado, promotor de justiça, advogado, procurador, em seu cotidiano, não raro, depara-se com a necessidade de proferir decisões, emitir pareceres ou advogar perante os Tribunais Superiores, seja no palco processual civil, seja no processual penal.
Nessa empreitada, é inarredável não se confrontar com dificuldades. A primeira delas diz respeito à fonte ou às fontes de disciplina dos recursos excepcionais. Nisso, é possível sustentar que há uma Teoria Geral dos Recursos Excepcionais, cuja aplicação é comum no processo penal e no processo civil, que se abebera de quatro fontes distintas, duas normativas e duas jurisprudenciais.
No cenário normativo, temos como fonte o CPC de 2015, cujas regras também se aplicam ao processo penal (art. 638 do Código de Processo Penal). Temos ainda o artigo 28 da Lei nº 8.038/1990, que continua disciplinando o prazo para o agravo contra decisão negativa de admissibilidade de recurso excepcional, a teor da Súmula nº 699 do STF e do artigo 1.072, IV, do CPC que não o revogou, sendo, pois, uma exceção à regra geral de disciplina temporal do referido recurso.
No campo jurisprudencial, o Colendo Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal moldam os pressupostos especiais dos recursos excepcionais em seus acórdãos e súmulas. Nesse passo, houve uma tentativa do legislador do Código de Processo Civil de 2015 de combater a chamada jurisprudência defensiva, as cláusulas de barreira, mas isso é infrutífero, pois a vida forense é milímoda, não se podendo esgotar os problemas que surgem nos julgamentos; é dinâmica, exigindo novas soluções, conforme o julgador confronta essas situações antes não enfrentadas.
A antiga arguição de relevância ganhou outro nome (prequestionamento) e palavras como cotejo analítico, repercussão geral conquistaram seu espaço na fixação dos pressupostos jurisprudenciais ou normativos.
Neste momento, o interesse volta-se para uma situação singular que ocorre nos julgamentos monocráticos dos Tribunais de Justiça, Federais ou mesmo do STJ e do STF e que foram muito bem expostos em dois recursosrelatados pela Ministra Nancy Andrighi, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, cuja solução também há de se destacar adiante.
No caso concreto enfrentado no Recurso Especial nº 1.100.398 — RJ (2008/0233354–0), a indagação era de qual recurso seria cabível contra um julgamento que se iniciou unipessoal e se complementou, por força de embargos declaratórios, por decisão colegiada. No caso concreto, a parte inconformada lançou mão do agravo interno. Estaria correto isso?
Nancy Andrighi assim destacou o problema:
“Esta Terceira Turma já enfrentou uma hipótese muito parecida com a presente, por ocasião do julgamento do RMS nº 24.965 (de minha relatoria, DJe de 28/05/2008). Naquela oportunidade ocorreu o mesmo que neste processo: o TJ/PR indeferiu o writ por decisão unipessoal do relator, e, depois, julgou no colegiado os embargos de declaração interpostos contra aquela decisão. A diferença foi que a parte, nesse precedente, em vez de impugnar a decisão por agravo interno, como ocorreu no processo sub judice , interpôs diretamente o recurso em mandado de segurança, dirigido ao STJ. Colocava-se, então, a questão de saber se houve esgotamento de instância. No julgamento desse recurso, ressaltei que os embargos de declaração não geram uma nova decisão sobre a causa, mas meramente uma complementação da decisão anterior. Há, portanto, grave equívoco do Tribunal ao proferir a primeira decisão, sobre o mérito, unipessoalmente, e a segunda, que meramente a esclarece, no colegiado. Ao fazê-lo, o Tribunal impossibilita a identificação da natureza do decisum , dificultando sobremaneira a decisão acerca de qual recurso interpor. Afinal, nessas hipóteses a natureza da decisão recorrida deve obedecer a forma adotada no início do julgamento (unipessoal), ou no final (colegiada)? Esse procedimento, que infelizmente tem se tornado cada vez mais comum nos Tribunais, só tem causado mais dificuldades. O processo sub judice é um exemplo emblemático disto. O tempo que se ganhou levando ao colegiado os declaratórios contra a decisão unipessoal foi facilmente perdido depois. O agravo interno que se pretendia evitar foi interposto da mesma forma. Depois, com a rejeição do agravo, de novo por decisão unipessoal, gerou-se a necessidade de um novo agravo. Rejeitado este, a parte apresentaram ainda recurso especial cujo objetivo é anular todo o procedimento, recolocando a marcha processual em ordem. Isso sem contar a Petição que teve de ser apresentada, diretamente perante o STJ, para destrancar o recurso que fora retido na origem. Todo esse procedimento, todo esse trabalho, unicamente para tentar obter, do Tribunal a quo, uma decisão colegiada sobre o mérito do agravo de instrumento primitivo, que versava sobre a gratuidade de justiça. Essa prática não pode ser levada adiante pelos Tribunais. Julgar no colegiado embargos de declaração interpostos contra decisões unipessoais é medida que não é prevista pela legislação processual e, justamente por isso, cria sérias dúvidas no espírito da parte a respeito de qual recurso interpor. Por ocasião do julgamento do já citado RMS nº 24.965/PR, teci as seguintes considerações sobre o tema, que peço vênia para aqui reproduzir:”
Pontificou, então, quatro problemas que decisões assim suscitam, fazendo referência, nesse momento ao RMS n. 24.965/PR, no qual destacou:
“À primeira vista, conforme se notou nos precedentes supra citados, se a rejeição do recurso se deu por decisão unipessoal, pode-se argumentar que sua impugnação deveria ser promovida mediante agravo interno , nos estritos termos da legislação processual. A circunstância de os embargos de declaração apresentados para esclarecimento da decisão unipessoal terem sido decididos pelo colegiado representariam, assim, apenas uma irregularidade que não modificaria o recurso a ser interposto. A natureza do ato a ser impugnado, portanto, fixar-se-ia no momento em que é proferida a decisão (unipessoal), não no momento em que é promovido seu esclarecimento (colegiado). Os embargos de declaração, que apenas complementam a decisão primitiva, não poderiam determinar-lhe a natureza. (…) Em situações excepcionais é possível que o Tribunal (ou o Relator, caso decida monocraticamente), atribuam aos embargos de declaração efeitos infringentes , modificando no todo ou em parte a decisão embargada. A existência dessa possibilidade (ainda que rara) inevitavelmente nos leva a fazer alguns questionamentos a respeito do modelo de impugnação até aqui adotado pelo STJ. Observem-se os seguintes exemplos, nos quais a impugnação, por agravo interno, da decisão unipessoal integrada por decisão colegiada, entra em colapso: Primeiro exemplo : A decisão unipessoal que julga o recurso nega-lhe provimento e o colegiado, julgando embargos de declaração posteriormente opostos, decide atribuir-lhes efeitos modificativos para reformar em parte tal decisão. Suponhamos que, nesse caso, uma das partes tenha interesse em recorrer apenas contra a parcela da decisão que foi alterada pelo órgão colegiado . Deve-se previamente interpor agravo regimental, para que o colegiado repita a parcela da decisão unipessoal que ele mesmo modificou nos embargos? Prevalece, neste caso, a idéia de que a natureza da decisão é determinada pelo modo como proferida originalmente (unipessoal), em detrimento do esclarecimento (colegiado) que acabou por lhe modificar o conteúdo? Segundo exemplo : Partamos do mesmo panorama demonstrado anteriormente: decisão unipessoal que rejeita o recurso, e acórdão que, ao julgar os declaratórios, modifica‑a parcialmente. Se o interesse da parte, neste caso, resumir-se à reforma da parte que permaneceu intacta, o recurso a ser interposto se modifica? Aqui, sim, caberia agravo interno? Terceiro exemplo : Novamente, tomemos o mesmo pressusposto, ou seja, decisão unipessoal parcialmente modificada pelo colegiado em embargos. Desta vez, porém, imaginemos que uma das partes quer impugnar a parte unânime e a outra, a parte colegiada. Ambas devem se servir do agravo interno ou uma pode interpor o recurso especial e a outra, o agravo? É necessário, conforme o resultado do agravo, que se reitere o interesse no julgamento do recurso especial anteriormente interposto? Quarto exemplo: Imaginemos uma decisão unipessoal inteiramente modificada no momento do julgamento, pelo colegiado, de embargos de declaração. Deve, aqui, haver interposição de agravo interno ou é possível a impugnação, pelas partes, diretamente por recurso especial (ou, como na hipótese dos autos, por recurso em mandado de segurança)? Todas essas hipóteses geram perplexidade, e o que todas elas evidenciam, é que o equívoco, no processo sub judice, não está necessariamente no recurso interposto pela parte, mas sim, antes dele, na condução do julgamento, pelo Tribunal ‘a quo’. Em hipótese alguma poderia, o Tribunal, submeter ao colegiado os embargos de declaração interpostos contra uma decisão unipessoal. Na pior das hipóteses, poderia o Relator ter convertido os embargos de declaração em agravo interno e ter levado o agravo, e não os embargos, a julgamento pela Turma. Proceder da forma escolhida pelo Tribunal ‘a quo’ não encontra respaldo na legislação processual e só faz gerar confusão para o advogado da parte que, sem poder se apoiar nas disposições do CPC. O Processo Civil tem de ser, na medida do possível e desde que respeitadas as garantias constitucionais conferidas às partes, o mais descomplicado possível. A idéia é a de que o processo amplie, e não restrinja o acesso ao Judiciário. O procedimento não pode ser um labirinto cheio de becos sem saída. É necessário que o procedimento dê segurança às partes e a seus advogados. Reconheço que os exemplos que selecionei, acima, são raros e não se verificaram na hipótese dos autos. Entretanto, raros ou não, tais exemplos poderiam ocorrer na prática , e tal possibilidade já basta para que esta Corte questione a forma como tem solucionado a questão. É de todo inconveniente que este Tribunal aceite que, dependendo do conteúdo de uma decisão (e não de seu aspecto formal), seja possível impugná-la por uma, ou por outra modalidade de recurso — mesmo porque, como se demonstrou acima, haverá situações em que rigorosamente será impossível decidir que recurso interpor. Disso decorre que, no processo sub judice, é desnecessário analisar se é crasso, ou se é escusável, o erro cometido pelo advogado ao impugnar a decisão sub judice, diretamente, pela via do recurso em mandado de segurança, em vez de fazê-lo por agravo interno. Precede o seu suposto erro, um erro maior: Em hipótese alguma esta Corte poderá admitir que se esclareça, via Embargos de Declaração, no colegiado, uma decisão originariamente proferida de maneira unipessoal . Os prejuízos que seriam causados por tal desvio no procedimento, como demonstrado acima, seguramente superariam as respectivas vantagens .”
Em ambos os recursos, a solução foi a mesma: houve a anulação do acórdão recorrido, tendo-se como erro grosseiro a prática do Tribunal “a quo”, ou nos dizeres da relatora:
“A partir dessas considerações, esta Terceira Turma, no precedente supracitado, houve por bem anular, de ofício, o acórdão recorrido, reputando crasso o erro praticado pelo Tribunal, que ao julgar no colegiado os embargos contra decisão unipessoal criou uma figura híbrida que não encontra correspondente do CPC e que, portanto, não comporta, ao menos em princípio, um recurso adequado à respectiva impugnação. A mesma solução proponho para o processo sub judice.”
Nesse desfecho, o Superior Tribunal de Justiça prestigiou o princípio do paralelismo das formas. Por esse princípio, o mesmo modo e órgão competente no momento de nascimento do ato é aquele que pode também deve prosseguir em sua integração ou desconstituição. Nessa toada, comparecem “forma”, “competência”, “juiz natural”.
O princípio do paralelismo das formas vem sendo utilizado com muita frequência para afastar aquelas decisões administrativas do órgão previdenciário que cassam benefícios concedidos judicialmente. O STJ usando dessa vertente, tem anulado essas decisões administrativas.
Há várias províncias em que esse princípio do paralelismo das formas governa o modo e competência, lembrando-se, por exemplo, no processo administrativo fiscal, no qual somente o fisco pode fazer a revisão do lançamento por homologação (artigo 150, § 4º, do Código Tributário Nacional).
O princípio do paralelismo das formas tem dupla leitura:
1) a forma de constituição e desconstituição do ato: de um lado, o aspecto da formação do ato firma o modo como pode ser desconstituído, isto é, se o direito foi constituído judicialmente, só por essa via pode ser desconstituído, se o ordenamento jurídico consagra que a formação do ato administrativo é por tal modo, só por este também pode ser infirmado;
2) por outro prisma, há destaque à figura da competência para constituição e desconstituição do ato, ou seja, a indagação de quem pode constituir e desconstituir o ato.
No caso de lançamento tributário, só a autoridade tributária pode rever o ato de lançamento por homologação. E o modo é a revisão do lançamento. Não atuando no tempo devido, o lançamento considera-se definitivo.
Mas volvendo aos julgamentos invocados neste artigo, é preciso atentar para uma indagação substancial da Ministra Nancy Andrighi:
“Colocava-se, então, a questão de saber se houve esgotamento de instância.”
Vale lembrar que isso é requisito de admissibilidade do recurso especial e extraordinário (esgotamento de instância), sem o que as vias recursais ficam inviabilizadas. E a própria Ministra acena para a resposta:
“No julgamento desse recurso, ressaltei que os embargos de declaração não geram uma nova decisão sobre a causa, mas meramente uma complementação da decisão anterior. Há, portanto, grave equívoco do Tribunal ao proferir a primeira decisão, sobre o mérito, unipessoalmente, e a segunda, que meramente a esclarece, no colegiado.”
Fica, assim, o alerta de que não se considera esgotada a instância se o julgamento primitivo é singular e os embargos declaratórios são enfrentados por órgão colegiado.
[1] Bacharel em Direito e Servidor do Tribunal de Justiça de São Paulo
No dia 7 de julho, entre 9 e 18 horas, em organização conjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Universidade Nova de Lisboa, sob a coordenação de Rita Calçada Pires (Nova Tax Research Lab) e do Acadêmico da Academia Paulista de DireitoAntonio Carlos Rodrigues do Amaral (Cemapi — Mackenzie Integridade), ocorrerá o Encontro “Duas Academias em Diálogo,” cuja programação pode ser vista a seguir e a inscrição gratuita pode ser feita por este link.
Parte I: Seminário de Reflexão sobre as Dinâmicas Contemporâneas nas Políticas Públicas e, em especial, na Política Fiscal
Sessão de Abertura
Mariana França Gouveia, Diretora da NOVA School of Law & Gianpaolo Smanio, Diretor da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
Rita Calçada Pires, Diretora NOVA Tax Research Lab & Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Diretor CEMAPI/Mack
Painel 1 – Novas interrogações perante a tributação internacional: “pensar fora da caixa”
Moderador: Rita Calçada Pires
Diogo Feio, NOVA TAX Research Lab Senior Correspondent & FDUP/Sérvulo&Associados
Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Professor da Faculdade de Direito/ Diretor CEMAPI/Mack
Tiago Cassiano Neves, NOVA TAX Research Lab Senior Correspondent & Kore Partners
Gonçalo Grade, NOVA TAX Research Lab Senior Correspondent & EU – REPRE
Painel 2: As novas tendências das políticas de integridade e do combate à evasão fiscal no pós-pandemia
Moderador: Fabiano Augusto Petean, Professor da Faculdade de Direito/Coordenador Académico do CEMAPI/Mack
Ana Flávia Messa, Professora FDir/Researcher CEMAPI/Mack
Samuel Mamede, Professor CCSA/Coordenador Executivo e Researcher CEMAPI/Mack
Marco Aurélio Florêncio Filho, Professor Faculdade de Direito/Researcher CEMAPI/Mack
Carla Valério e Mariana Passos Beraldo, NOVA TAX Research Lab Senior Researchers/PhD candidates
Painel 3: Os desafios do direito e da tributação na economia digital
Moderador: Rita Calçada Pires
Felipe Chiarello, Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação UPM/Senior Researcher CEMAPI/Mack
Rafael Graça, NOVA TAX Research Lab Senior Correspondent & Outsystems
João Dácio Rolim, Correspondent Researcher CEMAPI/Mack
Márcia Pires e Artur Torres Pereira, NOVA TAX Research Lab Senior Researchers
Painel 4: Empresas, Tributação, Integridade e Direitos Humanos: O impacto de conflitos armados, económicos e culturais nos direitos e garantias fundamentais
Moderador: Antonio Carlos Rodrigues do Amaral
Marta Carmo, NOVA TAX Research Lab Senior Researcher/PhD candidate
Fabiano Dolenc Del Masso, Professor UNIMAR/Correspondent Researcher CEMAPI/Mack
Veronica Corcodel, Professora NOVA School of Law, NOVA Refugee Clinic | Legal Clinic
Luiz Fernando do Vale de Almeida Guilherme, Prof. FDir Mack
Parte II: Apresentação das Potencialidades de Investigação Colaborativa em Direito & Internacionalização do Ensino Jurídico
Moderador: Rita Calçada Pires & Antonio Carlos Rodrigues do Amaral
Armando Marques Guedes, Professor NOVA School of Law/ Diretor CEDIS/NOVA
Gianpaolo Smanio, Diretor Faculdade de Direito Mack/Senior Researcher CEMAPI/Mack
Miguel de Azevedo Moura, Professor NOVA School of Law/Vice-Diretor do CEDIS/NOVA
Conselheiro Antônio César de Araújo Freitas, Presidente do Comitê Estratégico do CEMAPI, membro do Conselho de Curadores do IPM (mantenedor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do CEMAPI) (a confirmar)
O evento ocorrerá no Colégio Almada Negreiros, Campus de Campolide, Sala 219, em Lisboa, mas poderá ser acompanhado pela internet, pela plataforma Zoom.
No Programa Data Venia, da RedeTV News, com direção executiva de Arnoldo Wald Filho, encontro dos Acadêmicos Titulares da Academia Paulista de DireitoLuiz Flavio Borges D’Urso, ex-Presidente da OAB/SP, e Arnoldo Wald.
Antonio Tito Costa, Acadêmico e um dos fundadores da Academia Paulista de Direito chega ao centenário, em 2022.
Importante jurista e político brasileiro, nasceu em Torrinha, cidade do interior paulista, em 31 de dezembro de 1922, ano marcado na história cultural brasileira pela Semana de Arte Moderna. Cursou direito na Universidade de São Paulo, tendo sido Procurador do Município de São Bernardo do Campo e Assessor dos Prefeitos de São Bernardo e Santo André.
Foi Prefeito e Vice-Prefeito de São Bernardo, Vereador de Torrinha, e Deputado Federal.
Tito Costa; Prefeito Sao Bernardo;
No direito, contribuiu com importantes estudos de Direito Eleitoral, publicando livros até hoje consultados sobre recursos em matéria eleitoral e sobre a responsabilidade de prefeitos e vereadores.
Foi Vice-Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, tendo advogado tanto na cidade de São Bernardo quanto na Capital do Estado de São Paulo, sempre na área de direito público, constitucional e eleitoral.
Em sua homenagem, Márcio Cammarosano, Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, coordenou o livro “Temas de Direito Eleitoral em Homenagem ao Centenário do Professor Doutor Tito Costa,” publicado pela editora Letras Jurídicas, coletânea de artigos de vários colaboradores. O livro será lançado no Circolo Italiano, em São Paulo, no dia 27 de junho, a partir das seis horas da tarde.
A Academia Paulista de Direito alia-se aos homenageantes, nessa merecida celebração.
Homenagem a José Raimundo Gomes da Cruz e Cássio de Mesquita Barros Jr.
Desde sua fundação, há cinquenta anos, a Academia Paulista de Direito tem sido reconhecida por reunir os mais destacados juristas brasileiros, cuja atividade tem iluminado os vários ramos da ciência e da prática do direito, assim construindo o legado cultural da jurisprudência em nosso País, celebrado internacionalmente desde pelo menos a obra civilista de Augusto Teixeira de Freitas, para citar apenas um nome dentre tantos que despontaram já no curso do Oitocentos, após a fundação dos Cursos Jurídicos no Brasil, em 1827.
José Raimundo Gomes da Cruz foi brilhante membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, tendo-se aposentado ao fim da carreira, no cargo de Procurador de Justiça. Não se limitou, contudo, à vida meramente jurídica. Conhecedor da velha máxima de que “jurista que é só jurista é pobre e triste coisa,” dedicou-se, desde os tempos de estudante da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, à atividade de escritor. O talento literário envolvido pelo jurídico lhe valeu o primeiro prêmio no Concurso de Arrazoado Forense de 1980, evento anual que se inaugurava naquele mesmo ano. Essa vocação para a escritura já havia sido reconhecida por um dos mais importantes comercialistas brasileiros, João Eunápio Borges, que foi seu professor na UFMG.
Iniciou a carreira no Ministério Público ainda em Minas Gerais, quando foi aprovado em concurso público, em 1961. Buscando novos horizontes, deixou seu Estado natal e veio para São Paulo, onde, uma vez mais, logrou aprovação no concurso público, agora para a Procuradoria paulista, onde recebeu o Colar do Mérito do Ministério Público de São Paulo.
Mestre e Doutor em Direito Processual Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, sob a orientação de outro dos brilhantes Acadêmicos Titulares da Academia Paulista de Direito, o querido Professor Cândido Rangel Dinamarco, escreveu artigos importantes de doutrina, notabilizando-se os que escreveu para a POLIFONIA Revista Internacional da Academia Paulista de Direito e para as coletâneas comemorativas dos cem anos da Revista dos Tribunais, em volumes organizados pelos também Acadêmicos Titulares da Academia Paulista de Direito, queridos Professores Rosa Maria de Andrade Nery e Nelson Nery Jr; e Arnoldo Wald; e pelos juristas Gustavo Tepedino e Luiz Eduardo Fachin; Luiz Regis Prado e René Ariel Dotti; Yussef Cahali e Francisco José Cahali; Luiz Wambier e a também Acadêmica Titular da APD Tereza Arruda Alvim Wambier; e por Sérgio Jacomino e Ricardo Dip.
Publicou artigos, ainda, na Revista Forense, da qual foi Diretora de Redação Roberta de Bragança Freitas Attié, na Revista Brasileira de Direito Comparado, nas Revistas da Procuradoria Geral de Justiça e de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, na Revista de Direito Administrativo, além de verbete na Enciclopédia Saraiva de Direito, coordenada pelo saudoso Professor Rubens Limongi França, entre outros periódicos e coletâneas, uma delas em homenagem ao também saudoso Professor Athos Gusmão Carneiro.
“José Raimundo participou, com ativo interesse e paixão, dos trabalhos de renovação e desenvolvimento da Academia Paulista de Direito, tendo escrito e publicado artigos naPOLIFONIA e na seção Breves Artigos, do novo site da APD. Quando tomei posse da Presidência da Academia, o querido Confrade lá estava, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP. Alegre, ao me cumprimentar, disse: — Vejo, aqui, o renascer da Academia e de seus ideais. Seu entusiasmo e espírito de colaboração serviram-me sempre de incentivo. O Brasil perde um grande jurista, poeta e escritor; a Academia, um querido amigo,” disse Alfredo Attié, Presidente da APD.
Cássio de Mesquita Barros Jr. foi Advogado e aposentou-se como Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Foi também Professor Titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, e membro do Comitê de Peritos da Organização Internacional do Trabalho, Presidente honorário da Academia Nacional de Direito do Trabalho, membro honorário da Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo, e Associado Emérito do Instituto dos Advogados de São Paulo
Era doutor honoris causa da Universidade Constantin Brâncusi da Romênia, tendo sido homenageado com medalhas de honra outorgadas pelo Ministério do Trabalho, pelo Tribunal Superior do Trabalho, e com a comenda Grã-Cruz da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho pelo Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.
Autor de obra jurídica de extrema relevância para o Direito do Trabalho, sobre ele disse o Professor Titular e Diretor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Acadêmico Titular e membro da Diretoria da Academia Paulista de Direito, Celso Campilongo, em depoimento ao portal jurídico Migalhas: “expoente do Direito do Trabalho com enorme reconhecimento no Brasil e no Exterior, representante do país em inúmeras organizações internacionais da área e docente estimadíssimo pelos alunos, o professor Cássio fará muita falta. Deixou exemplos de conhecimentos jurídicos e amor à faculdade. Nossos sentimentos e agradecimentos ao grande mestre.”
A Academia Paulista de Direito presta homenagem a seus queridos Acadêmicos. agradecendo pelos relevantes serviços que prestaram ao direito brasileiro, lamentando sua perda, e enviando a seus familiares e amigos condolências.
A história diplomática brasileira, malgrado percalços, tem sido coroada de êxitos, sobretudo em, às vezes, pioneirismo, outras, participação, assim como adesão, pautas importantes, na construção de um direito internacional mais coerente com a ordem internacional dos direitos e, sucessivamente, com a “ordem” ou “era dos deveres e responsabilidades”, na forma grafada e definida por Alfredo Attié.[1]
Um dos grandes expoentes dessa diplomacia constituinte foi o recém falecido diplomata José Augusto Lindgren Alves, ao qual a Academia Paulista de Direito ora presta homenagem.
Como se ressaltou, em apresentação a entrevista por ele concedida,[2] sua trajetória de embaixador “ficou marcada pela longa atuação em organismos internacionais de controle dos direitos humanos. Durante os 35 anos de trabalhos realizados no Ministério das Relações Exteriores e na Organização das Nações Unidas (…) a imbricação dos direitos humanos com temas sociais contemporâneos destacou-se como núcleo de suas preocupações. Ele foi o diplomata que criou o Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty, experiência que o inspirou a participar a título pessoal do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da ONU, órgãodecontrole da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Depois de coordenar a delegação brasileira em conferências da ONU decisivas para a consolidação democrática de diversos países, foi ao longo de tão extenso percurso que o embaixador pôde conhecer profundamente as políticas antirracistas implementadas pelos Estados nacionais participantes da ICERD, dando a sua contribuição para o sistema internacional dos direitos humanos.“
Em importantes livros,[3] ensinou, debateu e ajudou a conceber e difundir uma teoria e uma prática dos direitos humanos para além dos aspectos de influência nas relações internacionais, edificando seus aspectos normativos na configuração decisiva do direito internacional contemporâneo.
Lindgren Alves não deixou ainda de fazer implicar a proteção dos direitos humanos com o arsenal produzido pela década de ouro das Conferências e Declarações Internacionais voltadas à produção de uma ordem concatenada e integrada de deveres relativos aos povos e à natureza, assim como o fizeram, igualmente, dois outros brilhantes intelectuais brasileiros, reconhecidos igualmente na âmbito internacional, Celso Lafer e Antonio Augusto Cançado Trindade.
Além de seus livros, importante legado para a expresão de um direito mais consentâneo com as urgências de nosso tempo, teve importante participação na Conferência Mundial de Viena sobre Direitos Humanos, e atuou de forma decisiva perante a Delegação Permanente junto às Nações Unidas, em Genebra, tendo sido perito do Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial da mesma ONU.
[1] ATTIÉ, Alfredo. “Liberdade, Dissensão, Sublevaçãio: movimentos, sentimentos e versões da política e do direito” in SOLON, Ari M. et al (coord.). Múltiplos Olhares sobre o Direito. São Paulo:: Quartier Latin, 2022, p. 547–575; ATTIÉ, Alfredo. “Introdução” in SILVA, Paulo C.N. da (coord.). Direito do Estado. Londrina: Thoth, 2021, p. 43–50; além de aulas e palestras proferidas presencialmente e transmitidas pela internet; ATTIÉ, Alfredo. “Prólogo” in GUILHERME, Luiz F. do V. de A. (org.). Covid-19 na Jurisprudência dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Superiores. São Paulo: CEDES, 2021, p. 13–23; ATTIÉ, Alfredo. “Regime di Stato e Regime di Mercato: Diritti e Doveri Nessa Costruzione della Democrazia” in CICCO, Maria Cristina de (coord.). I Doveri nell’Era dei Diritti: Tra Etica e Mercato. Napoli: Editoriale Scientifica, 2021, p. 74–93.
[2] MESQUITA, Gustavo. “Um diplomata em defesa do princípio universal dos direitos humanos” in Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 32, n. 2, p. 307–327.
[3] Entre os quais, ALVES, José Augusto Lindgrin. É Preciso Salvar os Direitos Humanos. São Paulo: Perspectiva, 2018; Direitos Humanos como Tema Global. São Paulo: Perspectiva, 2011.
Antonio Augusto Cançado Trindade, Juiz da Corte Internacional de Justiça - CIJ, principal órgão contencioso e consultivo do sistema das Nações Unidas, faleceu no último dia 29 de maio.
A CIJ fez o anúncio de falecimento, manifestando imenso pesar.
Cançado Trindade foi um jurista brasileiro extremamente respeitado na sociedade internacional, sendo autor de obra fundamental para a compreensão do sistema internacional dos direitos humanos.
Compôs a CIJ de 2009 a 2018, quando foi reeleito para o segundo mandato — fato inédito entre os representantes brasileiros na instituição.
Além de doutrinador importante do direito internacional, Cançado Trindade atuou como Juiz na Corte Interamericana de Direitos Humanos, da qual foi Presidente, onde foi responsável por decisões importantes, que firmaram o diálogo entre Cortes internacionais como prática fundamrental para a eficácia da proteção dos direitos humanos.
Formou-se na Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG, tendo obtido os títulos de Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de Cambridge, no Reino Unido.
Autor de extensa obra, foi ainda membro da Comissão Consultiva da UNESCO sobre Direito à Paz e Direitos Humanos, Pesquisador Supervisor do projeto sobre Direito Humanitário e Direito Costumeiro da Cruz Vermelha, além de árbitro do Centro Internacional para a Solução de Disputas sobre Investimento, e Diretor Executivo do Instituto Interamericano de Direitos Humanos.
Foi Professor e conferencista em várias instituições de ensino, no Brasil e no estrangeiro. Foi membro do Curatorium de Direito Internacional da Academia da Haia.
Prestando homenagem a um dos mais ilustres brasileiros cultores do direito e defensores dos Direitos Humanos, a Academia Paulista de Direito permanecerá em luto, por 10 dias e, oportunamente, realizará homenagem, concedendo-lhe o título de Acadêmico Emérito.
No dia 25 de maio, na Fundação Cultural Ema Gordon Klabin, importante Casa-Museu paulistana, Celso Lafer — da Academia Brasileira de Letras, Professor Titular da Cadeira de Filosofia do Direito (na qual foi sucessor de Miguel Reale e Renato Cirell Czerna),Professor Emérito da Universidade de São Paulo, ex-Ministro das Relações Exteriores, ex-Embaixador brasileiro, em Genebra, junto à Organização Mundial do Comércio, ex‑Presidente da Fapesp, Acadêmico Emérito da Academia Paulista de Direito, um dos mais importantes intelectuais brasileiros, cujos escritos iluminaram não apenas a teoria do direito e do direito internacional , ainda as relações internacionais, igualmente, a teoria literária, a filosofia, a ciência política e a história, tendo introduzido no Brasil, cultivado e incentivado o conhecimento de autores como Hannah Arendt, Raymond Aron e Norberto Bobbio - foi homenageado, com o lançamento de dois livros de estudo — Múltiplos Olhares sobre o Direito, volumes I e II — coordenados por Professores da Universidade de São Paulo, entre os quais Elza Boiteux, da Academia Paulista de Direito, Fernando Menezes de Almeida e Ari Marcelo Solon, em artigos de vários autores e autoras que exploram, além da obra do autor ou nela se inspiram, vários áreas do saber das humanidades.
Como ressaltou Tércio Sampaio Ferraz, em seu discurso, representando os juristas presentes ao evento, tratava-se de um livro de celebração (Festschrift) — como denomina a tradição cultural acadêmica de língua alemã, e já se incorpora ao hábito universitário de vários países, o livro dedicado ao reconhecimento da importância da pessoa e da obra dos que se destacam na construção dos saberes.
Maria Arminda do Nascimento Arruda, Professora Titular de Sociologia, ex-Diretora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e atual Vice-Reitora da Universidade de São Paulo, falando em nome dos autores não juristas do livro, recuperou vários traços da personalidade do homenageado, além de ressaltar o brilho de sua carreira acadêmica e política, a par de sua contribuição decisiva, bem como de sua família, para a cultura brasileira e o desenvolvimento ético das atividades econômicas e da relação entre empresariado e estado, na construção do desenvolvimento. Sublinhou, ainda, a presença e a importância de Mary Macedo de Carvalho Neves Lafer, esposa do homenageado, Professora Doutora de Letras Clássicas da Universidade de São Paulo.
Também discursaram o editor dos livros, Vinícius Vieira, e Gustavo Ferraz de Campos Monaco, este representando os coordenadores das obras, enaltecendo o homenageado e sua obra teórica e suas realizações práticas.
Em emocionado discurso de agradecimento, Celso Lafer lembrou o papel de seus pais em sua formação, além da contribuição que tiveram para a cultura brasileira, a par de lembrar algumas das inúmeras funções que desempenhou na Universidade e na vida pública brasileira e internacional, ressaltando sua importante contribuição na criação do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, e seu papel na Conferência Internacional Rio-92, quando foi responsável pela organização do evento que firmou a marca da defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável na história do direito internacional.
Da Academia Paulista de Direito participaram Fabio Comparato, Acadêmico Emérito, os Acadêmicos Titulares Tércio Sampaio Ferraz Jr, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Pedro Bohomoletz de Abreu Dallari, Newton De Lucca, além de Elza Antonia Pereira Cunha Boiteux, os Acadêmicos Honorários André de Carvalho Ramos e Flavia Piovesan, e seu Presidente, Alfredo Attié, Titular da Cadeira San Tiago Dantas.
Em seu artigo “Liberdade, Dissensão, Sublevação: Movimentos, Sentimentos e Versões da Política e do Direito” (página 547, nota 1), Attié ressaltou que a presença de Celso Lafer na “cultura brasileira é marcante pelo estilo elegante de abordagem inteligente dos temas mais variados, em que a habilidade de exposição e escrita sempre soube entreter à preocupação e à vocação democráticas, enriquecendo os campos do direito, das relações internacionais, da filosofia política e do direito, além da crítica literária e ensaística.”
Também contribuíram com artigos e depoimentos Jacques Marcovitch, José Goldenberg, José Carlos de Magalhães, Odete Medauar, Marco Luchesi, Tereza Ancona Lopes, Rubens Barbosa, Walnice Nogueira Galvão, Gelson Fonseca Jr, Geraldo Miniuci, Guilherme de Assis Almeida, Judith Martins-Costa, Laura de Mello e Sousa, Marcelo de Azevedo Granato, Mario Losano, Massato Ninomyia, Michelangelo Bovero, Rubens Ricupero, Synésio Sampaio Góes Filho, Rui Manuel Moura Ramos, entre outros importantes autores.
Oportunamente, a Academia Paulista de Direito realizará a cerimônia de entrega do título de Acadêmico Emérito ao querido Professor Celso Lafer.